"Por Deus, tenham um blog!" Papa Bento XVI


Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Sintese Sobre livro Origem histórica da Vida Religiosa


ORIGEM HISTÓRICA DA VIDA RELIGIOSA

 

     A vida religiosa não é uma realidade abstrata e genética, mas uma vida concreta, diversificada segundo carismas,lugares e tempos.

     A vida religiosa é, antes de tudo, uma vida, uma práxis eclesial e não simplesmente uma teoria ou uma doutrina. Não é uma idéia teológica brilhante, mas um fato cristão, que faz parte do tecido eclesial.

     Antes de refletir sobre a vida religiosa é preciso observar atentamente este fato histórico. A teologia da vida religiosa é posterior à vida religiosa vivida na Igreja ao longo de sua história. Pode ser observada pelo sociólogo ou pelo historiador da cultura, só desentranha seu sentido a luz da fé.

     A vida religiosa nos ajuda a compreender melhor o que significa o Evangelho, a Igreja, o seguimento de Jesus. Faz parte de uma cristologia prática, de uma eclesiologia em ação e de uma pneumatologia histórica. Lançar o olhar nos diversos ciclos da vida religiosa na história,nosso olhar será de um teólogo que contempla a ação de Deus em sua Igreja e não de um historiador cientista frio.

 

PRÉ- HISTÓRIA

Constantes sócio-religiosas

     Formas de vida semelhantes à nossa vida religiosa cristã que são encontradas na história das religiões.

     Constantes que são encontradas nas diferentes formas de vida religiosa das diferentes religiões: vida comunitária, submissão a uma disciplina de vida livremente assumida, sobriedade, silêncio e contemplação periódicos, ascese moderada por um mestre experimentado e bom conhecedor dos diferentes temperamentos, castidade antes entendida como um meio para se concentrar no essencial do que como aversão à carne.

     Temos a clássica divisão de dois tipos de religiosidade detectada em todas as religiões:

     Funcional ou institucional: situada dentro do quadro da tradição e da instituição religiosa. Autoridade sagrada, ligada às escrituras, das quais os representantes desta religiosidade institucional são os intérpretes oficiais: rei e sacerdotes.

     Pessoal ou carismática: Não ligada diretamente a instituição, nem às tradições do passado, nem a um saber oficial ou ordem estabelecida, mais baseada numa vocação pessoal aberta para o futuro. É uma crítica à religião oficial, entra em conflito. Seus representantes mais típicos são os profetas. A vida religiosa pertence a este segundo tipo de religiosidade.

     Dois exemplos: o mundo extra-bíblico e o outro Israel.

·        mundo extra-bíblico. Duas formas de vida religiosa. Uma da antiguidade, que pode ter influído na Igreja primitiva, os grupos pitagóricos, e outra ainda existente, o monacato budista.

 

     No ideal pitagórico: sobressaem entre outros elementos: o sentido comunitário da vida, a ascese centrada na renúncia dos bens e das relações sexuais a fim de obter a imperturbabilidade passional (apatheia)que permitirá chegar à contemplação (teoria) de Deus e dos bens superiores.

      O monacato budista introduz nas formas ascéticas hindus o celibato e a comunidade.  Seus elementos básicos são: a fuga do mundo, a libertação das paixões por meio da disciplina do silêncio, do trabalho, da pobreza e da castidade e a busca de um goso novo, o descobrimento do absoluto. O material não pode ser o fim da vida humana.

Já percebemos que: os valores como a ascese,  o celibato, a comunidade e o aprofundamento na dimensão transcendente da vida são as raízes comuns a toda forma de existência religiosa.

Israel : Texto de Amós resume os dois exemplos mais típicos em Israel da religiosidade carismática pessoal não institucional.(Am 2,11-12)

              Os nazireus: sua consagração a Deus se concretizava em três votos: não cortar o cabelo, abster-se de vinho e não aproximar de nenhum cadáver. Estes votos terminavam com ritos de purificação de holocaustos no final da consagração.

               Mas significativos que os Nazireus são os profetas. Que recebem uma vocação especial de Javé a fim de guiar o povo, sobretudo em momentos críticos de sua história. Não se reduz a Israel o profetismo. Missão: é libetar, curar, vivificar, salvar o povo, levando-o pelo caminho da vida.

         O profetismo no Antigo Testamento é um elemento importante para a compreensão teológica da vida religiosa, como veremos no decorrer deste trabalho. Ex: grupos de orientação sapiencial; comunidades de tendência apocalípica.

         Testemunho: forma de vida cristã dos três primeiros séculos.

O que caracteriza estes primeiros séculos é o estilo secular da vida dos cristãos. A fé é vivida no mundo, mundo urbano, sem distinções aparentes dos demais no aspecto exterior. Ex; A carta de Diogneto.

         Padres Apostólicos e Apologetas; Cipriano, Clemente, Orígines etc. Há cristãos cultos (filósofos e apologetas) e ricos, como os que moram no palácio imperial, mais a maioria são pessoas humildes.

         O centro da vida cristã era a Eucaristia, fração do pão, ação de graças ao Pai, vínculo de caridade fraterna (Didaqué IX e X)

         A oração marca toda a vida dos primeiros cristãos. Os momentos principais do dia: levantar, refeições, ir às termas, deitar.

 

ASCETAS E VIRGENS

 

         O Decreto Perfectae Caritatis afirma:

Existiram desde os primórdios da Igreja homens e mulheres que se propuseram pela prática dos conselhos evangélicos seguir a Cristo com maior liberdade, e imitá-lo mais de perto, e levaram, cada qual a seu modo, vida consagrada a Deus”(PC 1b).

         A continência, celibato ou virgindade é uma realidde nova própria do Novo testamento  no mundo greco-romano.

         Constata-se o tema da virgindade desde a época apostólica (At 21,8: as quatros filhas do diácono Felipe, que profetizavam).

         Clemente Romano, em sua carta aos coríntios, faz alusão às virgens.

         Apologetas (Atenágoras, Justino, Taciano, minúcio Félix) falam em virgindade.

         Inácio de Antioquia faz alusão a elas. Sobretudo no séculoIII, já temos tratados sobre a virgindade e sobre as virgens (Tertuliano, Cipriano, Orígines, Metódio de Olimpo).

 

 

MÁRTIRES

 

         Durante os três primeiros séculos o martírio foi uma realidade e uma possibilidade sempre aberta. O martírio é a testemunha que dá testemunho de sua fidelidade a Cristo, pois a prova maior de amor é dar a vida por aquele que se ama (Jo15,13). Na Igreja primitiva o mártir é amado é respeitado, é visitado no cárcere, é enterrado com devoção, lhe é prestado culto. Tanto o martírio como a virgindade são uma profecia evangélica dentro de uma sociedade cheia de corrupção e idolatria.

 

DESERTO

 

         A paz de Constantino de 313 e o posterior reconhecimento oficial da Igreja no tempo de Teodósio, em 380, trouxeram a liberdade à Igreja, mais às custas de uma estreita vinculação com o poder do império, tornado-se o Deus dos cristãos o seu Deus protetor e o Papa se tornado o grande Sumo Pontífice.

         A Igreja começa a ter privilégio e riquezas, suas leis são oficiais, afluem as conversões em massa para a religião oficial do Estado.

         Motivos da ida para o deserto que se dá justamente aqui:

·        saudade da Igreja perseguida e da tensão do martírio;

·        saudade da vivência de um cristianismo vivido de forma mais radical;

·        cristãos que desejavam viver o cristianismo com integridade.

Temos dois tipos :

·        aqueles que fugiram na época da perseguição e não voltaram;

·        outros fugiram quando tudo fazia pensar que começava uma vida florescente e próspera para a Igreja.

O fenômeno desta fuga para o deserto é tão vasto e forte que com ele, pode-se dizer, começa o fenômeno eclesial da vida religiosa em sua versão mais primitiva: a monástica. Monaquismo  primitivo sempre se encontram alusões a temas evangélicos, à imitação dos apóstolos e da Jerusalém primitiva...

 

A AVENTURA DE ANTÃO

 

         Antão, representa o protótipo, o ícone, da vida monástica. Daí a grande influência que teve, tanto em suscitar vocações para o monacato, como em toda a história da espiritualidade.

         Pensando na perfeição dos apóstolos e da Igreja primitiva, ao participar da liturgia,ouve as palavras de Mateus:”Se quiseres ser perfeito, vai, vende tudo que tens, dá aos pobres”(Mt 19,21). E assim o faz.

         Começa o seguimento de Jesus, levando vida ascética em sua  própria casa. Seu tempo está distribuído entre trabalho manual, leitura da Escritura, oração contínua e atenção a si mesmo. Une virtudes ascéticas (vigílias, jejuns, dormir no chão) com as sociais (amabilidades, caridade). Vence as tentações mundanas, pensando no além e sobretudo na presença de Cristo em seu coração.

         Depois de um tempo de preparação espiritual, Antão se lança ao deserto, lugar de tentação e da presença do maligno. Deseja ser mártir e vai a Alexandria. Mas Deus queria para ele outro tipo de martírio: o martírio cotidiano da vida monástica. Volta em busca da solidão e do silêncio. Volta de novo a Alexandria para disputar com os hereges, pois a heresia é obra do demônio.

         Morre quando chega ao cume da maturidade e da paternidade espiritual. cheio do Espírito, possui a sabedoria e o poder do homem de Deus, reconciliado consigo mesmo, com a natureza e com os demais. Seus últimos conselhos são uma exortação: à vigilância e à confiança em Deus.

         Os grandes temas da vida monástica que aparecem na vida de Antão:

·        vigilância escatológica;

·        luta contra o demônio;

·        solidão;

·        trabalho manual;

·        leitura da Escritura;

·        ascese moderada pelo discernimento;

·        ajuda espiritual aos outros...

A vida  de Antão exerceu grande influência. Os desertos da Tabaida foram povoados de monges e monjas que queriam imitar seu exemplo. É a ação do Espírito que faz surgir essa caminhada para o deserto.

 

A KOINONIA DE PACÔMIO

 

         O exemplo de Antão entusiasma muitos. Mas o deserto é perigoso e se requer a  ajuda de uma perito para poder avançar sem riscos nesta grande aventura espiritual.

         Aos poucos os anacoretas se agruparam sob a direção de um mesmo pai espiritual. Assim, o pai espiritual se converte em superior e pai de uma nova comunidade e a vida anacoreta se transforma em vida cenobítica. As próprias exigências da vida monástica levam a esta mudança que será importantíssima para a vida religiosa: nascem as primeiras comunidades religiosas. Neste processo evolutivo Pacômio desempenha um papel destacado.

         De família pagã, se converte aos 20 anos. Lidera um grupo de discípulos seus para a vida cenobítica. Depois de um primeiro fracasso, expulsa os monges que procuram não tanto a perfeição espiritual quanto a comodidade material de uma vida segura e propõe uma regra de vida para a futura comunidade. Nasce a vida cenobítica , a Koinonia. A primeira regra de vida em comum é uma grande audácia, uma autêntica aventura espiritual.

         Quando Pacômio morre em 346, existem 8 fundações para homens e 2 para mulheres e no final do século havia no Egito mais de cinco mil monges segundo Cassiano ou até sete mil segundo Paládio. O mais característico da espiritualidade pacomiana,porém é a vida cenobítica ou comunitária, a santa koinonia. A vida comum imita a vida em comum dos apóstolos com o Senhor e por isso pode ser legitimamente chamada de vida apostólica.

         Esta Koinonia se fundamenta na pobreza (deixar tudo e viver do comum), na comunidade de vida, de mesa, de trabalho de oração, de liturgia. A obediência une a comunidade e a deixa coesa. A obediência é direção espiritual, abnegação e realização da vida comunitária. De agora em diante a vida comunitária constitui um elemento integrante da vida religiosa, e a vida anacorética, sem desaparecer, terá mais caráter extraordinário ou terá de se organizar de algum modo em comunidade. Por ex: os cartuxos.

 

CRESCIMENTO E EXPANSÃO

 

         Em 330 encontramos mosteiros na Mesopotâmia, em 340 na Palestina e numerosas comunidades monásticas no Egito, em 345 Eusébio de Vercelli introduz a vida monástica na Itália e estabelece uma vida comum para os sacerdotes, que será a origem da futura vida canônica.

         Diferente da Ásia Menor, Eustáquio de Sebaste inicia uma vida monástica cheia de rigorismo, da qual se distanciará Basílio, o pai do monacato oriental, que estabelecerá um etilo de vida equilibrado e comunitário, centrado no amor a Deus e ao próximo.

         Basílio morre, seu irmão Gregório de Nissa, continua sua obra de direção do monacato oriental. Se estende pela Europa; 361 São Martinho funda Ligugé na Gália. Em 416 Cassiano funda mosteiros em Marselha, aproveitando sua rica experiência monástica no Egito e Palestina. Na África, Agostinho legisla pela primeira vez a vida monástica ocidental e funda comunidades de vida comum para sacerdotes urbanos. Seu ideal: “é um só coração e uma só alma”.

         No século V e VI o monacato se estenderá à Irlanda, Itália, Hispânia. Mas a grande figura do século VI é Bento de Núrsia, verdadeiro pai do monacato ocidental.

 

MATRIZ DE UMA NOVA SOCIEDADE

 

         Os monges surgem, em grande parte, como reação contra a Igreja constantiniana. Mas a evolução histórica da vida monástica transforma o mosteiro em matriz da nova sociedade medieval e em aglutinador da Igreja de cristandade. O mosteiro se transforma em potência econômica devido ao trabalho dos monges e doações dos ricos em terras que era o que se tinham de maior valor na época.

         Os mosteiros se transformaram em objeto de apetite político e eclesial e tanto príncipes como bispos procurarão sua colaboração e seu apoio. A oração se transformou em culto suntuoso e o trabalho manual é abandonado nas mãos dos servos. Lentamente foi se passando do deserto para o centro do poder socioeclesial. Fica longe da radicalidade evangélica e carismática do monacato primitivo.

 

REFORMAS

 

         É uma tentativa de voltar às origens, ao carisma primitivo, ao deserto.

No século IX, Bento de Aniane plena época carolíngia, tenta  voltar à Regra beneditina, insistindo na importância do trabalho manual e do ofício divino. Essa reforma foi imposta a todos os mosteiros do império carolíngio e produziu um certo “renascimento carolíngio”, de curta duração devido á morte prematura de Bento de Aniane e ás ondas de invasões que sacodem o ocidente europeu. Novamente a vida monástica relaxa, se desorganiza, corrompe-se.

         No século X é iniciada em Cluny outra reforma promovida por uma série de ilustres abades do mosteiro (Berno, Odo, Odilão, Hugo, Pedro o Venerável...) É uma volta à regra beneditina, à observância dos votos, ao estudo, á oração e ao trabalho manual. A importância desta reforma ultrapassa a vida monástica e se estende a toda  Igreja. Um dos monges de Cluny, Gregório VII, lutará pela liberdade da Igreja contra as investidas dos príncipes leigos. Mas influência de Cluny se transforma também em poder econômico.

         No século XI, a partir de Cluny mesmo, surge uma nova reforma, liderada por três monges rebeldes. Roberto de Molesme, Estevão Harding e Alberico iniciarão novamente um retorno à regra beneditina e fundarão Cister. Mas será Bernardo de Claraval seu segundo fundador e principal impulsor. Este jovem borgonhês, que aos 22 anos entra no Cister com 32 companheiros que havia conquistado para o claustro, possui uma forte personalidade: ardorosa, de uma eloqüência irresistível, com grande dom em relação ás pessoas e talento organizador. Funda o mosteiro de Claraval, do qual será abade por mais de 38 anos, e depois funda 68 mosteiros por toda a Europa.

         Mas apesar da preocupação de Bernardo em manter seus mosteiros longe da riqueza, de sua insistência no trabalho manual e na austeridade de vida, cujo símbolo é a vestimenta branca, os mosteiros cistercienses se enriquecem, as doações aumentam, o trabalho manual é deixado aos leigos e suas propriedades se estendem da Escardinávia à Sicília.

         O monaquismo não consegue se subtrair  ao mundo feudal que chega a interferir até na nomeação dos abades.

 


 PERIFERIA


Século XII

         Na vida econômica há um deslocamento das grandes explorações rurais para as cidades em expansão. Constata-se um grande crescimento demográfico e uma emigração do campo para a cidade. Surgem subúrbios pobres e muito povoados. O comercio é intensificado e passa a ser uma das novas fontes de riqueza dos habitantes dos burgos, que passarão a chamar-se burguesia.

         A nível social, no lugar de vassalagem feudal nascem as cartas coletivas, as vilas livres ou francas, as cartas de liberdade, as comunas sem juramento de fidelidade ao senhor, associações ou corporações sem vínculos de dependência e com juramento entre iguais. Surgem fraternidades, comunidades, confrarias, agremiações ...

         A Igreja fica desorientada perante este novo mundo. Ela havia dado a alma para o feudalismo, havia feito dos mosteiros locais de humanização e de cultura, havia sacramentado o juramento de vassalagem feudal, benzia as armas dos cavaleiros, aos quais inspirava um espírito de justiça e caridade para com os pobres e desvalidos, criara hospitais, escolas, e com os dízimos criara uma espécie de segurança social, baseada na política da misericórdia. É notável a audácia e a caridade evangélica dos trinitários e mercedários, consagrados à redenção dos cativos. Eram uma resposta às necessidades urgentes da época. Também as ordens militares se enquadram dentro do mundo cavaleiresco e feudal das cruzadas.

O mudo feudal desmorona, mas  Igreja continua feudal em suas possessões,domínios e no sistemas de benefícios. Mosteiros e bispados cobrem toda a Europa. Os abades e os bispos são senhores feudais e se relacionam com seus súditos e com o ovo com espírito feudal. A própria liturgia da ordenação sacerdotal é, no fundo, um ritual de vassalagem feudal.

         A Igreja institucional não compreende o movimento comunal no conjunto e fica prisioneira do passado e da ordem estabelecida, em grande parte, por ela mesma. Prega justiça e caridade e fica longe das aspirações dos artesãos, das cartas de franquia, de tudo o que representa mudança. Permanece feudal em sua mentalidade, em seu governo, em sua concepção teológica e espiritual. Une-se a queixa dos senhores e forma bloco com eles.

         Além disso tudo, a Igreja se sente impotente em seu apostolado, não consegue evangelizar a nova sociedade que nasce. Há uma sensação de fracasso apostólico. Mesmo as formas mais renovadas de vida monástica, como Cister, sentem-se distantes do povo. Há uma sensação de perplexidade, de medo, de desconcerto.

         Este é o quadro necessário para se compreender as novas formas de VR do século XIII.

VOLTA AO EVANGELHO


         Por toda parte surgem grupos, associações, fraternidades, que desejam voltar ao evangelho, à Igreja primitiva, à vida dos apóstolos. Surgem grupos espontaneamente, sobretudo leigos, com saudades da Jerusalém primitiva e da itinereância apostólica em pobreza e simplicidade. Aparem pregadores ambulantes, missionários espontâneos, alguns deles com um marcado sectário e antiinstitucional, que negam os sacramentos e a hierarquia a favor de uma espiritualidade dualista: cátaros, albigenses, etc. Outros, como os valdenses, humilhados, pobres católicos, etc., acentuam a pobreza, a comunidade , a pregação ... Há grupos leigos que são precedentes das modernas comunidades de base: comunidades de leigos, pobres, que querem viver concretamente o evangelho.

OS MENICANTES


         Os mendicantes inauguram um novo ciclo de VR. Não é uma simples reforma monástica, mas um autentica renovação. Diversas ordens são agrupadas sob o nome de mendicantes: carmelitas, ermitãos de Santo Agostinho, servitas, franciscanos, dominicanos.

         Francisco e Domingos deixam a segurança dos mosteiros, suas rendas e benefícios e se colocam na periferia das cidades e a margem do poder. Vivem de esmolas. É uma critica implícita todo sistema econômico feudal. Sua pobreza supõe um corte radical do sistema anterior, que a Igreja continua pregando. Rompem com o paternalismo abacial, réplica do sistema feudal na vida monástica, e começam a viver um estilo novo de fraternidade comunitária, com eleições freqüentes, que correspondem ao espírito das novas corporações. Entram na universidade, batizam Aristóteles, alimentam estudos bíblicos sérios e críticos, abandonam os vales onde viviam os monges medievais e se instalam nas cidades, mas não no centro e sim na periferia, junto com os estudantes e os novos pobres. Deixam a beneficência para os organismos comunais.

FRONTEIRA

COMEÇA UMA NOVA ERA

O século XVI

         Marca um giro no mundo ocidental europeu. As grandes descobertas: a América, a bússola, a imprensa, o relógio mecânico, a artilharia, o alambique, o bicho da seda e a sela para montar a cavalo. Estas mudanças vão imprimir e possibilitar novos ideais: redescobre-se a antiguidade, começa o renascimento, o mundo moderno por humanismo antropológico, um sentido novo da consciência, da liberdade da critica, da utopia humana, uma nova revolução copernicana não só na ciência, mas também na cosmovisão total. Nascem os nacionalismos e um incipiente capitalismo mercantilista.

         Na situação eclesial, por toda parte surgem grupos e movimentos que desejam viver evangelicamente, freqüentemente misturando valores autênticos com perigosos iluminismos, entusiasmos contagiosos e posturas anti-romanas. A inquisição não cessa de descobrir heresias suspeitas ...

         As velhas ordens iniciaram nesta época um movimento de reforma: os beneditinos se reagrupam os dominicanos receberam novos impulsos em torno de salamanca, os franciscanos se reformaram (recoletos, reformulados, alcantarinos) e nascem os capuchinhos,liderados por Mateos Bascio, em 1528; os carmelitas e as carmelitas vivem uma profunda renovação espiritual guiados por Santa Tereza de Jesus e São João da Cruz: são os carmelitas descalços. As antigas ordens reformadas e renovadas realizarão  primeira evangelização da AL: franciscanos, dominicanos, agostinianos e mercedários.

         Mas a reforma das antigfas ordens não é sufuciente para responder às exigências dos novos tempos. Como em outros momentos da história, o Espírito suscita um novo ciclo de VR.

         A aproximação apostólica iniciada pelos mendicantes é agora aprofundada e diante das novas necessidades da Igreja e da sociedade surgem novas congregações. Algumas com fins específicos muito concretos: a cura de doentes, (como os hospitalários de São João de Deus), outras agrupando sacerdotes que trabalham independentemente em diversos campos e vivem em comunidades (Oratório de São Filipe Néri). As mais características destra época,porem, são os chamados clérigos regulares: teatinos (Caetano e Caraffa), barnabita (Antonio Maria Zaccaria), escolápios (Jose de Calasanz), camilianos (Camilo de Lélis) e jesuítas (Inácio de Loyola). Todos eles têm uma série de traços em comum: fundados na Itália e centrados em Roma, fazem uma opção clerical, como forma realista de realizar seu apostolado num mundo convulsionado por heresias e doutrinas suspeita. Sua formação intectual e prolongada e sólida. A estrutura interna destas ordens é forte e coerente, eliminando, por outro lado, elementos monásticos como o oficio coral, o habito próprio, os jejuns e penitencias obrigatórias para todos por regra. Todos eles estão abertos as mais variadas necessidades apostólicas: pregação missões, ensino, cuidar dos enfermos e desvalidos. A comunidade é mais ação apostólica do que apenas convivência; e a obediência mais como orientação da missão apostólica do que mera reguladora da vida comunitária. Em geral estão situados nas novas fronteiras que a modernidade abre ao mundo e a Igreja, para o que estão mais preparados do que as antigas ordens monásticas e medievais.

VIDA RELIGIOSA FEMININA


         Embora desde o começo da VR o numero de mulheres consagradas tenha sido maior do que o dos homens, estruturalmente, contudo, a VR feminina depende da masculina. As fundadoras ou procuram um co-fundador para apoiar suas iniciativas, ou elas mesmas secundam as iniciativas de um fundador. Isto não se deve à pouca personalidade das mulheres, mas às circunstancias sociais e eclesiais do tempo, que não permitem outra forma de agir.

         Mas há casos extraordinários de mulheres realmente excepcionais que, desafiando a época, se lançaram a iniciativas realmente revolucionarias para seu tempo. Entre elas: Ângela de Mérici , em 1530 funda as ursulinas; Mary Ward, em 1609, funda o instituto da Bem-aventurada Virgem Maria. Muito êxito teve a fundação de Vicente de Paulo e Luiza de Marilac, as filhas da caridade ou vicentinas 1634.

NO SECULO XVIII


         A VR parece um resíduo de outros séculos numa sociedade cada vez mais laicizada. A nível eclesial se constata um progressivo abandono do mundo rural, cada vez mais descristianizado,por falta de evangelização.

         Uns trinta institutos nascem nesta época, a maioria na França, alguns dos quais tem seu ramo feminino. Estes institutos encarnam três formas ou estilos diferentes de VR.

         1 – Sociedades ou companhias de sacerdotes de vida comum, como o Oratório de Bérulle, que introduz e recria na França o Oratório de Filipe Néri; os lazaristas ou vicentinos de Vicente de Paulo; os sulpicianos de Olier; os eudistas de João Eldes; os de missões estrangeiras. Distinguen-se do clero diocesano por sua vida em comum e muitos deles cuidam, com predileção, da formação de outros sacerdotes em seminários.

         2 – Um segundo grupo é formado por congregações leigas, como o dos irmãos das escolas cristãs de João Batista de La Salle, dedicadas ao ensino popular, gratuito e em linguagem vernácula (francês) Esta vida religiosa leiga é a maior novidade da época. O apogeu de VR leiga ocorrerá no séc.XIX.

         3 – Na Itália surgem congregações como os pasionistas de Paulo da Cruz e os redentoristas de Afonso de Ligório. Ambas as congregações se preocupam especialmente com as missões populares e rurais

         Todas estas formas de VR, também como as antigas decaíram profundamente no final do século. Os movimentos revolucionários provocarão uma crise em toda VR e a obrigarão a uma nova forma de posição. Este abalo da maioria dos religiosos é sem duvida um sinal de que a VR assumira posições mais intraeclesiais e conservadoras, abandonando talvez as tarefas mais missionárias e de fronteira.

NO SECULO XIX


         Lentamente a VR          renasce das cinzas, ou renasce sob novas formas.

         Em primeiro lugar, passando o vendaval da tormenta, são restauradas as grandes ordens antigas.Pio VII em 1814, restabelece a Companhia de Jesus, confiando na ajuda destes “hábeis remadores” da barca de Pedro, tão sacudida pelas tempestades dos tempos. Em 1833, Dom Gueranger restaura os beneditinos da França, a partir de Solesmes. Pouco depois são restabelecidas as congregações beneditinas da Alemanha e da Itália, que serão federadas entre si por iniciativa de Leão XIII. Cisterciences e trapistas se reorganizam. Os franciscanos se restabelecem em três ramos: “irmãos memores, conventuais e capuchinhos”, e vivem um momento de grande expansão missionária . Os dominicanos, expulsos pela revolução francesa de quase toda Europa, são também restaurados com novo ímpeto, empreendendo trabalhos intelectuais, educativos e missionários. Também a vida religiosa feminina tradicional se refaz com novo fervor.

         Há um grande nascimento de novas congregações religiosas masculinas e femininas: maristas, marianistas, palotinos, salesianos, oblatos de Maria Imaculada, cordinarianos, agostinianos da assunção, sociedade do verbo divino, padres brancos, sagrados corações, etc., religiosas da Sagrada Família, de Jesus Maria, do Sagrado Coração, escravas do Sagrado Coração, salesianas, irmãzinhas da assunção, josefinas da providencia, novos ramos franciscanos, dominicanas, mercedarias, hospitalarias, etc. A VR feminina, que no século anterior se viu restringida pelas estruturas canônicas eclesiásticas, passa agora a fundar comunidades apostólicas e congregações com votos simples, muitas vezes sob a proteção dos bispos mas que , mais tarde, depois da bula Conditae a Chisto de Leão XIII, passam a ter reconhecimento de direito pontifício.

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX (1900 – 1950)

         Nestes anos há duas formas de VR que, apesar de seus diferentes delineamentos, merecem menção especial

         A primeira se inspira em Charles de Foucauld. Outra forma de vida consagrada que aparece nesta primeira metade do século é a dos institutos seculares.

         Para alguns, os instituto seculares  são a resposta adequada para o mundo secular de hoje e sua presença equivale ao que foi Bento no decadente Império Romano, Bernardo no feudalismo cavaleiresco, Francisco no mundo do comércio, Domingos no despertar intelectual do século XIII e Inácio nos albores do mundo renascentista e moderno ... Para outros, os institutos seculares significam o retorno ao tempo da Igreja primitiva, quando os ascetas e as virgens davam testemunho de Cristo em suas próprias cidades, sem abandonar o mundo. Outros, porem preferem classificar os institutos seculares mais entre os leigos do que entre s religiosos: são leigos consagrados.

VOLTA ÀS ORIGENS


O CHOQUE DO VATICANO II


         Para compreender melhor o sobressalto dos religiosos, que VR sociologicamente pertence a um tipo de religiosidade não tanto institucional ou funcional, quando carismática e profética. Pertence ao tipo de respostas renovadoras que surgem como reação contra o esclerosamento institucional, quando a instituição tende a se auto conservar em vez de se por a serviço de sua finalidade fundamental. Segundo a terminologia de Troeltsch e Max Weber: é uma resposta crítica a uma forma de “ Igreja” que parece ter esquecido sua finalidade.

         A VR surgiu em momentos de crise social e eclesial. Agora é a Igreja institucional que , reunida em concilio, pede uma renovação da VR e obriga todas as ordens e congregações religiosas a realizarem um capitulo especial de renovação de acordo com os seguintes princípios:

a)     Volta ao evangelho: esta deve ser a norma e a regra suprema de toda vida cristã e também da VR. Toda VR deve brotar do apelo do Senhor em segui-lo.

b)    Volta ao carisma dos fundadores: quer dizer, às suas origens carismáticas, talvez por demais esquecidas com o decorrer dos anos, devido às preocupações pragmáticas do momento.

c)     Abertura aos movimentos renovadores da Igreja de hoje: concretamente são os movimentos bíblico, litúrgico, dogmático, pastoral, ecumênico, missionário e social. Estes movimentos, nascidos no começo do século XX e muitas vezes liderados por religiosos são agora assumidos pelo Vaticano II como coisa própria e oficial da Igreja. Os religiosos são chamados a não ficar à margem deles. Isso significa que, como coletividade, haviam-se mantido longe destes impulsos renovadores da Igreja.

d)    Abertura aos sinais dos tempos: um maior conhecimento das condições históricas e eclesiais para poder discernir melhor os chamados do Senhor e dar~lhes uma resposta mais eficaz. Nem sempre os religiosos do século XIX e começo do século XX pareciam sensíveis aos sinais dos tempos.

e)     Renovação espiritual: sem ela as outras reformas seriam puramente exteriores ou meramente intelectuais.

Na América Latina, Medellin concretiza algumas destes pontos

a) Renovação institucional: Através dos capítulos especiais surge uma nova legislação que traduz a nível de constituições o espírito do Vaticano II.

b) Renovação teológica e espiritual. Multiplica-se os cursos de renovação conciliar, orientações para uma maior formação teológica e um aprofundamento espiritual do Vaticano II.

c) Renovação pratica. As mudanças se traduzem em prática cotidiana: horários, hábitos,formação, trabalho, estilo de comunidade, apostolado ... No Primeiro Mundo esta renovação leva a uma inserção no mundo secular das cidades, ao passo que No terceiro Mundo a inserção se faz nos ambientes populares e pobres.

         Nos anos pós-conciliares a VR adquiriu nova fisionomia. A realidade é rica e complexa. Embora com o risco de simplificar , pode-se distinguir três tipos de VR.

Tradicional – Mesmo depois do Vaticano II persiste um estilo de VR que mantém, com pequenas variações , os traços essenciais da VR do século XIX e da primeira metade do século XX.

Moderna – Tem forte conotação cristocêntrica e pascal e se desenvolve notavelmente nela a dimensão comunitária.

Solidária – Sobretudo na AL, mas também em zonas marginais do Primeiro Mundo, surge uma VR preocupada especialmente com a justiça.

         A VR feminina desempenhou um importante papel. As religiosas deram provas em todo o período pós-conciliar de uma grande vitalidade, entrega e capacidade de adaptação. Mais ainda, a falta de poder da mulher na sociedade e na Igreja faz com que as religiosas tenham uma co-naturalidade especial para se aproximarem dos lugares mais pobres e marginalizados. Não foi uma simples inserção geográfica, mas uma inculturação e assimilação de uma nova espiritualidade. A VR feminina constitui hoje em dia, mais do que nunca, um potencial evangélico incalculável, que talvez não seja suficientemente conhecido nem apreciado.

 

 

 

Bibliografia

 

Codina, Vitor; Vida religiosa: história e teologia, Série IV a Igreja, sacramento de libertação, coleção: teologia e libertação no 9; Vozes, Petrópolis RJ, 1990.

terça-feira, 13 de agosto de 2013


MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO
PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES 2013
(20 DE OUTUBRO DE 2013)

 

Queridos irmãos e irmãs,

Este ano, a celebração do Dia Mundial das Missões tem lugar próximo da conclusão do Ano da Fé, ocasião importante para revigorarmos a nossa amizade com o Senhor e o nosso caminho como Igreja que anuncia, com coragem, o Evangelho. Nesta perspectiva, gostaria de propor algumas reflexões.

1. A fé é um dom precioso de Deus, que abre a nossa mente para O podermos conhecer e amar. Ele quer entrar em relação connosco, para nos fazer participantes da sua própria vida e encher plenamente a nossa vida de significado, tornando-a melhor e mais bela. Deus nos ama! Mas a fé pede para ser acolhida, ou seja, pede a nossa resposta pessoal, a coragem de nos confiarmos a Deus e vivermos o seu amor, agradecidos pela sua infinita misericórdia. Trata-se de um dom que não está reservado a poucos, mas é oferecido a todos com generosidade: todos deveriam poder experimentar a alegria de se sentirem amados por Deus, a alegria da salvação. E é um dom que não se pode conservar exclusivamente para si mesmo, mas deve ser partilhado; se o quisermos conservar apenas para nós mesmos, tornamo-nos cristãos isolados, estéreis e combalidos. O anúncio do Evangelho é um dever que brota do próprio ser discípulo de Cristo e um compromisso constante que anima toda a vida da Igreja. «O ardor missionário é um sinal claro da maturidade de uma comunidade eclesial» (Bento XVI, Exort. ap. Verbum Domini, 95). Toda a comunidade é «adulta», quando professa a fé, celebra-a com alegria na liturgia, vive a caridade e anuncia sem cessar a Palavra de Deus, saindo do próprio recinto para levá-la até às «periferias», sobretudo a quem ainda não teve a oportunidade de conhecer Cristo. A solidez da nossa fé, a nível pessoal e comunitário, mede-se também pela capacidade de a comunicarmos a outros, de a espalharmos, de a vivermos na caridade, de a testemunharmos a quantos nos encontram e partilham connosco o caminho da vida.

2. Celebrado cinquenta anos depois do início do Concílio Vaticano II, este Ano da Fé serve de estímulo para a Igreja inteira adquirir uma renovada consciência da sua presença no mundo contemporâneo, da sua missão entre os povos e as nações. A missionariedade não é questão apenas de territórios geográficos, mas de povos, culturas e indivíduos, precisamente porque os «confins» da fé não atravessam apenas lugares e tradições humanas, mas o coração de cada homem e mulher. O Concílio Vaticano II pôs em evidência de modo especial como seja próprio de cada baptizado e de todas as comunidades cristãs o dever missionário, o dever de alargar os confins da fé: «Como o Povo de Deus vive em comunidades, sobretudo diocesanas e paroquiais, e é nelas que, de certo modo, se torna visível, pertence a estas dar também testemunho de Cristo perante as nações» (Decr. Ad gentes, 37). Por isso, cada comunidade é interpelada e convidada a assumir o mandato, confiado por Jesus aos Apóstolos, de ser suas «testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo» (Act 1, 8); e isso, não como um aspecto secundário da vida cristã, mas um aspecto essencial: todos somos enviados pelas estradas do mundo para caminhar com os irmãos, professando e testemunhando a nossa fé em Cristo e fazendo-nos arautos do seu Evangelho. Convido os bispos, os presbíteros, os conselhos presbiterais e pastorais, cada pessoa e grupo responsável na Igreja a porem em relevo a dimensão missionária nos programas pastorais e formativos, sentindo que o próprio compromisso apostólico não é completo, se não incluir o propósito de «dar também testemunho perante as nações», perante todos os povos. Mas a missionariedade não é apenas uma dimensão programática na vida cristã; é também uma dimensão paradigmática, que diz respeito a todos os aspectos da vida cristã.

3. Com frequência, os obstáculos à obra de evangelização encontram-se, não no exterior, mas dentro da própria comunidade eclesial. Às vezes, estão relaxados o fervor, a alegria, a coragem, a esperança de anunciar a todos a Mensagem de Cristo e ajudar os homens do nosso tempo a encontrá-Lo. Por vezes há ainda quem pense que levar a verdade do Evangelho seja uma violência à liberdade. A propósito, são iluminantes estas palavras de Paulo VI: «Seria certamente um erro impor qualquer coisa à consciência dos nossos irmãos. Mas propor a essa consciência a verdade evangélica e a salvação em Jesus Cristo, com absoluta clareza e com todo o respeito pelas opções livres que essa consciência fará (...), é uma homenagem a essa liberdade» (Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80). Devemos sempre ter a coragem e a alegria de propor, com respeito, o encontro com Cristo e de nos fazermos portadores do seu Evangelho; Jesus veio ao nosso meio para nos indicar o caminho da salvação e confiou, também a nós, a missão de a fazer conhecer a todos, até aos confins do mundo. Com frequência, vemos que a violência, a mentira, o erro é que são colocados em evidência e propostos. É urgente fazer resplandecer, no nosso tempo, a vida boa do Evangelho pelo anúncio e o testemunho, e isso dentro da Igreja. Porque, nesta perspectiva, é importante não esquecer jamais um princípio fundamental para todo o evangelizador: não se pode anunciar Cristo sem a Igreja. Evangelizar nunca é um acto isolado, individual, privado, mas sempre eclesial. Paulo VI escrevia que, «quando o mais obscuro dos pregadores, dos catequistas ou dos pastores, no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a sua pequena comunidade, ou administra um sacramento, mesmo sozinho, ele perfaz um acto de Igreja». Ele não age «por uma missão pessoal que se atribuísse a si próprio, ou por uma inspiração pessoal, mas em união com a missão da Igreja e em nome da mesma» (ibid., 60). E isto dá força à missão e faz sentir a cada missionário e evangelizador que nunca está sozinho, mas é parte de um único Corpo animado pelo Espírito Santo.

4. Na nossa época, a difusa mobilidade e a facilidade de comunicação através dos novos mídias misturaram entre si os povos, os conhecimentos e as experiências. Por motivos de trabalho, há famílias inteiras que se deslocam de um continente para outro; os intercâmbios profissionais e culturais, assim como o turismo e fenómenos análogos impelem a um amplo movimento de pessoas. Às vezes, resulta difícil até mesmo para as comunidades paroquiais conhecer, de modo seguro e profundo, quem está de passagem ou quem vive estavelmente no território. Além disso, em áreas sempre mais amplas das regiões tradicionalmente cristãs, cresce o número daqueles que vivem alheios à fé, indiferentes à dimensão religiosa ou animados por outras crenças. Não raro, alguns baptizados fazem opções de vida que os afastam da fé, tornando-os assim carecidos de uma «nova evangelização». A tudo isso se junta o facto de que larga parte da humanidade ainda não foi atingida pela Boa Nova de Jesus Cristo. Ademais vivemos num momento de crise que atinge vários sectores da existência, e não apenas os da economia, das finanças, da segurança alimentar, do meio ambiente, mas também os do sentido profundo da vida e dos valores fundamentais que a animam. A própria convivência humana está marcada por tensões e conflitos, que provocam insegurança e dificultam o caminho para uma paz estável. Nesta complexa situação, onde o horizonte do presente e do futuro parecem atravessados por nuvens ameaçadoras, torna-se ainda mais urgente levar corajosamente a todas as realidades o Evangelho de Cristo, que é anúncio de esperança, de reconciliação, de comunhão, anúncio da proximidade de Deus, da sua misericórdia, da sua salvação, anúncio de que a força de amor de Deus é capaz de vencer as trevas do mal e guiar pelo caminho do bem. O homem do nosso tempo necessita de uma luz segura que ilumine a sua estrada e que só o encontro com Cristo lhe pode dar. Com o nosso testemunho de amor, levemos a este mundo a esperança que nos dá a fé! A missionariedade da Igreja não é proselitismo, mas testemunho de vida que ilumina o caminho, que traz esperança e amor. A Igreja – repito mais uma vez – não é uma organização assistencial, uma empresa, uma ONG, mas uma comunidade de pessoas, animadas pela acção do Espírito Santo, que viveram e vivem a maravilha do encontro com Jesus Cristo e desejam partilhar esta experiência de profunda alegria, partilhar a Mensagem de salvação que o Senhor nos trouxe. É justamente o Espírito Santo que guia a Igreja neste caminho.

5. Gostaria de encorajar a todos para que se façam portadores da Boa Nova de Cristo e agradeço, de modo especial, aos missionários e às missionárias, aos presbíteros fidei donum, aos religiosos e às religiosas, aos fiéis leigos – cada vez mais numerosos – que, acolhendo a chamada do Senhor, deixaram a própria pátria para servir o Evangelho em terras e culturas diferentes. Mas queria também sublinhar como as próprias Igrejas jovens se estão empenhando generosamente no envio de missionários às Igrejas que se encontram em dificuldade – não raro Igrejas de antiga cristandade – levando assim o vigor e o entusiasmo com que elas mesmas vivem a fé que renova a vida e dá esperança. Viver com este fôlego universal, respondendo ao mandato de Jesus «ide, pois, fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28, 19), é uma riqueza para cada Igreja particular, para cada comunidade; e dar missionários nunca é uma perda, mas um ganho. Faço apelo, a todos aqueles que sentem esta chamada, para que correspondam generosamente à voz do Espírito, segundo o próprio estado de vida, e não tenham medo de ser generosos com o Senhor. Convido também os bispos, as famílias religiosas, as comunidades e todas as agregações cristãs a apoiarem, com perspicácia e cuidadoso discernimento, a vocação missionária ad gentes e a ajudarem as Igrejas que precisam de sacerdotes, de religiosos e religiosas e de leigos para revigorar a comunidade cristã. E a mesma atenção deveria estar presente entre as Igrejas que fazem parte de uma Conferência Episcopal ou de uma Região: é importante que as Igrejas mais ricas de vocações ajudem, com generosidade, aquelas que padecem a sua escassez.

Ao mesmo tempo exorto os missionários e as missionárias, especialmente os presbíteros fidei donum e os leigos, a viverem com alegria o seu precioso serviço nas Igrejas aonde foram enviados e a levarem a sua alegria e esperança às Igrejas donde provêm, recordando como Paulo e Barnabé, no final da sua primeira viagem missionária, «contaram tudo o que Deus fizera com eles e como abrira aos pagãos a porta da fé» (Act 14, 27). Eles podem assim tornar-se caminho para uma espécie de «restituição» da fé, levando o vigor das Igrejas jovens às Igrejas de antiga cristandade a fim de que estas reencontrem o entusiasmo e a alegria de partilhar a fé, numa permuta que é enriquecimento recíproco no caminho de seguimento do Senhor.

A solicitude por todas as Igrejas, que o Bispo de Roma partilha com os irmãos Bispos, encontra uma importante aplicação no empenho das Obras Missionárias Pontifícias, cuja finalidade é animar e aprofundar a consciência missionária de cada baptizado e de cada comunidade, seja apelando à necessidade de uma formação missionária mais profunda de todo o Povo de Deus, seja alimentando a sensibilidade das comunidades cristãs para darem a sua ajuda a favor da difusão do Evangelho no mundo.

Por fim, o meu pensamento vai para os cristãos que, em várias partes do mundo, encontram dificuldade em professar abertamente a própria fé e ver reconhecido o direito a vivê-la dignamente. São nossos irmãos e irmãs, testemunhas corajosas – ainda mais numerosas do que os mártires nos primeiros séculos – que suportam com perseverança apostólica as várias formas actuais de perseguição. Não poucos arriscam a própria vida para permanecer fiéis ao Evangelho de Cristo. Desejo assegurar que estou unido, pela oração, às pessoas, às famílias e às comunidades que sofrem violência e intolerância, e repito-lhes as palavras consoladoras de Jesus: «Tende confiança, Eu já venci o mundo» (Jo 16, 33).

Bento XVI exortava: «Que “a Palavra do Senhor avance e seja glorificada” (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro» (Carta ap. Porta fidei, 15). Tais são os meus votos para o Dia Mundial das Missões deste ano. Abençoo de todo o coração os missionários e as missionárias e todos aqueles que acompanham e apoiam este compromisso fundamental da Igreja para que o anúncio do Evangelho possa ressoar em todos os cantos da terra e nós, ministros do Evangelho e missionários, possamos experimentar «a suave e reconfortante alegria de evangelizar» (Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80).

Vaticano, 19 de Maio - Solenidade de Pentecostes – de 2013.

 

FRANCISCO