ORIGEM HISTÓRICA DA VIDA RELIGIOSA
A vida religiosa não é uma realidade
abstrata e genética, mas uma vida concreta, diversificada segundo
carismas,lugares e tempos.
A vida religiosa é, antes de tudo, uma
vida, uma práxis eclesial e não simplesmente uma teoria ou uma doutrina. Não é
uma idéia teológica brilhante, mas um fato cristão, que faz parte do tecido
eclesial.
Antes de refletir sobre a vida religiosa é
preciso observar atentamente este fato histórico. A teologia da vida religiosa
é posterior à vida religiosa vivida na Igreja ao longo de sua história. Pode
ser observada pelo sociólogo ou pelo historiador da cultura, só desentranha seu
sentido a luz da fé.
A vida religiosa nos ajuda a compreender
melhor o que significa o Evangelho, a Igreja, o seguimento de Jesus. Faz parte
de uma cristologia prática, de uma eclesiologia em ação e de uma pneumatologia
histórica. Lançar o olhar nos diversos ciclos da vida religiosa na
história,nosso olhar será de um teólogo que contempla a ação de Deus em sua
Igreja e não de um historiador cientista frio.
PRÉ- HISTÓRIA
Constantes sócio-religiosas
Formas de vida semelhantes à nossa vida
religiosa cristã que são encontradas na história das religiões.
Constantes que são encontradas nas
diferentes formas de vida religiosa das diferentes religiões: vida
comunitária, submissão a uma disciplina de vida livremente assumida,
sobriedade, silêncio e contemplação periódicos, ascese moderada por um mestre
experimentado e bom conhecedor dos diferentes temperamentos, castidade antes
entendida como um meio para se concentrar no essencial do que como aversão à
carne.
Temos a clássica divisão de dois tipos de
religiosidade detectada em todas as religiões:
Funcional ou institucional: situada
dentro do quadro da tradição e da instituição religiosa. Autoridade sagrada,
ligada às escrituras, das quais os representantes desta religiosidade
institucional são os intérpretes oficiais: rei e sacerdotes.
Pessoal ou carismática: Não ligada
diretamente a instituição, nem às tradições do passado, nem a um saber oficial
ou ordem estabelecida, mais baseada numa vocação pessoal aberta para o futuro.
É uma crítica à religião oficial, entra em conflito. Seus representantes mais
típicos são os profetas. A vida religiosa pertence a este segundo tipo de
religiosidade.
Dois exemplos: o mundo extra-bíblico e o
outro Israel.
·
mundo
extra-bíblico. Duas formas de vida religiosa. Uma da antiguidade, que pode ter
influído na Igreja primitiva, os grupos pitagóricos, e outra ainda
existente, o monacato budista.
No ideal pitagórico: sobressaem
entre outros elementos: o sentido comunitário da vida, a ascese centrada na
renúncia dos bens e das relações sexuais a fim de obter a imperturbabilidade
passional (apatheia)que permitirá chegar à contemplação (teoria) de Deus e dos
bens superiores.
O monacato budista introduz nas formas
ascéticas hindus o celibato e a comunidade. Seus elementos básicos são: a fuga do
mundo, a libertação das paixões por meio da disciplina do silêncio, do
trabalho, da pobreza e da castidade e a busca de um goso novo, o descobrimento
do absoluto. O material não pode ser o fim da vida humana.
Já
percebemos que: os valores como a ascese,
o celibato, a comunidade e o aprofundamento na dimensão transcendente da
vida são as raízes comuns a toda forma de existência religiosa.
Israel
: Texto de Amós resume os dois
exemplos mais típicos em Israel da religiosidade carismática pessoal não
institucional.(Am 2,11-12)
Os nazireus:
sua consagração a Deus se concretizava em três votos: não cortar o cabelo,
abster-se de vinho e não aproximar de nenhum cadáver. Estes votos terminavam
com ritos de purificação de holocaustos no final da consagração.
Mas significativos que os Nazireus
são os profetas. Que recebem uma vocação especial de Javé a fim de guiar o
povo, sobretudo em momentos críticos de sua história. Não se reduz a Israel o
profetismo. Missão: é libetar, curar, vivificar, salvar o povo, levando-o pelo
caminho da vida.
O profetismo no Antigo Testamento é um
elemento importante para a compreensão teológica da vida religiosa, como
veremos no decorrer deste trabalho. Ex: grupos de orientação sapiencial;
comunidades de tendência apocalípica.
Testemunho: forma de vida cristã
dos três primeiros séculos.
O que caracteriza
estes primeiros séculos é o estilo secular da vida dos cristãos. A fé é vivida
no mundo, mundo urbano, sem distinções aparentes dos demais no aspecto
exterior. Ex; A carta de Diogneto.
Padres Apostólicos e Apologetas;
Cipriano, Clemente, Orígines etc. Há cristãos cultos (filósofos e apologetas) e
ricos, como os que moram no palácio imperial, mais a maioria são pessoas
humildes.
O centro da vida cristã era a
Eucaristia, fração do pão, ação de graças ao Pai, vínculo de caridade fraterna
(Didaqué IX e X)
A oração marca toda a vida dos
primeiros cristãos. Os momentos principais do dia: levantar, refeições, ir às
termas, deitar.
ASCETAS E VIRGENS
O Decreto Perfectae Caritatis afirma:
“Existiram
desde os primórdios da Igreja homens e mulheres que se propuseram pela prática
dos conselhos evangélicos seguir a Cristo com maior liberdade, e imitá-lo mais
de perto, e levaram, cada qual a seu modo, vida consagrada a Deus”(PC 1b).
A continência, celibato ou virgindade é
uma realidde nova própria do Novo testamento
no mundo greco-romano.
Constata-se o tema da virgindade desde
a época apostólica (At 21,8: as quatros filhas do diácono Felipe, que
profetizavam).
Clemente Romano, em sua carta aos
coríntios, faz alusão às virgens.
Apologetas (Atenágoras, Justino,
Taciano, minúcio Félix) falam em virgindade.
Inácio de Antioquia faz alusão a elas.
Sobretudo no séculoIII, já temos tratados sobre a virgindade e sobre as virgens
(Tertuliano, Cipriano, Orígines, Metódio de Olimpo).
MÁRTIRES
Durante os três
primeiros séculos o martírio foi uma realidade e uma possibilidade sempre
aberta. O martírio é a testemunha que dá testemunho de sua fidelidade a Cristo,
pois a prova maior de amor é dar a vida por aquele que se ama (Jo15,13). Na
Igreja primitiva o mártir é amado é respeitado, é visitado no cárcere, é
enterrado com devoção, lhe é prestado culto. Tanto o martírio como a virgindade
são uma profecia evangélica dentro de uma sociedade cheia de corrupção e
idolatria.
DESERTO
A paz de Constantino de 313 e o posterior reconhecimento
oficial da Igreja no tempo de Teodósio, em 380, trouxeram a liberdade à Igreja,
mais às custas de uma estreita vinculação com o poder do império, tornado-se o
Deus dos cristãos o seu Deus protetor e o Papa se tornado o grande Sumo Pontífice.
A Igreja começa a ter privilégio e riquezas, suas leis são
oficiais, afluem as conversões em massa para a religião oficial do Estado.
Motivos da ida para o deserto que se dá justamente aqui:
·
saudade da Igreja
perseguida e da tensão do martírio;
·
saudade da
vivência de um cristianismo vivido de forma mais radical;
·
cristãos que
desejavam viver o cristianismo com integridade.
Temos dois tipos :
·
aqueles que
fugiram na época da perseguição e não voltaram;
·
outros fugiram
quando tudo fazia pensar que começava uma vida florescente e próspera para a
Igreja.
O fenômeno desta fuga para
o deserto é tão vasto e forte que com ele, pode-se dizer, começa o fenômeno
eclesial da vida religiosa em sua versão mais primitiva: a monástica.
Monaquismo primitivo sempre se encontram
alusões a temas evangélicos, à imitação dos apóstolos e da Jerusalém
primitiva...
A AVENTURA DE ANTÃO
Antão, representa o protótipo, o ícone, da vida monástica.
Daí a grande influência que teve, tanto em suscitar vocações para o monacato,
como em toda a história da espiritualidade.
Pensando na perfeição dos apóstolos e da Igreja primitiva,
ao participar da liturgia,ouve as palavras de Mateus:”Se quiseres ser perfeito,
vai, vende tudo que tens, dá aos pobres”(Mt 19,21). E assim o faz.
Começa o seguimento de Jesus, levando vida ascética em
sua própria casa. Seu tempo está
distribuído entre trabalho manual, leitura da Escritura, oração contínua e
atenção a si mesmo. Une virtudes ascéticas (vigílias, jejuns, dormir no chão)
com as sociais (amabilidades, caridade). Vence as tentações mundanas, pensando
no além e sobretudo na presença de Cristo em seu coração.
Depois de um tempo de preparação espiritual, Antão se lança
ao deserto, lugar de tentação e da presença do maligno. Deseja ser mártir e vai
a Alexandria. Mas Deus queria para ele outro tipo de martírio: o martírio
cotidiano da vida monástica. Volta em busca da solidão e do silêncio. Volta de
novo a Alexandria para disputar com os hereges, pois a heresia é obra do
demônio.
Morre quando chega ao cume da maturidade e da paternidade
espiritual. cheio do Espírito, possui a sabedoria e o poder do homem de Deus,
reconciliado consigo mesmo, com a natureza e com os demais. Seus últimos
conselhos são uma exortação: à vigilância e à confiança em Deus.
Os grandes temas da vida monástica que aparecem na vida
de Antão:
·
vigilância
escatológica;
·
luta contra o
demônio;
·
solidão;
·
trabalho manual;
·
leitura da
Escritura;
·
ascese moderada
pelo discernimento;
·
ajuda espiritual
aos outros...
A vida de Antão exerceu grande influência. Os
desertos da Tabaida foram povoados de monges e monjas que queriam imitar seu
exemplo. É a ação do Espírito que faz surgir essa caminhada para o deserto.
A KOINONIA DE PACÔMIO
O exemplo de Antão entusiasma muitos. Mas o deserto é perigoso
e se requer a ajuda de uma perito para
poder avançar sem riscos nesta grande aventura espiritual.
Aos poucos os anacoretas se agruparam sob a direção
de um mesmo pai espiritual. Assim, o pai espiritual se converte em superior
e pai de uma nova comunidade e a vida anacoreta se transforma em vida cenobítica.
As próprias exigências da vida monástica levam a esta mudança que será
importantíssima para a vida religiosa: nascem as primeiras comunidades
religiosas. Neste processo evolutivo Pacômio desempenha um papel destacado.
De família pagã, se converte aos 20 anos. Lidera um grupo de
discípulos seus para a vida cenobítica. Depois de um primeiro fracasso, expulsa
os monges que procuram não tanto a perfeição espiritual quanto a comodidade
material de uma vida segura e propõe uma regra de vida para a futura
comunidade. Nasce a vida cenobítica , a Koinonia. A primeira regra de vida em
comum é uma grande audácia, uma autêntica aventura espiritual.
Quando Pacômio morre em 346, existem 8 fundações para homens
e 2 para mulheres e no final do século havia no Egito mais de cinco mil monges
segundo Cassiano ou até sete mil segundo Paládio. O mais característico da
espiritualidade pacomiana,porém é a vida cenobítica ou comunitária, a santa
koinonia. A vida comum imita a vida em comum dos apóstolos com o Senhor e por
isso pode ser legitimamente chamada de vida apostólica.
Esta Koinonia se fundamenta na pobreza (deixar tudo e viver
do comum), na comunidade de vida, de mesa, de trabalho de oração, de liturgia.
A obediência une a comunidade e a deixa coesa. A obediência é direção
espiritual, abnegação e realização da vida comunitária. De agora em diante a
vida comunitária constitui um elemento integrante da vida religiosa, e a vida
anacorética, sem desaparecer, terá mais caráter extraordinário ou terá de se
organizar de algum modo em comunidade. Por ex: os cartuxos.
CRESCIMENTO E EXPANSÃO
Em 330 encontramos mosteiros na Mesopotâmia, em 340 na
Palestina e numerosas comunidades monásticas no Egito, em 345 Eusébio de Vercelli
introduz a vida monástica na Itália e estabelece uma vida comum para os
sacerdotes, que será a origem da futura vida canônica.
Diferente da Ásia Menor, Eustáquio de Sebaste inicia uma
vida monástica cheia de rigorismo, da qual se distanciará Basílio, o pai do
monacato oriental, que estabelecerá um etilo de vida equilibrado e comunitário,
centrado no amor a Deus e ao próximo.
Basílio morre, seu irmão Gregório de Nissa, continua sua
obra de direção do monacato oriental. Se estende pela Europa; 361 São Martinho
funda Ligugé na Gália. Em 416 Cassiano funda mosteiros em Marselha,
aproveitando sua rica experiência monástica no Egito e Palestina. Na África,
Agostinho legisla pela primeira vez a vida monástica ocidental e funda
comunidades de vida comum para sacerdotes urbanos. Seu ideal: “é um só coração
e uma só alma”.
No século V e VI o monacato se estenderá à Irlanda, Itália,
Hispânia. Mas a grande figura do século VI é Bento de Núrsia, verdadeiro pai do
monacato ocidental.
MATRIZ DE UMA NOVA SOCIEDADE
Os monges surgem, em grande parte, como reação contra a
Igreja constantiniana. Mas a evolução histórica da vida monástica transforma o
mosteiro em matriz da nova sociedade medieval e em aglutinador da Igreja de
cristandade. O mosteiro se transforma em potência econômica devido ao trabalho
dos monges e doações dos ricos em terras que era o que se tinham de maior valor
na época.
Os mosteiros se transformaram em objeto de apetite político
e eclesial e tanto príncipes como bispos procurarão sua colaboração e seu
apoio. A oração se transformou em culto suntuoso e o trabalho manual é
abandonado nas mãos dos servos. Lentamente foi se passando do deserto para o
centro do poder socioeclesial. Fica longe da radicalidade evangélica e
carismática do monacato primitivo.
REFORMAS
É uma tentativa de voltar às origens, ao carisma primitivo,
ao deserto.
No século IX, Bento de
Aniane plena época carolíngia, tenta
voltar à Regra beneditina, insistindo na importância do trabalho manual
e do ofício divino. Essa reforma foi imposta a todos os mosteiros do império
carolíngio e produziu um certo “renascimento carolíngio”, de curta duração
devido á morte prematura de Bento de Aniane e ás ondas de invasões que sacodem
o ocidente europeu. Novamente a vida monástica relaxa, se desorganiza,
corrompe-se.
No século X é iniciada em Cluny outra reforma promovida por
uma série de ilustres abades do mosteiro (Berno, Odo, Odilão, Hugo, Pedro o
Venerável...) É uma volta à regra beneditina, à observância dos votos, ao
estudo, á oração e ao trabalho manual. A importância desta reforma ultrapassa a
vida monástica e se estende a toda
Igreja. Um dos monges de Cluny, Gregório VII, lutará pela liberdade da
Igreja contra as investidas dos príncipes leigos. Mas influência de Cluny se
transforma também em poder econômico.
No século XI, a partir de Cluny mesmo, surge uma nova
reforma, liderada por três monges rebeldes. Roberto de Molesme, Estevão Harding
e Alberico iniciarão novamente um retorno à regra beneditina e fundarão Cister.
Mas será Bernardo de Claraval seu segundo fundador e principal impulsor. Este
jovem borgonhês, que aos 22 anos entra no Cister com 32 companheiros que havia
conquistado para o claustro, possui uma forte personalidade: ardorosa, de uma
eloqüência irresistível, com grande dom em relação ás pessoas e talento
organizador. Funda o mosteiro de Claraval, do qual será abade por mais de 38
anos, e depois funda 68 mosteiros por toda a Europa.
Mas apesar da preocupação de Bernardo em manter seus
mosteiros longe da riqueza, de sua insistência no trabalho manual e na
austeridade de vida, cujo símbolo é a vestimenta branca, os mosteiros
cistercienses se enriquecem, as doações aumentam, o trabalho manual é deixado
aos leigos e suas propriedades se estendem da Escardinávia à Sicília.
O monaquismo não consegue se subtrair ao mundo feudal que chega a interferir até na
nomeação dos abades.
PERIFERIA
Século XII
Na vida econômica há um deslocamento
das grandes explorações rurais para as cidades em expansão. Constata-se um
grande crescimento demográfico e uma emigração do campo para a cidade. Surgem
subúrbios pobres e muito povoados. O comercio é intensificado e passa a ser uma
das novas fontes de riqueza dos habitantes dos burgos, que passarão a chamar-se
burguesia.
A nível social, no lugar de vassalagem
feudal nascem as cartas coletivas, as vilas livres ou francas, as cartas de
liberdade, as comunas sem juramento de fidelidade ao senhor, associações ou
corporações sem vínculos de dependência e com juramento entre iguais. Surgem
fraternidades, comunidades, confrarias, agremiações ...
A Igreja fica desorientada perante este
novo mundo. Ela havia dado a alma para o feudalismo, havia feito dos mosteiros
locais de humanização e de cultura, havia sacramentado o juramento de
vassalagem feudal, benzia as armas dos cavaleiros, aos quais inspirava um
espírito de justiça e caridade para com os pobres e desvalidos, criara
hospitais, escolas, e com os dízimos criara uma espécie de segurança social,
baseada na política da misericórdia. É notável a audácia e a caridade
evangélica dos trinitários e mercedários, consagrados à redenção dos cativos.
Eram uma resposta às necessidades urgentes da época. Também as ordens militares
se enquadram dentro do mundo cavaleiresco e feudal das cruzadas.
O mudo feudal desmorona,
mas Igreja continua feudal em suas
possessões,domínios e no sistemas de benefícios. Mosteiros e bispados cobrem
toda a Europa. Os abades e os bispos são senhores feudais e se relacionam com
seus súditos e com o ovo com espírito feudal. A própria liturgia da ordenação
sacerdotal é, no fundo, um ritual de vassalagem feudal.
A Igreja institucional não compreende o
movimento comunal no conjunto e fica prisioneira do passado e da ordem
estabelecida, em grande parte, por ela mesma. Prega justiça e caridade e fica
longe das aspirações dos artesãos, das cartas de franquia, de tudo o que
representa mudança. Permanece feudal em sua mentalidade, em seu governo, em sua
concepção teológica e espiritual. Une-se a queixa dos senhores e forma bloco
com eles.
Além disso tudo, a Igreja se sente
impotente em seu apostolado, não consegue evangelizar a nova sociedade que
nasce. Há uma sensação de fracasso apostólico. Mesmo as formas mais renovadas
de vida monástica, como Cister, sentem-se distantes do povo. Há uma sensação de
perplexidade, de medo, de desconcerto.
Este é o quadro necessário para se
compreender as novas formas de VR do século XIII.
VOLTA AO EVANGELHO
Por toda parte surgem grupos,
associações, fraternidades, que desejam voltar ao evangelho, à Igreja
primitiva, à vida dos apóstolos. Surgem grupos espontaneamente, sobretudo
leigos, com saudades da Jerusalém primitiva e da itinereância apostólica em
pobreza e simplicidade. Aparem pregadores ambulantes, missionários espontâneos,
alguns deles com um marcado sectário e antiinstitucional, que negam os
sacramentos e a hierarquia a favor de uma espiritualidade dualista: cátaros,
albigenses, etc. Outros, como os valdenses, humilhados, pobres católicos, etc.,
acentuam a pobreza, a comunidade , a pregação ... Há grupos leigos que são
precedentes das modernas comunidades de base: comunidades de leigos, pobres,
que querem viver concretamente o evangelho.
OS MENICANTES
Os mendicantes inauguram um novo ciclo
de VR. Não é uma simples reforma monástica, mas um autentica renovação.
Diversas ordens são agrupadas sob o nome de mendicantes: carmelitas, ermitãos
de Santo Agostinho, servitas, franciscanos, dominicanos.
Francisco e Domingos deixam a segurança
dos mosteiros, suas rendas e benefícios e se colocam na periferia das cidades e
a margem do poder. Vivem de esmolas. É uma critica implícita todo sistema
econômico feudal. Sua pobreza supõe um corte radical do sistema anterior, que a
Igreja continua pregando. Rompem com o paternalismo abacial, réplica do sistema
feudal na vida monástica, e começam a viver um estilo novo de fraternidade
comunitária, com eleições freqüentes, que correspondem ao espírito das novas
corporações. Entram na universidade, batizam Aristóteles, alimentam estudos
bíblicos sérios e críticos, abandonam os vales onde viviam os monges medievais
e se instalam nas cidades, mas não no centro e sim na periferia, junto com os
estudantes e os novos pobres. Deixam a beneficência para os organismos
comunais.
FRONTEIRA
COMEÇA
UMA NOVA ERA
O
século XVI
Marca um giro no mundo ocidental
europeu. As grandes descobertas: a América, a bússola, a imprensa, o relógio
mecânico, a artilharia, o alambique, o bicho da seda e a sela para montar a
cavalo. Estas mudanças vão imprimir e possibilitar novos ideais: redescobre-se a
antiguidade, começa o renascimento, o mundo moderno por humanismo
antropológico, um sentido novo da consciência, da liberdade da critica, da
utopia humana, uma nova revolução copernicana não só na ciência, mas também na
cosmovisão total. Nascem os nacionalismos e um incipiente capitalismo
mercantilista.
Na situação eclesial, por toda parte
surgem grupos e movimentos que desejam viver evangelicamente, freqüentemente
misturando valores autênticos com perigosos iluminismos, entusiasmos
contagiosos e posturas anti-romanas. A inquisição não cessa de descobrir
heresias suspeitas ...
As velhas ordens iniciaram nesta época
um movimento de reforma: os beneditinos se reagrupam os dominicanos receberam
novos impulsos em torno de salamanca, os franciscanos se reformaram (recoletos,
reformulados, alcantarinos) e nascem os capuchinhos,liderados por Mateos
Bascio, em 1528; os carmelitas e as carmelitas vivem uma profunda renovação
espiritual guiados por Santa Tereza de Jesus e São João da Cruz: são os
carmelitas descalços. As antigas ordens reformadas e renovadas realizarão primeira evangelização da AL: franciscanos,
dominicanos, agostinianos e mercedários.
Mas a reforma das antigfas ordens não é
sufuciente para responder às exigências dos novos tempos. Como em outros momentos
da história, o Espírito suscita um novo ciclo de VR.
A aproximação apostólica iniciada pelos
mendicantes é agora aprofundada e diante das novas necessidades da Igreja e da
sociedade surgem novas congregações. Algumas com fins específicos muito concretos:
a cura de doentes, (como os hospitalários de São João de Deus), outras
agrupando sacerdotes que trabalham independentemente em diversos campos e vivem
em comunidades (Oratório de São Filipe Néri). As mais características destra
época,porem, são os chamados clérigos regulares: teatinos (Caetano e Caraffa),
barnabita (Antonio Maria Zaccaria), escolápios (Jose de Calasanz), camilianos
(Camilo de Lélis) e jesuítas (Inácio de Loyola). Todos eles têm uma série de
traços em comum: fundados na Itália e centrados em Roma, fazem uma opção
clerical, como forma realista de realizar seu apostolado num mundo
convulsionado por heresias e doutrinas suspeita. Sua formação intectual e
prolongada e sólida. A estrutura interna destas ordens é forte e coerente,
eliminando, por outro lado, elementos monásticos como o oficio coral, o habito
próprio, os jejuns e penitencias obrigatórias para todos por regra. Todos eles
estão abertos as mais variadas necessidades apostólicas: pregação missões,
ensino, cuidar dos enfermos e desvalidos. A comunidade é mais ação apostólica
do que apenas convivência; e a obediência mais como orientação da missão
apostólica do que mera reguladora da vida comunitária. Em geral estão situados
nas novas fronteiras que a modernidade abre ao mundo e a Igreja, para o que
estão mais preparados do que as antigas ordens monásticas e medievais.
VIDA RELIGIOSA FEMININA
Embora desde o começo da VR o numero de
mulheres consagradas tenha sido maior do que o dos homens, estruturalmente,
contudo, a VR feminina depende da masculina. As fundadoras ou procuram um
co-fundador para apoiar suas iniciativas, ou elas mesmas secundam as
iniciativas de um fundador. Isto não se deve à pouca personalidade das
mulheres, mas às circunstancias sociais e eclesiais do tempo, que não permitem
outra forma de agir.
Mas há casos extraordinários de
mulheres realmente excepcionais que, desafiando a época, se lançaram a
iniciativas realmente revolucionarias para seu tempo. Entre elas: Ângela de
Mérici , em 1530 funda as ursulinas; Mary Ward, em 1609, funda o instituto da
Bem-aventurada Virgem Maria. Muito êxito teve a fundação de Vicente de Paulo e
Luiza de Marilac, as filhas da caridade ou vicentinas 1634.
NO SECULO XVIII
A VR parece um resíduo de outros
séculos numa sociedade cada vez mais laicizada. A nível eclesial se constata um
progressivo abandono do mundo rural, cada vez mais descristianizado,por falta
de evangelização.
Uns trinta institutos nascem nesta
época, a maioria na França, alguns dos quais tem seu ramo feminino. Estes institutos
encarnam três formas ou estilos diferentes de VR.
1 – Sociedades ou companhias de
sacerdotes de vida comum, como o Oratório de Bérulle, que introduz e recria na
França o Oratório de Filipe Néri; os lazaristas ou vicentinos de Vicente de
Paulo; os sulpicianos de Olier; os eudistas de João Eldes; os de missões
estrangeiras. Distinguen-se do clero diocesano por sua vida em comum e muitos
deles cuidam, com predileção, da formação de outros sacerdotes em seminários.
2 – Um segundo grupo é formado por congregações
leigas, como o dos irmãos das escolas cristãs de João Batista de La Salle,
dedicadas ao ensino popular, gratuito e em linguagem vernácula (francês) Esta
vida religiosa leiga é a maior novidade da época. O apogeu de VR leiga ocorrerá
no séc.XIX.
3 – Na Itália surgem congregações como
os pasionistas de Paulo da Cruz e os redentoristas de Afonso de Ligório. Ambas
as congregações se preocupam especialmente com as missões populares e rurais
Todas estas formas de VR, também como
as antigas decaíram profundamente no final do século. Os movimentos
revolucionários provocarão uma crise em toda VR e a obrigarão a uma nova forma
de posição. Este abalo da maioria dos religiosos é sem duvida um sinal de que a
VR assumira posições mais intraeclesiais e conservadoras, abandonando talvez as
tarefas mais missionárias e de fronteira.
NO SECULO XIX
Lentamente a VR renasce das cinzas, ou renasce sob novas formas.
Em primeiro lugar, passando o vendaval
da tormenta, são restauradas as grandes ordens antigas.Pio VII em 1814,
restabelece a Companhia de Jesus, confiando na ajuda destes “hábeis remadores”
da barca de Pedro, tão sacudida pelas tempestades dos tempos. Em 1833, Dom
Gueranger restaura os beneditinos da França, a partir de Solesmes. Pouco depois
são restabelecidas as congregações beneditinas da Alemanha e da Itália, que
serão federadas entre si por iniciativa de Leão XIII. Cisterciences e trapistas
se reorganizam. Os franciscanos se restabelecem em três ramos: “irmãos memores,
conventuais e capuchinhos”, e vivem um momento de grande expansão missionária .
Os dominicanos, expulsos pela revolução francesa de quase toda Europa, são
também restaurados com novo ímpeto, empreendendo trabalhos intelectuais,
educativos e missionários. Também a vida religiosa feminina tradicional se
refaz com novo fervor.
Há um grande nascimento de novas
congregações religiosas masculinas e femininas: maristas, marianistas,
palotinos, salesianos, oblatos de Maria Imaculada, cordinarianos, agostinianos
da assunção, sociedade do verbo divino, padres brancos, sagrados corações,
etc., religiosas da Sagrada Família, de Jesus Maria, do Sagrado Coração,
escravas do Sagrado Coração, salesianas, irmãzinhas da assunção, josefinas da
providencia, novos ramos franciscanos, dominicanas, mercedarias, hospitalarias,
etc. A VR feminina, que no século anterior se viu restringida pelas estruturas
canônicas eclesiásticas, passa agora a fundar comunidades apostólicas e
congregações com votos simples, muitas vezes sob a proteção dos bispos mas que
, mais tarde, depois da bula Conditae a Chisto de Leão XIII, passam a ter
reconhecimento de direito pontifício.
PRIMEIRA
METADE DO SÉCULO XX (1900 – 1950)
Nestes anos há duas formas de VR que,
apesar de seus diferentes delineamentos, merecem menção especial
A primeira se inspira em Charles de
Foucauld. Outra forma de vida consagrada que aparece nesta primeira metade do
século é a dos institutos seculares.
Para alguns, os instituto
seculares são a resposta adequada para o
mundo secular de hoje e sua presença equivale ao que foi Bento no decadente
Império Romano, Bernardo no feudalismo cavaleiresco, Francisco no mundo do
comércio, Domingos no despertar intelectual do século XIII e Inácio nos albores
do mundo renascentista e moderno ... Para outros, os institutos seculares
significam o retorno ao tempo da Igreja primitiva, quando os ascetas e as
virgens davam testemunho de Cristo em suas próprias cidades, sem abandonar o
mundo. Outros, porem preferem classificar os institutos seculares mais entre os
leigos do que entre s religiosos: são leigos consagrados.
VOLTA ÀS ORIGENS
O CHOQUE DO VATICANO II
Para compreender melhor o sobressalto
dos religiosos, que VR sociologicamente pertence a um tipo de religiosidade não
tanto institucional ou funcional, quando carismática e profética. Pertence ao
tipo de respostas renovadoras que surgem como reação contra o esclerosamento
institucional, quando a instituição tende a se auto conservar em vez de se por
a serviço de sua finalidade fundamental. Segundo a terminologia de Troeltsch e
Max Weber: é uma resposta crítica a uma forma de “ Igreja” que parece ter
esquecido sua finalidade.
A VR surgiu em momentos de crise social
e eclesial. Agora é a Igreja institucional que , reunida em concilio, pede uma
renovação da VR e obriga todas as ordens e congregações religiosas a realizarem
um capitulo especial de renovação de acordo com os seguintes princípios:
a) Volta ao evangelho: esta deve ser a norma e a regra
suprema de toda vida cristã e também da VR. Toda VR deve brotar do apelo do
Senhor em segui-lo.
b) Volta ao carisma dos fundadores: quer dizer, às suas
origens carismáticas, talvez por demais esquecidas com o decorrer dos anos,
devido às preocupações pragmáticas do momento.
c) Abertura aos movimentos renovadores da Igreja de hoje:
concretamente são os movimentos bíblico, litúrgico, dogmático, pastoral,
ecumênico, missionário e social. Estes movimentos, nascidos no começo do século
XX e muitas vezes liderados por religiosos são agora assumidos pelo Vaticano II
como coisa própria e oficial da Igreja. Os religiosos são chamados a não ficar
à margem deles. Isso significa que, como coletividade, haviam-se mantido longe
destes impulsos renovadores da Igreja.
d) Abertura aos sinais dos tempos: um maior conhecimento
das condições históricas e eclesiais para poder discernir melhor os chamados do
Senhor e dar~lhes uma resposta mais eficaz. Nem sempre os religiosos do século
XIX e começo do século XX pareciam sensíveis aos sinais dos tempos.
e) Renovação espiritual: sem ela as outras reformas
seriam puramente exteriores ou meramente intelectuais.
Na
América Latina, Medellin concretiza algumas destes pontos
a) Renovação institucional: Através dos capítulos
especiais surge uma nova legislação que traduz a nível de constituições o
espírito do Vaticano II.
b) Renovação teológica e espiritual. Multiplica-se os
cursos de renovação conciliar, orientações para uma maior formação teológica e
um aprofundamento espiritual do Vaticano II.
c) Renovação pratica. As mudanças se traduzem em
prática cotidiana: horários, hábitos,formação, trabalho, estilo de comunidade,
apostolado ... No Primeiro Mundo esta renovação leva a uma inserção no mundo
secular das cidades, ao passo que No terceiro Mundo a inserção se faz nos
ambientes populares e pobres.
Nos anos pós-conciliares a VR adquiriu
nova fisionomia. A realidade é rica e complexa. Embora com o risco de
simplificar , pode-se distinguir três tipos de VR.
Tradicional – Mesmo depois do Vaticano II persiste um estilo de
VR que mantém, com pequenas variações , os traços essenciais da VR do século
XIX e da primeira metade do século XX.
Moderna – Tem forte conotação cristocêntrica e pascal e se
desenvolve notavelmente nela a dimensão comunitária.
Solidária – Sobretudo na AL, mas também em zonas marginais do
Primeiro Mundo, surge uma VR preocupada especialmente com a justiça.
A VR feminina desempenhou um importante
papel. As religiosas deram provas em todo o período pós-conciliar de uma grande
vitalidade, entrega e capacidade de adaptação. Mais ainda, a falta de poder da
mulher na sociedade e na Igreja faz com que as religiosas tenham uma
co-naturalidade especial para se aproximarem dos lugares mais pobres e
marginalizados. Não foi uma simples inserção geográfica, mas uma inculturação e
assimilação de uma nova espiritualidade. A VR feminina constitui hoje em dia,
mais do que nunca, um potencial evangélico incalculável, que talvez não seja
suficientemente conhecido nem apreciado.
Bibliografia
Codina, Vitor; Vida religiosa: história e teologia, Série IV a
Igreja, sacramento de libertação, coleção: teologia e libertação no
9; Vozes, Petrópolis RJ, 1990.
Me pareceu bem interessante.Dei uma lida na síntese
ResponderExcluirpostada.Bom entender os acontecimentos na igreja ao longo do tempo, uma ideia de onde estamos, porque como estamos no momento atual.obrigada!! abraços!!