COMO HÓSPEDE NA CASA DOS OUTROS
O Ser hóspede cria uma situação de dependência em relação a outro povo e outra cultura. É obrigação do hóspede apreciar e aceitar o que é oferecido, qualquer que seja a oferta. Não cabe a ele selecionar e mudar. Vive a gratuidade de ser acolhido, de ser recebido, de ser alimentado e de ser incluído no mundo do outro. Sua casa é casa do outro, não lhe pertence. É casa emprestada na morada do outro. É casa sagrada. Entra como hóspede nas relações familiares e grupais, procurando ocupar o lugar que lhe cabe sem invadir o espaço do outro. O ritmo da vida lhe é imposto pelos parâmetros culturais, abrindo caminho nas relações já estabelecidas. O hóspede não incomoda, não é arrogante e orgulhoso. É hóspede porque recebe, na gratuidade, o dom de ser acolhido.
O hóspede recebe a hospitalidade e torna-se amigo. Não vai para outro povo e outra cultura para ser venerado. Ele aceita a riqueza da cultura, a beleza da língua, o gosto da cozinha e a amizade de quem o hospeda.
O hóspede cria sempre um sentido de mal-estar e abala a normalidade das relações do outro. Ainda não é familiar e quase nunca vai ser. Sua história de vida e sua visão de mundo não bate com a história de vida do grupo. Ele precisa pisar devagar sobre um terreno úmido, movediço ou duro. A maneira de colocar o pé e os dedos no chão diferenciam seu jeito de caminhar do outro. O hóspede é sempre uma ameaça, um intruso, alguém que põe em perigo a tranqüilidade e a serenidade da identidade já estabelecida. A dureza da pele, os calos nos pés, o jeito de locomover-se, o movimento de suas mãos é diferente e o outro o vê com apreensão e medo. Através da relação, os medos são espantados, superados e negados. Ou talvez, os mesmos medos são exacerbados, aumentados e engrandecidos. É preciso muito tempo para que o hóspede seja aceito, mas quase nunca chega a ser membro da família.
O Ser hóspede não é fácil, mas é uma necessária condição do missionário, quando passa de uma cultura a outra. É sobre essa base que devem ser estabelecidos novos relacionamentos e ocupados os espaços permitidos. É nessa situação de hóspede que o missionário comunica e apreende, ensina e partilha, transmite e recebe, sabendo que o Espírito de Deus antecede sua chegada.
Quem parte para missão é para vida toda, com disposição para dar tudo de si, não contar os dias, não é para fazer experiência, é doar a vida, o projeto missionário sim tem um tempo para vigorar e para sair. Missão é partir para ser hospede na casa do outro dar e receber. (Mc 6,10; At 9,43; At 11,3; At 18,7)
A ação missionária nasce sempre de uma compaixão, que por sua vez surge de uma visão e de uma escuta (Ex 3,7-8; Mt 9,36). É preciso, portanto, sair de si mesmos para pôr-se nessa profunda atenção da realidade. Só uma Igreja articulada em torno do princípio da comunhão e não da instituição, da dimensão eqüitativa do Povo de Deus e não da hierarquia, poderá ser “sinal e instrumento de reconciliação e paz para nossos povos” (DAp 162). Imediatamente, essa “comunhão e participação” deverá se refletir ad extra, na comunhão entre Igrejas no mundo inteiro. Nessa prática fundamental para sua identidade, a Igreja é chamada a sair de suas relações e a refazer continuamente novas relações.
Tire as sandálias dos pés, porquê o lugar onde você está pisando ‘e um lugar sagrado. (Ex 3,5). As sandálias representam o que está amoldado a nosso pé, é a forma que acompanha nosso feitio, nossos calos. A ordem: tirar as sandálias significa retirar de ti o habitual que te envolve e reconhecer que o lugar onde estás nesse momento é sagrado. Porque não há lugar ou momento que não seja sagrado.
Habituamo-nos a determinados padrões e condutas que se tornam nosso sapato. E é com ele que caminhamos pela vida.
O sapato representa a proteção indispensável entre o ser e seu meio. Nesse processo, há uma importante interação entre os pés e o sapato. Este nos protege pela sola, mas para que cada passo seja confortável ao pé e para que ele não se desapegue é preciso que o corpo do sapato vá se ajustando à nossa forma. O chão é pavimento da vida e ele não se ajusta a nossa pisada. De tanto em tanto, temos que retirar o sapato e tocar o solo com a planta do pé.
Aeromoças dizem: cuidado ao abrir os compartimentos de bagagem, pois os objetos podem ter se deslocado durante a viagem.
Na nossa viagem nada estará no lugar em que deixamos. E as bagagens, que simbolizam o desejo de permanência, a vontade de nunca termos viajado e termos nos exposto as incertezas , essas são as que nunca saem ilesas. Elas se movem e em breve, o que parecia indispensável será mais que supérfluo, tornando–se um empecilho a peregrinação.
Mesmo numa terra prometida que tenha tantas bênçãos e avanços em relação à terra deixada, não é possível reproduzir certas coisas deixadas para trás.
A terra de onde se parte é a terra onde se viveu e não há substituto ao que foi vivido. Mesmo em condições melhores, mesmo em circunstâncias mais apropriadas à nossa visão de mundo, o que se viveu é parte de uma terra deixada.
A mala é o patrimônio mínimo que carregamos conosco. Ela é o nosso pequeno poder em terras de somos desprotegidos. Assim na própria vida, vamos aprendendo que a segurança maior não esta nas coisas ou nos objetos, mas na interação.
O peregrino não precisa de bagagem porque o outro o provera. Sua atitude não deve ser classificada como benevolente porque há uma relação básica na vida que normalmente nos passa despercebida: trata-se da troca entre a Prosperidade Interna e a Prosperidade Externa.
Na jornada temos a constante troca, nunca um ato unilateral de benevolência do anfitrião. Na verdade, o maior agraciado nessa troca é na maioria das vezes, o anfitrião. Ele oferece sua Prosperidade Externa, seja na forma de abrigo, alimento ou conselho, e recebe em troca a força e a novidade da Prosperidade Interna de quem está em viagem.
A Prosperidade Interna é o maior patrimônio do peregrino e ele poderá permutar seus bens internos por bens externos.
Ditado sufi: “Minha vida toda fiquei batendo na porta esperando que abrissem sem saber que eu estava batendo pelo lado de dentro.”
Porque ser hospede na casa o outro?:
“A Igreja é por sua natureza missionária” (AG 2. “A missão tem a sua origem na iniciativa do amor de Deus, Uno e Trino. Portanto, a missão tem a sua origem na Santíssima Trindade e é anterior à Igreja”. Esse “amor-fonte”, que é relação configurada através da missão de Deus (missio Dei). Deus, que é amor, estende através de seu Filho e do Espírito Santo as suas duas mãos à humanidade.
A salvação é oferecida a todos os homens (cf.RM 10). A Igreja é enviada a anunciar e testemunhar o Evangelho como Jesus fez, enviando os seus Apóstolos a todo o mundo tal qual ele tinha sido enviado pelo Pai (Jo 20,21, dando-lhes este mandamento: “Ide, pois, fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a cumprir tudo quanto vos prescrevi” (Mt 28,19ss). “Ide por todo o mundo, proclamai a Boa Nova a toda criatura” (Mc 16,15). A Igreja é enviada a todos os povos como uma “tarefa” clara de “fazer discípulos”.
O decreto Ad Gentes traça um percurso em 3 etapas essenciais da ação missionária, de fato, são elementos (ferramentas) práticos da missão.
a) O testemunho/diálogo (AG 10-11).
b) O anúncio/conversão (AG 13-14).
c) A formação da comunidade cristã (AG 15ss).
Missão universal:
“Com a formação da nova comunidade, a missão da Igreja não pode parar e se acomodar, mas tem que partir novamente de um novo patamar”. É o documento de Puebla que aponta para essa reflexão. Evangelii Nuntiandi e a Redemptor Missio retomam, mais ou menos, o mesmo esquema do Ad Gentes, sobre o processo da missão [testemunho/diálogo, anúncio/conversão, formação de comunidade], Puebla acrescenta outro elemento: a missão. Em outras palavras, uma comunidade não pode considerar-se “evangelizada” até que ela mesma não é enviada e não envia seus missionários a todos os povos (cf. Puebla 356-361).
Um dos maiores desafios que as comunidades missionárias enfrentam hoje é o de preparar as pessoas para uma missão intercultural, através de uma orientação que capacite o missionário para ser participante ativo na transmissão de significado através de barreiras culturais. O missionário cruzará a barreira cultural somente através de uma passagem que se poderia descrever como um deserto árido ou "terra de ninguém". O chamado para continuar a missão de Jesus no mundo de hoje implica a transmissão do significado, o sentido da vida em seu nível mais profundo.
Há um paradoxo neste chamado à missão. A própria pessoa que é chamada a participar ativamente na transmissão do sentido deve atravessar um processo no qual experimenta uma crise profunda que invade seu próprio mundo de identidade pessoal. Para responder à missão em seu nível mais profundo, eu, como missionário, devo estar disposto a atravessar um período de crise de sentido, um tempo de "sem sentido". A cruz da barreira cultural começa para o missionário quando, como Abraão, parte ao chamado de Deus, para uma terra que lhe será indicada. É preciso cruzar um deserto estéril na fronteira da missão.
O processo de inculturação é sempre uma peregrinação para dentro de si mesmo. Quanto mais capaz de experimentar novas e diferentes dimensões da diversidade humana, mais a pessoa aprende de si mesma. O processo de, entrar em outra cultura requer a disposição para partir numa viagem, tanto interior como exterior.
O que levar nessa viagem interior e exterior?
Consigo viver como hospede?Por que?
Estou preparado para ajudar o povo de Deus a fazer este processo de evangelização onde vivo minha missão?Como?
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