Meya
a kuya kamuy, vathu kakulitakana.
“A água passa
uma só vez, mas as pessoas voltam a encontrar-se”.
Chegando ao fim da
estação das chuvas no Alto Zambeze (novembro a março), já podemos retomar nossas
atividades de evangelização/missão em todas as comunidades, este distanciamento
nos deixa ansiosos pelo reencontro com nossos irmãos e irmãs nas comunidades,
catequistas, catecúmenos... sentir de perto erupção dos grupos de reflexão
bíblica, o surgimento de novas comunidades como desejo de proximidade com os
sacramentos e a vida cristã. A missão principal é estar e ser com as pessoas, nos
encontros e reencontros que a dinâmica da vida nos oferece.
A água é sempre
sagrada, e o tempo das chuvas não é obstáculo, nos oferece tempo para
confrontar com nossos projetos e confiar na Providência Divina, é tempo para
estar também próximo ao poço, sentado com Jesus e deixar que Ele nos ajude a
escavar mais profundo nosso coração e nossas motivações na busca da água de
Vida plena para nós e para a Vida Total dos povos que conosco estão na
campanha/mutirão de construção desta Igreja, poço de água viva. (Jo 7,38)
Com a chuva vieram
missionários e missionárias para participar da constante escavação deste poço
da comunidade. Recebemos a visita do Pe. Luís Carlos Ramos, SDN que em nome do
conselho dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora veio ao nosso encontro
para nos motivar na missão, veio também o Pe. Odésio Magno da Silva, SDN para
vivenciar o dia-dia deste poço que gera água da vida. Com as chuvas também
chegaram para missão em Cavungo, mais irmãs da Congregação das Franciscanas de
Nossa Senhora do Amparo; Ir. Ziula, FNA e Ir. Angela, FNA na companhia da Ir.
Cleusa, FNA que em nome do conselho da congregação veio visitar suas irmãs que
estão em solo angolano, pois as águas passam mas as pessoas se reencontram.
Com as chuvas também
foram reconduzidas para outras missões o Pe. João Lúcio Gomes Benfica, SDN e
Ir. Vininha, FNA; que participaram ativamente da escavação deste poço ao
encontro da água da vida e do reencontro das pessoas. A missão é de Deus e onde
Deus envia ali está a missão.
No tempo chuvoso
permanecemos como “sentinelas” (Sl 127,1), figura típica do mundo bíblico,
trata-se daqueles e daquelas que à noite tinham a missão de vigiar e despertar,
papel que cabia as sentinelas e aos sacerdotes que oravam no Templo. É estar
inquieto, o ser humano inquieto não se fecha no imediato da existência humana,
mas deixa uma possibilidade ao mistério para interrogar a si mesmo. Sem esta
inquietude perde-se a noção do futuro e o princípio da esperança e o poço fica
vulnerável (Mc 13, 37; Rm 13, 11-13). Diz o filósofo Julien Green ao dar sentido
a sua perseverança na fé: “Enquanto estiverdes inquietos podereis dormir
tranquilamente”.
Sentinelas cuidam do
poço não dando espaço aos “monstros”, pois os que sujam o poço da comunidade
vem de longe (falsos profetas, feiticeiros, tradicionalismos, tribalismos...).
Segundo um antigo conto tradicional angolano, havia junto de um pequeno rio,
uma grande aldeia dividida em dois setores dum e outro lado do rio. Os
habitantes tinham aberto junto a nascente um grande poço comum e ali iam tirar
água para beberem e cozinharem. A partir de certa altura, o poço começou a
aparecer sujo, e os habitantes dum setor começaram a culpar os do outro e a
insultarem-se mutuamente, então os ‘mais velhos” reuniram-se e resolveram envenenar
a água do poço, ao outro dia, de manhã, foram ver o resultado e encontram
dentro do poço, morto, um monstro anão da floresta, que ali vinha todas as
noites beber e banhar-se, precisamente com a intenção de criar o
desentendimento entre os dois setores da aldeia, quando viram o monstro, os habitantes
concluíram: kavunduli máxima kusuku akakatuka! “Afinal, quem suja o poço vem de
longe”. (Folclore angolano – Quinhentos contos Quiocos)
O tempo da chuva também
é oportunidade de olhar para as pessoas e suas necessidades, avanços e
limites... a missão exige pureza no olhar, distinguir pessoas que procuram a
graça de Deus de “monstros anões da floresta”... confiamos na capacidade que
temos de formar discípulos-missionários, é a oportunidade para vivenciar na comunidade, na família, no
trabalho e entre os amigos, e sentir se a evangelização está penetrando no
cerne da cultura ou se está somente na superfície. “A compaixão, olha-a no
rosto, a fome, olha-a na barriga”. (Kheke yitale kumeso, zala yitale ku mujimo).
A Igreja é um grande poço, a uns atrai pela barriga (necessidades) e são
nutridos pela compaixão de Jesus, outros motivados pela compaixão/fé são
nutridos pelo amor a humanidade, a Igreja é sempre acolhida e envio, sempre
dinâmica. (1Jo 4, 20-21; Mt 10, 40-42)
O “poço” deve ser
sempre cuidado, limpo e mantido em boas condições afim de continuar a ser canal
de encontro entre a água e luz, caso contrário a Igreja pode adoecer. A
liturgia como serviço a vida é fonte e ápice da fé cristã, celebrar a eucaristia
no contexto africano com forte expressão corporal é oportunidade de chegar ao
coração das pessoas. A Igreja necessita ser lugar de esperança, fonte de vida,
não pode despertar falsas esperanças, “abandonaram-me, a Mim, fonte de água
viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retém a água”. (Jr 2,13).
A liturgia não pode ser um apêndice na vida das pessoas, com encontros
provocados por mera obrigação dominical.
Na mentalidade
religiosa africana está bem implantada a convicção de que os assuntos do mundo
humano são controlados por forças sobrenaturais superiores e por pessoas com
“armas invisíveis do mal” controlados por feiticeiros. Para superar este
paradigma e ter uma autentica compreensão do sobrenatural é necessário “uma auto
comunicação de Deus que seja completa, definitiva e pessoal em Jesus Cristo”. Em
carta de motivação para as reflexões sobre o sínodo diocesano, nosso bispo D.
Tirso Blanco recomenda: “Toda homilia deveria incluir uma seção apologética,
todo o grupo ou comunidade cristã deveria incluir no seu programa de atividades
o anúncio de Cristo aqueles que não o conhecem ou que o conhecem mal e precisam
uma evangelização integral ou de uma reevangelização”.
Ao trabalhar na
escavação/evangelização não podemos ficar presos a formas e catequeses
“decorativas’ e unicamente doutrinarias, devemos apresentar por meios simples e
eficazes a pessoa de Jesus e favorecer a cada pessoa um encontro verdadeiro com
a fé cristã (Jo 1,35-42). Não podemos deixar as pessoas passarem como água,
temos que provocar os encontros Pessoa/Pessoa; Pessoa/Outro; Pessoa/Deus e
Pessoa/Mundo,/ tendo Jesus Cristo como
mediador e a Igreja como espaço que favoreça este encontro.
Em nossa realidade
eclesial (extremo leste de Angola) onde o cristianismo é minoria e de superficialidade
é essencial apresentar a identidade que é própria de Jesus histórico sem
centrar demais no Cristo místico, para demostrar que não é um simples mito
dentro da cultura africana.
Não podemos nos
contentar com a água do JARRO, pois “meya a kumbata kexi kuhwisa phwila” (água
transportada não mata a sede), mas devemos estar atentos ao JORRO que é a fonte
de “água viva”, que passa pelas veias da terra, procurar estas veias exige
trabalho meticuloso e perseverante, o poço comunitário – Igreja, é fruto de um
Dom e de trabalho paciente e tenaz, o poço torna-se lugar no qual, ao movimento
descendente da escavação corresponde ao movimento ascendente da água, ao
esvaziamento (kenosis) paciente do canal. Se vamos ao encontro de Jesus ele vem
primeiro ao nosso encontro.(1Jo 4,19)
Assim a comunidade
torna-se abertura que faz nascer a água, lugar de regeneração, “oásis no
deserto da vida” poço junto ao qual Jesus senta para escavar o coração da
pessoa e levá-la ao encontro profundo de si mesma. (Jo 4, 4-30)
Só Jesus pode fazer do
jarro fonte de vida e de alegria, pela intercessão de Maria, que sentindo a
necessidade da alegria que o encontro humano deve ter, foi cavar no poço de
Jesus e animar outras pessoas na missão. Que nossa missão entre os africanos seja
para servir, pois quem serve, fazendo o trabalho de encher os jarros de água,
sabe de onde vem o vinho melhor que produz alegria do encontro das pessoas. Que
sejamos servidores motivados pela palavra de Maria mãe de Jesus: “fazei tudo
que Ele vos disser”. (Jo 2,1-12), pois a água passa, mas as pessoas voltam a encontrar-se!
Pe. Renato Dutra Borges, sdn
Pe. Odésio Magno da Silva, sdn
Paróquia Santo António de Cavungo - Alto Zambeze, Moxico; Angola
Pe. Renato Dutra Borges, sdn
Pe. Odésio Magno da Silva, sdn
Paróquia Santo António de Cavungo - Alto Zambeze, Moxico; Angola