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Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


segunda-feira, 23 de março de 2015



Meya a kuya kamuy, vathu kakulitakana.

“A água passa uma só vez, mas as pessoas voltam a encontrar-se”.




Evangelização como encontro.

Chegando ao fim da estação das chuvas no Alto Zambeze (novembro a março), já podemos retomar nossas atividades de evangelização/missão em todas as comunidades, este distanciamento nos deixa ansiosos pelo reencontro com nossos irmãos e irmãs nas comunidades, catequistas, catecúmenos... sentir de perto erupção dos grupos de reflexão bíblica, o surgimento de novas comunidades como desejo de proximidade com os sacramentos e a vida cristã. A missão principal é estar e ser com as pessoas, nos encontros e reencontros que a dinâmica da vida nos oferece.

A água é sempre sagrada, e o tempo das chuvas não é obstáculo, nos oferece tempo para confrontar com nossos projetos e confiar na Providência Divina, é tempo para estar também próximo ao poço, sentado com Jesus e deixar que Ele nos ajude a escavar mais profundo nosso coração e nossas motivações na busca da água de Vida plena para nós e para a Vida Total dos povos que conosco estão na campanha/mutirão de construção desta Igreja, poço de água viva. (Jo 7,38)

Com a chuva vieram missionários e missionárias para participar da constante escavação deste poço da comunidade. Recebemos a visita do Pe. Luís Carlos Ramos, SDN que em nome do conselho dos Missionários Sacramentinos de Nossa Senhora veio ao nosso encontro para nos motivar na missão, veio também o Pe. Odésio Magno da Silva, SDN para vivenciar o dia-dia deste poço que gera água da vida. Com as chuvas também chegaram para missão em Cavungo, mais irmãs da Congregação das Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo; Ir. Ziula, FNA e Ir. Angela, FNA na companhia da Ir. Cleusa, FNA que em nome do conselho da congregação veio visitar suas irmãs que estão em solo angolano, pois as águas passam mas as pessoas se reencontram.

Com as chuvas também foram reconduzidas para outras missões o Pe. João Lúcio Gomes Benfica, SDN e Ir. Vininha, FNA; que participaram ativamente da escavação deste poço ao encontro da água da vida e do reencontro das pessoas. A missão é de Deus e onde Deus envia ali está a missão.

No tempo chuvoso permanecemos como “sentinelas” (Sl 127,1), figura típica do mundo bíblico, trata-se daqueles e daquelas que à noite tinham a missão de vigiar e despertar, papel que cabia as sentinelas e aos sacerdotes que oravam no Templo. É estar inquieto, o ser humano inquieto não se fecha no imediato da existência humana, mas deixa uma possibilidade ao mistério para interrogar a si mesmo. Sem esta inquietude perde-se a noção do futuro e o princípio da esperança e o poço fica vulnerável (Mc 13, 37; Rm 13, 11-13). Diz o filósofo Julien Green ao dar sentido a sua perseverança na fé: “Enquanto estiverdes inquietos podereis dormir tranquilamente”.

Sentinelas cuidam do poço não dando espaço aos “monstros”, pois os que sujam o poço da comunidade vem de longe (falsos profetas, feiticeiros, tradicionalismos, tribalismos...). Segundo um antigo conto tradicional angolano, havia junto de um pequeno rio, uma grande aldeia dividida em dois setores dum e outro lado do rio. Os habitantes tinham aberto junto a nascente um grande poço comum e ali iam tirar água para beberem e cozinharem. A partir de certa altura, o poço começou a aparecer sujo, e os habitantes dum setor começaram a culpar os do outro e a insultarem-se mutuamente, então os ‘mais velhos” reuniram-se e resolveram envenenar a água do poço, ao outro dia, de manhã, foram ver o resultado e encontram dentro do poço, morto, um monstro anão da floresta, que ali vinha todas as noites beber e banhar-se, precisamente com a intenção de criar o desentendimento entre os dois setores da aldeia, quando viram o monstro, os habitantes concluíram: kavunduli máxima kusuku akakatuka! “Afinal, quem suja o poço vem de longe”. (Folclore angolano – Quinhentos contos Quiocos)

O tempo da chuva também é oportunidade de olhar para as pessoas e suas necessidades, avanços e limites... a missão exige pureza no olhar, distinguir pessoas que procuram a graça de Deus de “monstros anões da floresta”... confiamos na capacidade que temos de formar discípulos-missionários, é a oportunidade para  vivenciar na comunidade, na família, no trabalho e entre os amigos, e sentir se a evangelização está penetrando no cerne da cultura ou se está somente na superfície. “A compaixão, olha-a no rosto, a fome, olha-a na barriga”. (Kheke yitale kumeso, zala yitale ku mujimo). A Igreja é um grande poço, a uns atrai pela barriga (necessidades) e são nutridos pela compaixão de Jesus, outros motivados pela compaixão/fé são nutridos pelo amor a humanidade, a Igreja é sempre acolhida e envio, sempre dinâmica. (1Jo 4, 20-21; Mt 10, 40-42)

O “poço” deve ser sempre cuidado, limpo e mantido em boas condições afim de continuar a ser canal de encontro entre a água e luz, caso contrário a Igreja pode adoecer. A liturgia como serviço a vida é fonte e ápice da fé cristã, celebrar a eucaristia no contexto africano com forte expressão corporal é oportunidade de chegar ao coração das pessoas. A Igreja necessita ser lugar de esperança, fonte de vida, não pode despertar falsas esperanças, “abandonaram-me, a Mim, fonte de água viva, para cavar cisternas, cisternas fendidas que não retém a água”. (Jr 2,13). A liturgia não pode ser um apêndice na vida das pessoas, com encontros provocados por mera obrigação dominical.

Na mentalidade religiosa africana está bem implantada a convicção de que os assuntos do mundo humano são controlados por forças sobrenaturais superiores e por pessoas com “armas invisíveis do mal” controlados por feiticeiros. Para superar este paradigma e ter uma autentica compreensão do sobrenatural é necessário “uma auto comunicação de Deus que seja completa, definitiva e pessoal em Jesus Cristo”. Em carta de motivação para as reflexões sobre o sínodo diocesano, nosso bispo D. Tirso Blanco recomenda: “Toda homilia deveria incluir uma seção apologética, todo o grupo ou comunidade cristã deveria incluir no seu programa de atividades o anúncio de Cristo aqueles que não o conhecem ou que o conhecem mal e precisam uma evangelização integral ou de uma reevangelização”.

Ao trabalhar na escavação/evangelização não podemos ficar presos a formas e catequeses “decorativas’ e unicamente doutrinarias, devemos apresentar por meios simples e eficazes a pessoa de Jesus e favorecer a cada pessoa um encontro verdadeiro com a fé cristã (Jo 1,35-42). Não podemos deixar as pessoas passarem como água, temos que provocar os encontros Pessoa/Pessoa; Pessoa/Outro; Pessoa/Deus e Pessoa/Mundo,/  tendo Jesus Cristo como mediador e a Igreja como espaço que favoreça este encontro.

Em nossa realidade eclesial (extremo leste de Angola) onde o cristianismo é minoria e de superficialidade é essencial apresentar a identidade que é própria de Jesus histórico sem centrar demais no Cristo místico, para demostrar que não é um simples mito dentro da cultura africana.

Não podemos nos contentar com a água do JARRO, pois “meya a kumbata kexi kuhwisa phwila” (água transportada não mata a sede), mas devemos estar atentos ao JORRO que é a fonte de “água viva”, que passa pelas veias da terra, procurar estas veias exige trabalho meticuloso e perseverante, o poço comunitário – Igreja, é fruto de um Dom e de trabalho paciente e tenaz, o poço torna-se lugar no qual, ao movimento descendente da escavação corresponde ao movimento ascendente da água, ao esvaziamento (kenosis) paciente do canal. Se vamos ao encontro de Jesus ele vem primeiro ao nosso encontro.(1Jo 4,19)

Assim a comunidade torna-se abertura que faz nascer a água, lugar de regeneração, “oásis no deserto da vida” poço junto ao qual Jesus senta para escavar o coração da pessoa e levá-la ao encontro profundo de si mesma. (Jo 4, 4-30)

Só Jesus pode fazer do jarro fonte de vida e de alegria, pela intercessão de Maria, que sentindo a necessidade da alegria que o encontro humano deve ter, foi cavar no poço de Jesus e animar outras pessoas na missão. Que nossa missão entre os africanos seja para servir, pois quem serve, fazendo o trabalho de encher os jarros de água, sabe de onde vem o vinho melhor que produz alegria do encontro das pessoas. Que sejamos servidores motivados pela palavra de Maria mãe de Jesus: “fazei tudo que Ele vos disser”. (Jo 2,1-12), pois a água passa, mas as pessoas voltam a encontrar-se!

                                                                                                                  Pe. Renato Dutra Borges, sdn
                                                                                                               Pe. Odésio Magno da Silva, sdn
                                                 Paróquia Santo António de Cavungo - Alto Zambeze, Moxico; Angola