"Por Deus, tenham um blog!" Papa Bento XVI


Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


sábado, 13 de outubro de 2018



História do medo no ocidente (1300 – 1800)
Jean Delumeau

Não temos história do amor, da morte, da piedade, da crueldade, da alegria.” A queixa do historiador Lucien Febvre, em 1948, muito repetida desde então, tornou-se quase um manifesto da disciplina que se convencionou chama a “história das mentalidades”. Uma das lacunas que o fundador da escola dos Annales deplorava foi preenchida pela História do Medo no Ocidente, obra de 1978 e já hoje um clássico.

Ao tornar objeto de estudo o medo, Jean Delumeau parte da ideia de que não apenas os indivíduos mas também as coletividades estão engajadas num dialogo permanente com a menos heroica das paixões humanas. Revelando-nos os pesadelos mais íntimos da civilização ocidental do século XIV ao XVIII – o mar, as trevas, a peste, a fome, a bruxaria, o Apocalipse, Satã e seus agentes – o grande pensador francês realiza uma obra sem precedentes na historiografia do Ocidente.

Se não se consegue afastar completamente o medo para fora de seus muros, ao menos enfraquecê-lo o suficiente para que possa viver com ele.

            Divide-se em duas partes
            Os medos da maioria na primeira parte e a Cultura dirigente do edo numa segunda parte.

A leitura torna-se agradável a partir do primeiro capitulo e prossegue assim ate o seu final. O nível de literatura não é denso e nem exigente demais, sendo que qualquer leigo pode ler sem praticamente nenhum problema por ser de fácil compreensão e envolvimento com o tema.

As civilizações estão comprometidas num diálogo constante com o medo. Trata-se de colocar em seu lugar um complexo de sentimentos que, considerando as latitudes e as épocas, não pode deixar de desempenhar um papel capital na história das sociedades humanas para nos próximas e familiares.

Três limites do trabalho
1 - Não se trata de construir a história a partir do “exclusivo sentimento de medo”
2 - Fronteiras de tempo e espaço 1348 a 1800
3 - setor geográfico da humanidade do Ocidente

Por que o silêncio prolongado sobre o papel do medo na história?
Sem duvida, por causa de uma confusão mental amplamente difundida entre medo é covardia, coragem e temeridade.

A palavra medo está carregada de tanta vergonha que a escondemos. Enterramos no mais profundo de nós o medo que nos domina as entranhas.
“O medo é a prova de um nascimento baixo” Virgílio, Eneida IV
“A pobreza do povo é a defesa da monarquia... a indigência e a miséria eliminam toda coragem, embrutecem as almas, acomodam-nas ao sofrimento e à escravidão e as oprimem a ponto de tirar-lhes toda energia para sacudir o jugo”. Thomás More
O medo nasceu com o homem na mais obscura das eras e acompanha-nos por toda nossa existência. Jakov Lind
Os homens usam amuletos, os animais não...
Quando nasci minha mãe deu luz gêmeos, meu irmão gêmeo é o medo!

Quem quer que seja presa do medo corre o risco de desagregar-se. Sua personalidade se desfaz, a impressão de reconforto dada pela adesão ao mundo desaparece; o ser se torna separado, outro, estranho. O tempo para, o espaço encolhe.

Os antigos viam no medo um poder mais forte do que os homem, cujas graças podiam ser ganhas por meio de oferendas apropriadas, desviando então para o inimigo sua ação aterrorizante.

O medo tem um objeto determinado aniquilar se pode fazer frente. A angústia não o tem e é vivida numa espera dolorosa diante de um perigo tanto mais terrível quanto menos claramente identificado: é um sentimento global de insegurança. Desse modo, a angústia é mais difícil de superar que o medo.

O ocidente venceu a angústia “nomeado”, isto é, identificando, ou até fabricando medos particulares
Três formas de superação do medo no ocidente. Esquecimentos, remédios e audácias. Dos paraísos aos fervores místicos, passando pela proteção dos anjos da guarda e pela de São José, patrono da boa morte. Percorreremos ao final um universo tranquilizador onde o homem se liberta do medo e se abre para alegria.

Pode parecer desanimador e ate mesmo intimidador com as suas 700 paginas, discorrendo sobre um único tema, que é a historia do medo. Mas observando-se o índice, podemos notar que contem uma ampla diversidade de assuntos, cada qual abordado de forma apropriada e sem perder o fio da meada.

Aborda muitos aspectos como a peste, a Idade Média, o comportamento dos homens de antigamente, as personalidades e os seus retratos psicológicos, as doenças, a morte, as guerras, os boatos e sedições, as revoltas, a fome, os demônios, a Inquisição, os muçulmanos, a Conquista das Américas, a cristianização dos povos, heresias, bruxarias, superstições, etc. Enfim, podemos dizer que aborda uma ampla gama de assuntos, com vastas referencias bibliográficas.

A leitura é altamente esclarecedora sobre vários eventos obscuros da Idade Media, do qual não tínhamos conhecimento nenhum. Por exemplo, o medo do Apocalipse e o Juízo Final que dominou a mentalidade europeia dos séculos XIV até o XVII, que acabou influenciando a História em seu curso quando da Reforma Protestante (e em certa medida podemos observar esses comportamentos ainda hoje), ou então o medo excessivo de Satanás, que também acabou por influenciar o curso da Conquista das Américas.

E também temos interessantes relatos de como surgiu o antissemitismo na Europa, que era esparso e raro até o seculo XII, no qual passou a se intensificar a partir do século XIV, em que esse antijudaismo se tornou “unificado, teorizado, generalizado e clericalizado”. Podemos ver como se originaram os guetos, o que foi feito contra os judeus, como surgiram as desculpas para os massacres e progroms, as justificativas religiosas, quem foram os perseguidores, etc. Dado relevante é o impulso antissemita na Europa que foi dado pelos protestantes com as obras “Contra os judeus e suas mentiras” e “Shem Hemephoras”, escritas por nada menos que o Martinho Lutero. E parte dessas perseguições culminaram no Holocausto de nosso século XX.

Uma outra coisa que eu considero bastante útil é o tratamento dado às mulheres que sofreram e muito nas mãos dos europeus durante os séculos XII a XVIII.

A leitura é altamente recomendável para quem gosta de ler sobre Historia, aprender mais sobre o nosso passado, a influencia desses tempos medievais na construção da moderna sociedade atual e a formação do caráter da civilização Ocidental

....



quarta-feira, 10 de outubro de 2018


O pavilhão dos padres – Dachau 1938-1945
Guillaume Zeller

Introdução
 “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles.” (Hebreus 13, 3)

Pawel, Alois e Boleslaw Prabucki são irmãos. Nascidos em Iwiczno, na Polónia, em 1893, 1896 e 1902, optam os três por consagrar as suas vidas a Deus tornando-se padres da diocese de Chelmno.
Nesta região, durante muito tempo disputada pela Alemanha e a Polónia, o primeiro torna-se pároco de Gostkowo, o segundo pároco de Gronowo e o terceiro vigário de Mokre.
No outono de 1939, pouco após a derrota da Polónia diante dos exércitos do 3.º Reich, são detidos pelos nazis, motivados pela vontade de decapitar as elites polacas.
Os três irmãos são enviados para o campo de concentração de Oranienburg-Sachsenhausen, a norte de Berlim. A 14 de dezembro de 1940 são transderidos para Dachau, o campo-protótipo do sistema SS, implantado no coração da Baviera.
Pawel, Alois e Boleslaw são desde então os presos 22661, 22686 e 22685. Depois de meses de sofrimentos intensos, esfomeado, esgotado, Alois é o primeiro a morrer a 17 de outubro de 1942 e a desaparecer nas entranhas do crematório.
Menos de um mês mais tarde, a 14 de agosto, Boleslaw foi selecionado para ser gazeado no castelo de Hartheim, o enorme centro de eutanásia instalado na Áustria.
No momento da partida, Pawel, abatido, traça o sinal da cruz sobre a fronte do seu irmão, pede-lhe para abraçar os seus pais e Alois no céu, e assegura-lhe sua chegada próxima entre eles. Boleslaw desaparece. Dezasseis dias depois, a 30 de agosto, Pawel cumpre a promessa e morre em Dachau.
Os irmãos Prabucki são três dos 2579 padres, religiosos e seminaristas católicos, vindos da Europa ocupada, encarcerados no campo de Dachau pelos nazis entre 1938 e 1945. A história destes homens é mal conhecida, oculta no processo concentracionário global.
Por outro lado, eles são eclipsados por duas grandes figuras mártires católicos, assassinadas em Auschwitz: o franciscano Miximiliano Kolbe, morto a 14 de agosto de 1941 com uma injeção de fenol, depois de ter sido deixado dias à fome, e a carmelita Teresa-Benedita da Cruz, nascida Edith Stein, judia convertida, antiga assistente de Edmund Husserl, gaseada em Birkenau no dia 9 de agosto de 1942. Ambos foram canonizados.
Quem sabe, todavia, que em Dachau duas a três barracas em trinta são ocupadas em permanência por eclesiásticos de 1940 a 1945? Elites polacas, opositores políticos alemães, austríacos ou checoslovacos, resistentes belgas, holandeses, franceses, luxemburgueses, italianos... De todas as nações e de todas as idades, padres são reagrupados atrás do arame farpado de Dachau, aplicando um acordo arrancado pela diplomacia do Vaticano ao Reich.
Durante oito anos, as tragédias e os gestos magníficos pontuam o itinerário do clero de Dachau, da tenebrosa marcha forçada da "semana santa" de 1942 ao heroico enclausuramento voluntário de padres nas barracas dos moribundos de tifo, passando pela comovedora ordenação clandestina de um jovem diácono alemão tuberculoso por um bispo francês, visto como marechalista [próximo do marechal Pétain, que governou a França unido ao regime nazi e que depois da guerra foi condenado por traição], honrado depois como "Justo Entre as Nações" no memorial de Yad Vashem, em Israel.
Nunca, ao longo da história, mesmo nas piores horas do terror francês ou da perseguição comunista, tantos padres, religiosos e seminaristas foram assassinados num espaço tão restrito: 1034 deixaram lá a vida.
Além dos itinerários pessoais de que é composta, a história dos padres de Dachau - aos quais se acrescentam 141 religiosos de outras confissões, protestantes e ortodoxas na sua larga maioria - permite uma luz nova sobre o sistema concentracionário hitleriano, sobre o anticristianismo intrínseco do nazismo, e, para lá do estrito campo histórico, sobre a fé e o compromisso espiritual.
Em que é que a experiência dos padres detidos em Dachau se junta à dos seus camaradas laicos? Quais foram os seus privilégios e quais foram os seus sofrimentos específicos. As perseguições empreendidas pelos nazis contra o clero procedem de convicções ideológicas ou políticas? A fé e o compromisso religioso dos padres armaram-nos ou desarmaram-nos face à desumanização seguida nos campos? As suas convicções morais, forjadas pelo Evangelho e a tradição da Igreja, resistiram à perversão dos valores impostos pelas SS? A experiência sofrida pelos padres de Dachau levou frutos ao seio da instituição eclesial, mas também ao exterior, às periferias da Igreja? Retraçar esta história singular, fragmento do drama concentracionário, permite esboçar respostas a estas diferentes questões.

Reagrupados em “blocos” específicos – que conservam para a história o nome de “o pavilhão dos padres”, 1034 deixaram lá a vida. Polacos, belgas, alemães, italianos, checos, iugoslavos: por trás do arame farpado de Dachau, a «universidade da Igreja» é palpável.
Estes homens que, numa Europa ainda cristianizada, eram detentores de um estatuto respeitável, por vezes eminente, viram-se na situação oposta, no meio da fome, frio, doenças, trabalho esgotante, golpes das forças de segurança e experiências médicas.
Alguns cederam ao desespero, outros – a maioria – não se curvaram, talvez apoiados pela sua fé. Partilhando a sorte comum dos deportados, os padres de Dachau esforçaram-se por manter intacta a sua vida espiritual e sacerdotal. Uma capela, a única autorizada em todo o sistema de campos de concentração, proporcionou-lhes uma ajuda considerável.
Esta experiência única na história da Igreja oferece uma nova luz às relações entre o nazismo e o cristianismo. Mais de 70 anos após a sua libertação, o campo de concentração de Dachau continua a ser o maior cemitério de padres católicos do mundo.

Crítica
Frederic Le Moal (lelitteraire.com)
É raro que um livro de história suscite emoções. É todavia o caso do estudo original de Guillaume Zeller sobre o calvário sofrido pelos padres católicos no campo de concentração de Dachau, o primeiro dos campos criados pelos nazis e o último libertado.
O conteúdo propriamente histórico da obra reside nas informações preciosas sobre as perseguições nazis contra a Igreja católica e os seus padres. A força do ódio anticristão, consubstancial ao anti-semitismo, a par da resistência espiritual mas também política do clero, impelem os dirigentes nazis a multiplicar as prisões de sacerdotes. Num primeiro tempo, a repressão abate-se sobretudo nos territórios ocupados, depois, a partir da guerra, sobre a Alemanha. Ao início disseminados em vários campos, os padres são reunidos, sob pressão do Vaticano, em Dachau. Aqui será o seu Gólgota.
É neste campo que os padres conhecerão o martírio dos outros deportados: a fome, a violência, as experiências médicas atrozes, mas também humilhações ligadas ao seu estatuto de homens de Deus e servidores da Igreja católica. Em páginas muito fortes, Guillaume Zeller descreve o sadismo das SS e dos seus sequazes, as torturas, a banalização da morte, a devastação do tifo. Nada faltou.
Mas as páginas sem dúvida mais emocionantes situam-se na última parte do livro. O autor dedica vários capítulos à intensidade da vida religiosa em torno da capela criada no interior do campo. Os padres, acompanhados por um bispo francês deportado por factos relacionados com a Resistência, conseguem celebrar missas e, sobretudo, distribuir a Comunhão aos prisioneiros, mantendo acesa uma vida sacramental que não se suporia. Um jovem chegou mesmo a ser ordenado padre.
Aqueles que duvidam dos benefícios da liturgia anterior ao Concílio Vaticano II, ficarão talvez convencidos pela união forjada pelo latim. Como escreve um sobrevivente, o fato de o padre dizer as mesmas palavras latinas que todos os seus irmãos no sacerdócio, à mesma hora, repetidas no mundo inteiro, faz-lhe esquecer o inferno do campo de concentração. E que dizer do poder da hóstia escondida nas vestes e do conforto da oração?
Este livro supera a primeira impressão que poderia dar (uma soma de testemunhos). Ele fará descobrir a numerosos leitores que os padres católicos foram também engolidos no sistema concentracionário nazi, e sobretudo que nunca estas vítimas duvidaram da presença de Deus, mesmo naquele inferno sobre a terra.