Pericorese e Eucaristia: Mistério de Comunhão
Na teologia cristã, a Eucaristia é muito mais do que um rito ou um símbolo: é o sacramento por excelência da comunhão trinitária. Celebrar a Eucaristia é entrar em uma realidade dinâmica e transformadora, onde o Corpo e Sangue de Cristo oferecidos ao Pai no Espírito Santo se tornam lugar de encontro com o mistério de Deus-Amor, que é comunhão em si mesmo. A partir da perspectiva da pericorese trinitária — a mútua habitação entre o Pai, o Filho e o Espírito —, podemos compreender a Eucaristia como ato pericorético, no qual somos inseridos na vida íntima da Trindade.
A Eucaristia como expressão da pericorese
A Eucaristia realiza o mistério da fé: Cristo se
entrega ao Pai pela humanidade, e nessa entrega somos incluídos. Como ensina a
Liturgia: “Por Ele, com Ele e n’Ele, a Vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade
do Espírito Santo…” Esta fórmula trinitária não é mera conclusão litúrgica, mas
expressão viva de um dinamismo de relações divinas e humanas. Ao participar da
Eucaristia, entramos no movimento de amor eterno que circula entre o Pai, o
Filho e o Espírito. A pericorese, como comunhão sem fusão, relação sem
dominação, torna-se visível na Eucaristia, onde o dom de si é o fundamento da
unidade.
Jesus declara: “Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56).
Essa permanência mútua entre Cristo e o discípulo é imagem direta da
relação pericorética entre o Pai e o Filho: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em
ti, que eles também estejam em nós” (Jo 17,21). O que Jesus vive com o Pai no
Espírito é o que Ele deseja partilhar conosco por meio da Eucaristia. Assim, o
sacramento do altar não é apenas memorial, mas participação real nesse mistério
de vida divina.
A Eucaristia como evento trinitário
Na teologia litúrgica contemporânea, compreende-se
que a Eucaristia é ação do próprio Deus Trindade:
É o Pai quem nos
convoca e recebe a oferenda;
É o Filho quem
Se entrega como Cordeiro imolado e glorificado;
É o Espírito
Santo quem consagra os dons, santifica os fiéis e realiza a comunhão.
Assim, o altar torna-se lugar onde a pericorese se
revela e se comunica: somos levados a participar da vida que o Pai vive com o
Filho no Espírito. A comunhão não é somente entre o fiel e Cristo, mas com toda
a Trindade, e por meio dela, com os irmãos e irmãs.
Unidade sem fusão, presença sem absorção
A pericorese preserva o mistério da distinção na
comunhão. Isso é decisivo também para a teologia eucarística. Na Eucaristia,
Cristo não anula a pessoa do fiel, mas a atrai para dentro de sua relação com o
Pai. O fiel comunga o Corpo do Senhor, não para se perder em Deus, mas para se
tornar mais ele mesmo em comunhão com os outros. A pericorese eucarística
implica que a união com Cristo se desdobra em solidariedade, missão e
transformação da vida comunitária. A comunhão eucarística autêntica exige a comunhão
entre os irmãos (cf. 1Cor 11,17-34).
Por isso, a Eucaristia tem implicações éticas e
sociais: não se pode separar a adoração do compromisso, a liturgia da caridade,
a oração do serviço. A pericorese é movimento expansivo de amor, e não pode se
restringir ao sagrado isolado do cotidiano. Quem participa da Eucaristia deve
tornar-se sinal pericorético no mundo: alguém que vive em doação, escuta,
perdão e relação fraterna.
A Igreja como sacramento pericorético
A Igreja nasce da Eucaristia (cf. Ecclesia de
Eucharistia, n. 26), porque ela é o povo reunido na comunhão trinitária por
meio do Corpo de Cristo. Cada celebração eucarística torna a Igreja mais ela
mesma, não como uma instituição hierárquica apenas, mas como ícone da Trindade
no mundo: unidade na diversidade, relação na liberdade, comunhão na
corresponsabilidade.
Na pericorese trinitária, nenhuma Pessoa é mais ou
menos importante, e nenhuma existe sozinha. Do mesmo modo, na Eucaristia, todos
recebem o mesmo Corpo, todos são convidados à mesma mesa. É o modelo de uma
Igreja inclusiva, sinodal, relacional, que se compreende a partir da Eucaristia
como escola de comunhão.
Essa dimensão pericorética da Eucaristia inspira
também o diálogo ecumênico, pois nos recorda que a verdadeira unidade dos
cristãos não é uniformidade, mas comunhão no amor trinitário. A Eucaristia,
quando bem compreendida, não é obstáculo, mas caminho para a reconciliação
entre as Igrejas, pois antecipa o banquete escatológico onde todos serão um em
Cristo.
Mistagogia da pericorese: aprender a habitar a comunhão
A experiência da pericorese eucarística exige um
processo mistagógico, isto é, de iniciação contínua ao mistério. Celebrar a
Eucaristia não basta: é preciso aprender a viver segundo sua lógica. Trata-se
de cultivar atitudes como:
Escuta e
diálogo, em vez de julgamento e autorreferência;
Gratuidade e
partilha, em vez de acumulação e competição;
Serviço e
humildade, em vez de poder e clericalismo.
Cada gesto da liturgia o sinal da cruz, a procissão das oferendas, o
abraço da paz, a comunhão tem valor formativo e espiritual. São gestos
pericoréticos, que educam os fiéis para uma vida de relação e abertura ao
outro. Assim, a Eucaristia torna-se caminho para superar divisões, curar
feridas, restaurar a confiança e reconstruir laços.
Eucaristia: antecipação do Reino trinitário
Por fim, a Eucaristia é memorial do passado,
presença real no presente, mas também profecia do futuro. Ela antecipa a
comunhão plena do Reino, onde Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Na ceia
eucarística, participamos da mesa do Cordeiro, vislumbramos a cidade celeste, e
somos transformados à imagem da Trindade. A pericorese, portanto, não é apenas
uma estrutura interna de Deus, mas nosso destino em Cristo: sermos integrados
na vida eterna do Deus Uno e Trino.
“Felizes os convidados para a Ceia do Senhor”: essas
palavras são convite e promessa. Celebrar a Eucaristia com fé é aceitar viver
no dinamismo do dom total, da comunhão sem exclusão, da alegria que vem de
estar com Deus e com os irmãos. É deixar-se formar por Cristo para viver
pericoricamente no mundo, com gestos de amor, reconciliação, escuta e serviço.
Tenho consciência de que, ao comungar o Corpo de Cristo, sou
chamado a participar da comunhão trinitária e a tornar-me expressão viva desse
amor nas minhas relações diárias?