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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Artigo do Pe Nelito sobre renuncia do Papa e momento atual da Igreja

Dossiê sobre a surpreendente notícia da renúncia do papa Bento XVI Pe. Nelito Dornelas ​Diante da surpreendente renúncia ao pontificado, anunciada pelo Papa Bento XVI e, amplamente divulgada pelos meios de comunicação, no último dia 11 de fevereiro, sinto-me impelido a fazer uma coletânea dos artigos publicados na imprensa, discutindo, sobre os mais variados pontos de vista, este assunto de enorme relevância para a vida da Igreja e o futuro do cristianismo. ​Antes de apresentar os artigos, retomo aqui dois momentos distintos do teólogo Joseph Ratzinger, o primeiro ainda como professor e o segundo já como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Estes dois textos expressam a agudeza do seu pensamento e a capacidade critica de perceber os sinais dos tempos. Creio ser esta mesma honestidade intelectual e liberdade espiritual que o levaram a tomar a decisão de renunciar ao governo da Igreja e se recolher na vida contemplativa. ​Eis os textos: Em 1971, o teólogo Joseph Ratzinger, escreveu sua obra Fé e Futuro, e fez a seguinte pergunta: Como será a Igreja no ano 2.000? Assim afirma: Da crise de hoje, também desta vez surgirá no futuro uma Igreja que terá perdido muito. Ela será pequena e, em grande parte, deverá começar a partir do inicio. Ela não terá tantos fiéis para ocupar os espaços de muitas das construções que foram feitas no período de grande esplendor, devido ao número pequeno de seus adeptos. Ela perderá muito de seus privilégios que havia conquistado na sociedade. Ao contrário do ocorrido até agora ela se apresentará muito mais fortificada como comunidade de voluntários, que somente se faz acessível pela decisão livre e pessoal de seus membros. Como comunidade pequena, ela pedirá muito mais da iniciativa de seus membros e conhecerá também, certamente, novas maneiras dos ministérios ordenados e elevará os leigos profissionais ao sacerdócio ministerial. Em muitas comunidades pequenas, e em outros grupos sociais semelhantes, a evangelização será feita dessa maneira. Claro é que o sacerdócio oficial será indispensável! ​Más não obstante, em todas estas mudanças que podemos supor que hão de acontecer na Igreja, eu penso que ela encontrará nova e decididamente seu lugar essencial no que sempre tem sido seu núcleo central: a fé em Deus Uno e Trino, em Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, e na assistência do Espírito que chega até o fim. Na fé e na oração ela reencontrará seu próprio núcleo central vivendo os sacramentos como culto divino e não como problema de configuração litúrgica. ​Emergirá uma Igreja interiorizada que não prevalece de mandato político e tão pouco se compromete com a esquerda ou a direita. Ela conseguirá isto com muito esforço, porque o processo de cristalização e de esclerosamento vão lhe custar também muitas forças. Ela se fará uma Igreja dos pobres e dos pequenos. O processo será muito difícil devido aos enredos da estupidez sectária daqueles que conservam sua arrogância. ​ É claro que tudo isso demanda tempo. O processo será longo e penoso, como muito difícil tem sido o caminho feito pela Igreja desde os falsos progressismos às vésperas da Revolução Francesa, nos quais, também muitos dos bispos falavam elegante sobre dogmas e talvez deixando transparecer que até mesmo a existência de Deus não era dada por certa, isto somente terminou com a renovação da Igreja no século dezenove. ​ Ademais, depois disto, terá que sair do seio de uma igreja interiorizada e simplificada uma grande força. Pois as pessoas, vivendo em um mundo inteiramente planificado, estarão inevitavelmente na solidão. Quando, para elas, Deus estiver completamente desaparecido, elas experimentarão sua pobreza completa e horrível em suas frustrações. E encontrarão na pequena comunidade dos que creem algo inteiramente novo, como uma esperança que será uma resposta a todo aquilo que ocultamente sempre perguntaram. ​ Desse modo, me parece certo que, para a Igreja estes tempos iminentes são muito difíceis. Sua crise verdadeira está apenas começando, teremos que contar com grandes abalos. Porém, é também certo aquilo que afinal vai permanecer: não uma Igreja do culto político, que já fracassou com Gobel, mas a igreja da fé. Certamente ela não será a força dominante da sociedade, como foi até agora, porém, dela ressurgirá e florescerá a humanidade como pátria que oferece vida e esperança a quem queira até para além da morte. O segundo texto ao qual me refiro é o do Cardeal Joseph Ratzinger, em entrevista publicada em 1997, O sal da terra: o cristianismo e a Igreja católica no limiar do terceiro milênio. Assim se expressa sobre a leitura popular da bíblia, que, ao meu ver, é um dos melhores caminhos que o Espírito apontou neste último século como o lugar de edificação da Igreja. Isso está tão claro que foi assumido pelo conjunto do episcopado brasileiro como uma das urgências pastorais, a animação bíblica de toda a ação pastoral. Vamos ao texto: Às vezes parece ser tão complicado (ler a Bíblia) que se julga que só os estudiosos podem ter uma visão de conjunto. A exegese deu-nos muitos elementos positivos, mas também fez com que surgisse a impressão de que uma pessoa normal não é capaz de ler a Bíblia, porque tudo é tão complicado. Temos de voltar a aprender que a Bíblia diz alguma coisa a cada um e que é oferecida precisamente aos simples. Nesse caso dou razão a um movimento que surgiu no seio da teologia da libertação que fala da interpretação popular. De acordo com essa interpretação, o povo é o verdadeiro proprietário da Bíblia e, por isso, o seu verdadeiro intérprete. Não precisam conhecer todas as nuances críticas; compreendem o essencial. A teologia, com os seus grandes conhecimentos, não se tornará supérflua, até se tornará mais necessária no diálogo mundial das culturas. Mas não pode obscurecer a suprema simplicidade da fé que nos põe simplesmente diante de Deus, e diante de um Deus que se tornou próximo de mim ao fazer-se homem. Vamos agora à coletânea de artigos Quarta, 13 de fevereiro de 2013 Um papa pode renunciar? Sim, um papa pode renunciar – até 10 papas na história podem ter renunciado, mas as provas históricas são limitadas. A análise é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, membro sênior do Woodstock Theological Center, da Georgetown University, e ex-diretor da revista America, dos jesuítas dos EUA. O artigo foi publicado no jornal National Catholic Reporter, 11-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Sim, um papa pode renunciar – até 10 papas na história podem ter renunciado, mas as provas históricas são limitadas. Mais recentemente, durante o Concílio de Constança, no século XV, o Papa Gregório XII renunciou para trazer o fim do Grande Cisma do Ocidente, e um novo papa foi eleito em 1417. A renúncia do Papa Celestino V, em 1294, é a mais famosa, porque Dante o colocou no inferno por causa disso. Papas mais moderno sentiram que a renúncia é inaceitável. Como disse Paulo VI, a paternidade não pode ser renunciada. Além disso, Paulo VI temia criar um precedente que poderia incentivar facções na Igreja a pressionar futuro papas a renunciar por outras razões que não a saúde. No entanto, o Código de Direito Canônico de 1917 previa a renúncia de um papa, assim como os regulamentos estabelecidos por Paulo VI em 1975 e por João Paulo II em 1996. No entanto, uma renúncia induzida por medo ou fraude seria inválida. Além disso, os canonistas argumentam que uma pessoa que renuncia de um ofício deve poder fazer o "uso da razão" (Cânone 187). Em 1989 e em 1994, João Paulo II secretamente preparou cartas oferecendo ao Colégio dos Cardeais a sua renúncia em caso de uma doença incurável ou outra condição que o impedisse de cumprir o seu ministério, segundo Mons. Slawomir Oder, postulador da causa do papa falecido. O sítio Catholic News Service noticia: "A carta de 1989 era breve e direta ao ponto; ela diz que, no caso de uma doença incurável que o impeça de 'exercer suficientemente as funções do meu ministério apostólico' ou por causa de algum outro impedimento grave e prolongado, 'eu renuncio ao meu ofício sagrado e canônico, tanto como bispo de Roma, quanto como chefe da Igreja Católica'". "Em sua carta de 1994 – continua a notícia –, o papa disse que passou anos se perguntando se um papa deveria renunciar aos 75 anos, a idade normal de aposentadoria para os bispos. Ele também disse que, dois anos antes, quando ele pensou que poderia ter um tumor maligno de cólon, ele pensava que Deus já havia decidido por ele." Então, segundo a reportagem, "ele decidiu seguir o exemplo do Papa Paulo VI, que, em 1965, concluiu que um papa 'não poderia renunciar ao mandato apostólico, exceto na presença de uma doença incurável ou de um impedimento que impedisse o exercício das funções do sucessor de Pedro". "Fora destas hipóteses, eu sinto uma grave obrigação de consciência a continuar a cumprir a tarefa para a qual Cristo, o Senhor, me chamou, enquanto, no misterioso desígnio de sua providência, ele desejar", diz a carta. As provas históricas para as renúncias papais são limitadas, especialmente se eliminarmos as renúncias que podem ter sido forçadas. 1. Clemente I (92?-101): Epifânio afirmou que Clemente abriu mão do pontificado a Lino em prol da paz e se tornou papa novamente após a morte de Cleto. 2. Ponciano (230-235): supostamente renunciou após ser exilado para as minas da Sardenha durante a perseguição de Maximinus Thrax. 3. Ciríaco: um personagem fictício criado na Idade Média que supostamente recebeu um mandato celestial para renunciar. 4. Marcelino (296-304): abdicou ou foi deposto depois de cumprir a ordem de Diocleciano de oferecer sacrifício a deuses pagãos. 5. Martinho I (649-655): exilado pelo imperador Constâncio II para a Crimeia. Antes de morrer, o clero de Roma elegeu um sucessor que ele parece ter aprovado. 6. Bento V (964): depois de um mês no cargo, ele aceitou a deposição por parte do imperador Otto I. 7. Bento IX (1032-1045): Bento renunciou depois de vender o papado ao seu padrinho Gregório VI. 8. Gregório VI (1045-1046): deposto por simonia por Henrique III. 9. Celestino V (1294): eremita, eleito aos 80 anos e oprimido pelo ofício, renunciou. Foi preso pelo seu sucessor. 10. Gregório XII (1406-1415): renunciou a pedido do Concílio de Constança para ajudar a acabar com o Grande Cisma do Ocidente. [Fonte: Patrick Granfield, Papal Resignation (Revista The Jurist, inverno-primavera de 1978); e J. N. D. Kelly, The Oxford Dictionary of Popes (1986).] Em Luz do Mundo, o Papa Bento XVI respondeu de forma inequívoca a uma pergunta sobre se um papa poderia renunciar: "Sim. Quando um papa chega à clara consciência de já não se encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o encargo que lhe foi confiado, então tem o direito – e, em algumas circunstâncias, também o dever – de renunciar". Por outro lado, ele não favoreceu a renúncia simplesmente porque o fardo do papado é grande. "Quando o perigo é grande, não é possível escapar. Eis por que este, certamente, não é o momento de renunciar. Precisamente em momentos como estes é que se faz necessário resistir e suportar as situações difíceis. Este é o meu pensamento. É possível renunciar em um momento de serenidade ou quando simplesmente já não se aguenta. Não é possível, porém, fugir justamente no momento do perigo e dizer: 'Que outro cuide disso'". Quarta, 13 de fevereiro de 2013 Os dois pontífices no Vaticano. Artigo de Vito Mancuso. A inédita situação determinada pela renúncia de Bento XVI é de grande ajuda para compreender o que significa realmente ser papa. Até ontem, "ser papa" e "fazer o papel de papa" era a mesma coisa. A renúncia de Bento XVI é o fim de uma modalidade de entender o papado e pode ser o nascimento de algo novo. A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Segundo o teólogo, "no mundo de ontem, sugere Bento XVI, a distinção entre pessoa e papel ainda podia não emergir, e um Joseph Ratzinger enfraquecido ainda poderia continuar desempenhando o papel de Bento XVI. No mundo de hoje, ao invés, não é mais assim. Eu considero essas palavras não somente uma grande lição de autoconsciência e de laicidade, mas também uma grande oportunidade de repensamento para o governo da Igreja". A partir da Páscoa, a Igreja Católica terá dois papas, um só de facto, mas ambos os dois de iure? À parte o célebre caso de Celestino V e de Bonifácio VIII, no fim do século XIII, uma situação desse tipo nunca havia sido verificada nos 2.000 anos de história, sem considerar que o Papa Celestino passou o tempo de ex-papa antes errante e depois preso a muita distância de Roma, enquanto Bento XVI continuará habitando no Vaticano a poucas centenas de metros do sucessor. Constituirá para ele uma sombra ou uma fonte de luz e de inspiração? Obviamente, ninguém sabe, nem mesmo o próprio Bento XVI, que certamente é uma pessoa discreta e muito respeitosa das formas, mas cujo peso intelectual e espiritual não pode deixar de exercer uma pressão sobre quem quer que assuma o seu posto. Uma coisa, porém, deve ficar clara: na Páscoa, não haverá dois papas, mas um só, porque Joseph Ratzinger não será mais bispo de Roma, e ser papa significa, acima de tudo e essencialmente, ser "bispo de Roma". A inédita situação determinada pela renúncia de Bento XVI é de grande ajuda para compreender o que significa realmente ser papa. Até ontem, "ser papa" e "fazer o papel de papa" era a mesma coisa. Até ontem, a pessoa e o papel se identificavam, não havia solução de continuidade, e, ao contrário, se entre as duas dimensões uma devia prevalecer, certamente era a de "ser papa" que prevalecia, fazendo passar para o segundo plano o fato de ter ou não as plenas possibilidades de poder fazê-lo. Todos se lembram, nos tempos da conclamada doença de João Paulo II, das repetidas garantias da Sala de Imprensa vaticana sobre as suas condições de saúde. João Paulo II não podia mais fazer o papel de papa, mas o era, e isso bastava. Prevalecia a dimensão sacral, ligada à essência, ao carisma, ao status, ao ser papa independentemente até do próprio corpo. E, não por acaso, João Paulo II, quando alguém lhe sugeria a hipótese da renúncia, costumava repetir que "da cruz não se desce". Bento XVI quer, talvez, desce da cruz? Não, trata-se de outra coisa, simplesmente do fato de que ele reconheceu antes, dentro de si, e depois declarou publicamente que o declínio progressivo das forças físicas e psíquicas não lhe permite mais "fazer o papel de papa" e, portanto, pretende deixar de "ser papa". A função levou a melhor sobre a essência, o papel sobre a identidade. Eu acrescento que a laicidade levou a melhor sobre a sacralidade. De fato, tratou-se de uma decisão laica, porque realiza uma distinção, e onde há distinção há laicidade. A distinção entre a pessoa e o papel introduzida nessa segunda-feira por Bento XVI, com a sua renúncia, se concretiza nestas palavras ditas em latim aos cardeais: "As minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino". Há um ministério, uma função, um papel, um serviço, que tem prioridade sobre a identidade da pessoa. A palavra decisiva no anúncio papal dessa segunda-feira, no entanto, é outra, a seguinte: "No mundo de hoje". Eis as suas palavras: "No mundo de hoje, para governar a barca de São Pedro, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo". No mundo de ontem, sugere Bento XVI, a distinção entre pessoa e papel ainda podia não emergir, e um Joseph Ratzinger enfraquecido ainda poderia continuar desempenhando o papel de Bento XVI. No mundo de hoje, ao invés, não é mais assim. Eu considero essas palavras não somente uma grande lição de autoconsciência e de laicidade, mas também uma grande oportunidade de repensamento para o governo da Igreja. A renúncia de Bento XVI pode conduzir a uma reforma da concepção monárquica e sacral do papado nascida na Idade Média e retomar a concepção mais aberta e funcional que o papel do papa tinha nos primeiros séculos cristãos? É difícil que isso aconteça, mas permanece a urgência de colocar novamente no centro do governo da Igreja a espiritualidade do Novo Testamento, passando de uma concepção que confere ao papado um poder absoluto e solitário, a uma concepção mais aberta e capaz de fazer viver na cotidianidade o método conciliar. Não se trata, de fato, somente das condições de saúde de Joseph Ratzinger que diminuem. É preciso ir além e chegar a fazer-se a inevitável interrogação: "No mundo de hoje", um único homem é capaz de guiar a barca de Pedro? Poder-se-á objetar que o papa não está sozinho, mas está cercado por inúmeros colaboradores. Mas se trata de colaboradores obsequiosos, muitas vezes escolhidos dentre yes-men que aplaudem e sem capacidade de instituir um verdadeiro debate e uma cerrada dialética interna, condições indispensáveis para tomar decisões capazes de fazer com que a barca de Pedro navegue "no mundo de hoje". No início, porém, não era assim. São Pedro certamente tinha um papel de guia na primeira comunidade, como se apreende do livro dos Atos, mas não exercia tal função com poder absoluto, porque senão não se entenderia o concílio realizado em Jerusalém por volta do ano 50 e a aberta oposição de São Paulo com relação a ele no episódio de Antioquia. O anúncio papal dessa segunda-feira ocorreu no contexto de algumas canonizações, uma das quais se referia aos Mártires de Otranto, os 800 cristãos mortos pelos otomanos em 1480 por não terem renegado a fé. Martírio é testemunho. A tradição da Igreja, porém, para além do martírio vermelho do sangue derramado, conhece o martírio verde da vida itinerante pelo apostolado, e o martírio branco pelo abandono de todos os próprios bens. No caso de Bento XVI, estamos diante de um martírio-testemunho de outra cor, a do reconhecimento da própria fraqueza, da própria incapacidade, do próprio não estar à altura. É o fim de uma modalidade de entender o papado e pode ser o nascimento de algo novo. Quarta, 13 de fevereiro de 2013 Por que Bento XVI renunciou? O Papa não está doente. O Papa está bem. A razão da decisão de renunciar ao ministério petrino é devida à fragilidade proveniente do envelhecimento e da consequente impossibilidade de governar a Igreja melhor. Padre Federico Lombardi explicou com clareza as causas subjacentes da histórica decisão anunciada ontem pelo Pontífice. Uma "decisão consciente, espiritual, bem fundamentada do ponto de vista da fé e humano”, como declarou na coletiva de hoje com os jornalistas na Sala de Imprensa vaticana. A reportagem é de Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 12-02-2013. Em particular, o porta-voz do Vaticano, quis "eliminar" algumas insinuações que saíram ontem pelos meios de comunicação italianos, sobre uma possível doença do Santo Padre, que ainda estivesse escondida e sobre alguns procedimentos cardíacos que o Papa teria sofrido recentemente. "Não existem doenças específicas", afirmou Pe. Lombardi, nem sequer “algum intervenção especial”. É verdade que Bento XVI nos meses passados se submeteu a uma pequena operação cardíaca, mas – explicou Lombardi – foi apenas uma substituição das baterias do marcapasso. Portanto, uma intervenção “normal, de rotina, como de todas as pessoas que têm um controlador cardíaco” que não tem nenhum importância na decisão do Pontífice, porque foi algo “irrelevante sob todos os pontos de vista”. O diretor da Assessoria de Imprensa Vaticana confirmou que até o dia 28 de fevereiro – data em que a Sé ficará vacante – a agenda de Bento XVI não sofrerá nenhuma variação. Trata-se das últimas intervenções do Papa Ratzinger, portanto, “ocasiões preciosas” que o Padre Lombardi convidou a “prestar muita atenção”. Sobretudo, prestemos atenção na Audiência geral de amanhã (a primeira aparição pública post declaratio), e a celebração das Cinzas que, por questões de espaço, não será mais na Santa Sabina no Aventino, mas na Basílica de São Pedro, justamente “para acolher mais fieis e tantos cardeais” que participarão daquela que, de fato, é “a última grande concelebração do Papa”. Depois ainda acontecerá, na quinta-feira de manhã, na Sala Paulo VI, a antiga tradição do encontro – conversa do Papa com o clero romano. Naquela ocasião, Bento XVI “falará espontaneamente com anotações preparadas”, e de acordo com o que disse Pe. Lombardi, “falará da sua experiência no Concílio Vaticano II”. Permanecem inalterados também outros eventos, como os Angelus do domingo, as visitas ad limina dos bispos italianos, as audiências aos presidentes da Romania e Guatemala, a intervenção no final dos exercícios espirituais e a última audiência do 27 de fevereiro, que acontecerá provavelmente na Praça de São Pedro, “para dar possibilidade de uma participação maior na saudação ao Santo Padre”. Respondendo a uma questão urgente, o porta-voz do Vaticano também falou da possível encíclica sobre a fé e a possibilidade de que seja publicada no final do mês. "Que eu saiba não - disse - porque não estava preparada para ser traduzida, publicada, terminada em pouco tempo". "Se haverá depois outro modo em que Bento XVI nos fará participantes das suas reflexões sobre a fé, muito bem”, acrescentou. Porém, “a Encíclica como tal, publicada pelo Papa não podemos pensar que a teremos até o final do mês". Perguntado sobre o motivo que fez o Papa não ter definido uma data que lhe tivesse dado mais tempo para entregar o importante documento, padre Lombardi respondeu “a escolha da data de uma comunicação e depois a sede vacante é uma escolha feita com uma reflexão ampla também em base a um calendário litúrgico e aos compromissos da Igreja". "Esse - afirmou – era um bom tempo para ter um espaço de um anúncio e depois a convocação do conclave, de tal forma que se chegasse à Páscoa e ao período pascal com a eleição do novo Papa”. Consciente, portanto, da “sua condição de forças que diminuem”, Bento XVI considerou já o momento amadurecido para deixar que fosse um outro Papa a enfrentar os novos compromissos e concluir o Ano da fé. Continuando o tema dos "tempos", Lombardi explicou que o Papa deixará as suas funções às 20hs e não às 24hs do dia 28 de fevereiro, porque naquela hora acaba “normalmente” a jornada de trabalho do Papa, “antes de retirar-se em oração e depois repousar”. Grande preocupação dos jornalistas foi, então, compreender como se chamará ou vestirá Bento XVI quando volte ao Vaticano depois da sua estada em Castel Gandolfo. “São questões ainda não definidas” disse Lombardi. Notícia certa é, pelo contrário, que Bento XVI “não voltará cardeal”, nem “será Bispo emérito de Roma” ainda se, por agora, não existem fórmulas oficiais. É certo, porém, que não terá nenhum papel no próximo conclave, enquanto que permanece a probabilidade de que, como é normal, o anel petrino seja quebrado. O diretor da Sala de Imprensa do Vaticano confirmou o início em novembro dos trabalhos de restauração do mosteiro Mater Ecclesiae "no Vaticano, que há um tempo era ocupado por irmãs de clausura, onde o Papa residirá. Embora tenha sido "ampliado com a construção de uma capela ao longo do muro que desce da torre da Colina”, o Mater Ecclesiae “permanece portanto um edifício pequeno – disse Lombardi – onde não podem estar unidos a residência das religiosas e a do Papa". Quando perguntado sobre o motivo que fez o Papa decidir morar neste lugar, o porta-voz respondeu que foi uma decisão do Papa, porque “ninguém lhe impõe onde deve ir ou o que deve fazer”. “O Papa conhece muito bem o Vaticano – acrescentou – e portanto sabia perfeitamente o que era o convento, onde estava e se poderia ser uma colocação adequada” que garantisse uma certa “autonomia e liberdade”. Uma última questão levantada é a de que foi a mesma viagem a Cuba e ao México que determinou, devido à fadiga, a decisão do Pontífice de demitir-se. Na realidade, assinalou Padre Lombardi, Bento XVI tinha considerado esta hipótese já no livro-entrevista do 2010, “Luz do Mundo”, de Peter Seewald. Portanto, era um tema já claro antes da viagem ao México e Cuba, “independente de eventos específicos". Além disso, depois da experiência da viagem intercontinental, o Santo Padre "não colocou no calendário outras grandes viagens, mas só afirmou que para Rio era normal que o Papa estivesse presente, mas não quer dizer que seria ele mesmo que estaria presente”. Em conclusão, à questão "escaldante": conseguirão conviver dois Papas no Vaticano? Pe. Lombardi respondeu calmamente: "É uma situação nova, mas acho que não haverá nenhum problema para o seu sucessor". Na verdade, afirmou, “o sucessor provavelmente se sentirá sustentado pela oração, por uma presença intensa de amor e de participação da pessoa que mais do que qualquer outra no mundo pode compreender e participar das preocupações do seu sucessor”. Quarta, 13 de fevereiro de 2013 Que tipo de Papa? As tensões internas da Igreja atual "Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor. Não me proponho apresentar uma balanço do pontificado de Bento XVI, coisa que foi feito com competência por outros. Para os leitores talvez seja mais interessante conhecer melhor uma tensão sempre viva dentro da Igreja e que marca o perfil de cada Papa. A questão central é esta: qual a posição e a missão da Igreja no mundo? Antecipamos dizendo que uma concepção equilibrada deve assentar-se sobre duas pilastras fundamentais: o Reino e o mundo. O Reino é a mensagem central de Jesus, sua utopia de uma revolução absoluta que reconcilia a criação consigo mesma e com Deus. O mundo é o lugar onde a Igreja realiza seu serviço ao Reino e onde ela mesma se constrói. Se pensarmos a Igreja demasiadamente ligada ao Reino, corre-se o risco de espiritualização e de idealismo. Se demasiadamente próxima do mundo, incorre-se na tentação da mundanização e da politização. Importa saber articular Reino-Mundo-Igreja. Ela pertence ao Reino e também ao mundo. Possui uma dimensão histórica com suas contradições e outra transcendente. Como viver esta tensão dentro do mundo e da história? Apresentam-se dois modelos diferentes e, por vezes, conflitantes: o do testemunho e o do diálogo. O modelo do testemunho afirma com convicção: temos o depósito da fé, dentro do qual estão todas as verdades necessárias para a salvação; temos os sacramentos que comunicam graça; temos uma moral bem definida; temos a certeza de que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo, a única verdadeira; temos o Papa que goza de infalibilidade em questões de fé e moral; temos uma hierarquia que governa o povo fiel; e temos a promessa de assistência permanente do Espírito Santo. Isto tem que ser testemunhado face a um mundo que não sabe para onde vai e que por si mesmo jamais alcançará a salvação. Ele terá que passar pela mediação da Igreja, sem a qual não há salvação. Os cristãos deste modelo, desde Papas até os simples fiéis, se sentem imbuídos de uma missão salvadora única. Nisso são fundamentalistas e pouco dados ao diálogo. Para que dialogar? Já temos tudo. O diálogo é para facilitar a conversão e é um gesto de civilidade. O modelo do diálogo parte de outros pressupostos: O Reino é maior que a Igreja e conhece também uma realização secular, sempre onde há verdade, amor e justiça; o Cristo ressuscitado possui dimensões cósmicas e empurra a evolução para um fim bom; o Espírito está sempre presente na história e nas pessoas do bem; Ele chega antes do missionário, pois estava nos povos na forma de solidariedade, amor e compaixão. Deus nunca abandonou os seus e a todos oferece chance de salvação, pois os tirou de seu coração para um dia viverem felizes no Reino dos libertos. A missão da Igreja é ser sinal desta história de Deus dentro da história humana e também um instrumento de sua implementação junto com outros caminhos espirituais. Se a realidade tanto religiosa quanto secular está empapada de Deus devemos todos dialogar: trocar, aprender uns dos outros e tornar a caminhada humana rumo à promessa feliz, mais fácil e mais segura. O primeiro modelo do testemunho é da Igreja da tradição, que promoveu as missões na África, na Ásia e na América latina, sendo até cúmplice em nome do testemunho da dizimação e dominação de muitos povos originários, africanos e asiáticos. Era o modelo do Papa João Paulo II que corria o mundo, empunhando a cruz como testemunho de que ai vinha a salvação. Era o modelo, mais radicalizado ainda, de Bento XVI que negou o título de “Igreja” às igrejas evangélicas, ofendendo-as duramente; atacou diretamente a modernidade, pois a via negativamente como relativista e secularista. Logicamente não lhe negou todos os valores, mas via neles como fonte a fé cristã. Reduziu a Igreja a uma ilha isolada ou a uma fortaleza, cercada de inimigos por todos os lados contra os quais importa se defender. O modelo do diálogo é do Concílio Vaticano II, de Paulo VI e de Medellin e de Puebla na América Latina. Viam o cristianismo não como um depósito, sistema fechado com o risco de ficar fossilizado, mas como uma fonte de águas vivas e cristalinas que podem ser canalizadas por muitos condutos culturais, um lugar de aprendizado mútuo porque todos são portadores do Espírito Criador e da essência do sonho de Jesus. O primeiro modelo, do testemunho, assustou a muitos cristãos que se sentiam infantilizados e desvalorizados em seus saberes profissionais; não sentiam mais a Igreja como um lar espiritual e, desconsolados, se afastavam da instituição, mas não do Cristianismo como valor e utopia generosa de Jesus. O segundo modelo, do diálogo, aproximou a muitos pois se sentiam em casa, ajudando a construir uma Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos. O efeito era o sentimento de liberdade e de criatividade. Assim vale a pena ser cristão. Esse modelo do diálogo se faz urgente caso a instituição-Igreja quiser sair da crise em que se meteu e que atingiu seu ponto de honra: a moralidade (os pedófilos) e a espiritualidade (roubo de documentos secretos e problemas graves de transparência no Banco do Vaticano). Devemos discernir com inteligência o que atualmente melhor serve à mensagem cristã no interior de uma crise ecológica e social de gravíssimas consequências. O problema central não é a Igreja mas o futuro da Mãe Terra, da vida e da nossa civilização. Como a Igreja ajuda nessa travessia? Só dialogando e somando forças com todos. Terça, 12 de fevereiro de 2013 Ratzinger é brilhante como teólogo, mas fracassou como papa Para Ratzinger, "a ideia de igreja é a de um pequeno grupo coeso de crentes, fiéis ao magistério da igreja (conjunto de normas para condução moral da vida), distante das "modas moderninhas", escreve Luiz Felipe Pondé, professor da PUC-SP, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-02-2013. Segundo ele, "a igreja hoje tem um sério problema de formação de quadros". "A Igreja Católica agoniza diante de um mundo que cada vez é mais opaco para quem pensa, como ela, que a vida seja algo mais do que conforto, prazer e liberdade pra transar com quem quisermos e quando quisermos", conclui Pondé. Joseph Ratzinger é um dos maiores teólogos vivos do cristianismo. Como papa Bento XVI, fracassou. Conservador, um tanto liberal no começo de sua carreira, Bento XVI iniciou seu papado com um projeto, já em curso quando era a eminência parda intelectual de João Paulo II, de pôr "medida" na herança do Concílio Vaticano II, verdadeira "revolução liberal" na Igreja Católica. Já nos anos 80 atacava a teologia da libertação latino-americana por considerá-la certa quanto ao carisma profético bíblico de procurar justiça no mundo, mas errada quanto a assumir o marxismo como ferramenta de realização desta justiça. Foi um duro crítico da ideia de que a igreja deva aceitar soluções modernas para problemas modernos. Nesse sentido, apesar de ter resistido bravamente, com a idade e a fraqueza que esta implica, acabou por ser um papa acuado pelas demandas modernas feitas à igreja e por uma incapacidade de pôr em marcha sua "infantaria", que nunca aceitou plenamente seu perfil de intelectual alemão eurocêntrico. Sua ideia de igreja é a de um pequeno grupo coeso de crentes, fiéis ao magistério da igreja (conjunto de normas para condução moral da vida), distante das "modas moderninhas". Quais seriam algumas dessas demandas modernas? Diálogo simétrico com outros credos (multiculturalismo), casamento gay, divórcio, sacerdócio das mulheres, fim do celibato, uso de contraceptivos, aborto, punição pública de padres pedófilos (a igreja deveria passar esses padres para a Justiça comum), aceitação de avanços da medicina pré-natal como identificação de fetos sem cérebro e consequente aborto, alinhamento político do clero com causas sociais e políticas do terceiro mundo - enfim, desafios típicos do contemporâneo. Bento XVI esbarrou com o fato de que a maior parte dos católicos militantes hoje é de países pobres (afora o caso dos EUA, o cristianismo é uma religião de país pobre). Os fiéis, portanto, estão mais próximos de um discurso contaminado pelas teorias políticas de esquerda, que fala de justiça social como um direito "divino" e aproxima Jesus de Che Guevara, do que da complicada discussão acerca dos excessos do iluminismo racionalista ou da crítica bíblica que tende a humanizar Cristo excessivamente em detrimento de sua divindade. Seu próprio clero (sua "infantaria") ajudou no fracasso de seu papado, resistindo sistematicamente à "romanização da igreja", o que em jargão técnico significa centralização das decisões relativas ao cotidiano da instituição na lenta burocracia do Vaticano, com sua típica alienação europeia, distante do "caos" do mundo real do Terceiro Mundo. O Vaticano é muito europeu, inclusive em sua decadência como referência para o mundo no século XXI. Mas há dimensões que transcendem as dificuldades específicas de seu projeto conservador e tocam dificuldades da Igreja Católica contemporânea como um todo. A igreja hoje tem um sério problema de formação de quadros. Antes era "um bom negócio" entrar para a igreja; hoje, quem o faz, salvo casos de grande vocação mística e espiritual ou de revolta contra as ditas "injustiças sociais", é muitas vezes gente sem muita opção de vida. Quando não, tal como é visto por parte da população secular, gente com desvios sexuais graves. Os cursos de formação do clero, quando não totalmente contaminados pelos próprios teóricos que João Paulo II chamava em sua encíclica "Fides et Ratio" ("Fé e Razão") de "pensadores da suspeita" contra a fé e a razão (Marx, Nietzsche, Freud, Foucault), são fracos, com professores mal formados e conteúdos vazios. Claro que existem exceções, que, como sempre, em sendo exceções, confirmam a regra. Enfim, o papado de Bento XVI fracassou, em grande parte, em razão do fogo amigo: sua própria infantaria. A Igreja Católica agoniza diante de um mundo que cada vez é mais opaco para quem pensa, como ela, que a vida seja algo mais do que conforto, prazer e liberdade pra transar com quem quisermos e quando quisermos. Quarta, 13 de fevereiro de 2013 O cardeal Angelo Scola contra os sul-americanos A direção de Ratzinger foi precisa. Dar duas semanas de tempo antes da sua saída de cena para que o catolicismo mundial possa absorver a grande novidade e deixar, a partir o dia 1º de março, uma dezena de dias à disposição dos cardeais-eleitores para que, em Roma, troquem-se ideias para identificar a plataforma programática do próximo pontificado. "Identidade e tradição" era a palavra-chave do núcleo conservador ibérico e latino-americano, que em 2005 levou à vitória o cardeal Ratzinger. A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. A nova eleição ocorre em um momento de notáveis disparidades nas análises dos "príncipes da Igreja", que se reunirão na Capela Sistina. De um lado, há um grande grupo que teme o "tsunami da secularização", e, de outro, há uma fileira ainda dificilmente quantificável, que sente a necessidade de uma nova relação com o mundo contemporâneo e a urgência de reformas na organização e no modo de proceder da Igreja. No meio, como sempre, uma área que ainda busca se orientar. Nomes de papáveis já circulavam no ano passado, enquanto se aprofundava a crise do pontificado, mas a decisão do Papa Ratzinger surpreendeu a todos e força agora os grupos de pressão ou de "proposta" a acelerar a tessitura dos contatos necessários para levar um candidato. Os cardeais italianos representam ainda um forte componente do conclave, e certamente a figura de referência – não de hoje – é a do arcebispo de Milão, cardeal Angelo Scola. É conhecido como ótimo organizador, homem de cultura, atento aos problemas sociais (é forte o seu compromisso com as famílias pobres das dioceses) e comprometido com o diálogo com o Islã e as culturas asiáticas. No entanto, é bastante forte entre os cardeais "estrangeiros" a intenção de prosseguir a internacionalização do papado. E, portanto, depois do polonês Wojtyla e do alemão Ratzinger, abre espaço a hipótese de levar em consideração um papa não europeu. Na primeira fila – segundo essa perspectiva – está o cardeal canadense Marc Ouellet, de 68 anos, prefeito da Congregação para os Bispos. Ele tem muitas cartas a seu favor: conhece a máquina da Cúria, conhece os problemas das dioceses do mundo, teve uma experiência pastoral importante como arcebispo do Quebec e trabalhou várias vezes na América Latina, continente-chave do catolicismo mundial. Da América Latina, que hospeda quase a metade dos católicos do globo, outros candidatos estão destinados a emergir nas próximas semanas, porque ainda no conclave de 2005 o único concorrente de destaque do cardeal Ratzinger era justamente um latino-americano: o argentino Jorge Maria Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, personalidade dotada de uma forte espiritualidade, mas também moderadamente disponível para realizar reformas. Mesmo nesta vigília o seu nome aparece. Mas há também outros dois papáveis da América do Sul. O hondurenho Oscar Maradiaga, dinâmico presidente da Caritas Internationalis, homem de notável carisma humano e de grande abertura para os problemas sociais, é há anos o ídolo daqueles que gostariam de um pontífice próximo dos problemas dos católicos do dia a dia, mas o fato de o seu nome concorrer há anos nem sempre ajuda no Vaticano. Outro possível forasteiro é o brasileiro João Braz de Avis, atual prefeito da Congregação para os Religiosos, uma personalidade humilde, com um forte caráter pastoral, que fisicamente, por imediaticidade e simplicidade, lembra o Papa João XXIII. Mas, no entanto, este será um conclave das surpresas. Tudo ainda está muito fluido. Ao contrário de 2005, não há um "candidato forte", na primeira posição, que já goze de um bom pacote de consensos, a priori, como aconteceu com o cardeal Ratzinger. Mas, diferentemente dos conclaves de 1978 (que elegeram João Paulo I e o Papa Wojtyla), também não se desenvolveu nestes anos um debate aberto sobre os problemas da Igreja. Por isso, com relação a muitos candidatos ou aspirantes papáveis, não é fácil adivinhar até que ponto eles estão dispostos a reformas. Os jogos estão realmente em aberto. Pode despontar um húngaro como o cardeal Peter Erdő, presidente dos episcopados católicos europeus, ou o norte-americano Seán O'Malley, o frei capuchinho que limpou a diocese de Boston depois do escândalo dos abusos sexuais. Mas a verdadeira surpresa seria o "papa negro": o cardeal ganense Peter Turkson, favorito segundo as casas de apostas britânicas. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 ''Voltar ao Concílio, bússola para a Igreja do futuro'', afirma Bento XVI "A mídia oferecem uma imagem distorcida do Concílio. Agora, é necessária uma leitura do espírito do Vaticano II", afirmou Bento XVI no seu último encontro com os padres de Roma. A reportagem é do sítio Vatican Insider, 14-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O papa contou no encontro com o clero romano na Sala Paulo VI o seu Concílio como jovem perito e adentrou na interpretação do seu significado, indicando-o como ponto de referência para retomar o tema da renovação da Igreja. Antes da sua intervenção após as palavras do cardeal vigário Agostino Vallini, o papa disse aos sacerdotes de Roma: "Obrigado a vocês, obrigado pelo seu afeto. Retiro-me, mas eu próximo de vocês". Não foi, portanto, uma catequese, mas sim um testemunho humano e espiritual da cotidianidade do Concílio. O jovem padre e teólogo Ratziger que vai a Roma para fazer uma experiência da universalidade da Igreja, colabora com o cardeal Frings em contato com os 2.500 bispos presentes em Roma, na dimensão universal do cristianismo. Depois, lembrou a emoção de poder conhecer e falar com grandes teólogos como De Lubac e Daniélou. No Concílio, disse o papa, ''todos acreditávamos que se devia prosseguir na renovação, um novo Pentecostes" para a Igreja. E, com efeito, os seus frutos levaram a afirmar que "nós somos a Igreja, todos juntos, não uma estrutura. Mas nós, cristãos, somos o corpo da Igreja". O pontífice recordou, depois, as discussões sobre o conceito de "colegialidade" na Igreja, afirmando que, nos trabalhos conciliares, houve, talvez, sobre esse tema "uma discussão exagerada, talvez furiosa". Mas, esclareceu, "não se tratou de uma luta de poder, mas sim uma busca de completude no corpo da Igreja", afirmando que os bispos são um "elemento portante da Igreja". Há ainda "muito a fazer para chegar a uma leitura das Sagradas Escrituras no espírito do Concílio, ela ainda não está completa", acrescentou Bento XVI na sua longa lectio, citando o seu livro sobre Jesus. Referências importantes à liturgia (Sacrosanctum Concilium), à Igreja (Lumen Gentium) e à Palavra de Deus revelada ao ser humano (Dei Verbum), fundamento de uma reflexão que uniu a mensagem de salvação de Cristo morto e ressuscitado, a longa tradição da Igreja e a história da Igreja na história da humanidade. Com Gaudium et Spes, Dignitatis Humanae e Nostra Aetate, compõe-se uma grande trilogia de documentos do Vaticano II, disse o Papa Ratzinger. Eles deram um impulso importante para definir o diálogo na diferença e na diversidade como momento fundamental para o desenvolvimento do ser humano, na confirmação da fé da unicidade de Cristo. No diálogo, porém, compreende-se como é necessário sempre um espírito de diálogo, porque em toda experiência religiosa há uma luz que ilumina todo ser humano. Finalmente, uma crítica aos meios de comunicação, que, nos anos 1960, relataram um Concílio Vaticano II "virtual", focando a atenção na "soberania popular". Uma interpretação que deu passagem a "tantas calamidades, tantos problemas, tantas misérias: seminários fechados, conventos fechados, liturgia banalizada". Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Papa cita hipocrisia religiosa e desfiguração da Igreja Em sua primeira aparição pública depois de anunciar que vai deixar o cargo no próximo dia 28, o papa Bento XVI citou, na quarta-feira (13), a "hipocrisia religiosa", afirmando que "a divisão do clero" e "a falta de unidade" estão "desfigurando a Igreja". Bento XVI falou, pela manhã, durante a audiência geral no Vaticano e, à tarde, na missa de quarta-Feira de cinzas - a última que celebrou na Basílica de São Pedro. Na audiência, ele disse que sua renúncia - a primeira de um papa em 600 anos - foi para o "bem da Igreja". Mais tarde, na homilia, diante de cardeais, o pontífice citou os que estariam "instrumentalizando Deus" para a obtenção de "prestígio pessoal e poder". A reportagem é de Jamil Chade e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-02-2013. Em sua edição de quarta-feira (13), o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a renúncia de Bento XVI estaria relacionada não apenas à sua suposta fragilidade física, mas à disputa de poder dentro da Igreja - que seria liderada por Tarcisio Bertone, o número 2 do Vaticano -, que o deixou isolado. Para frear um governo paralelo, Bento XVI optou por desfazer seu pontificado e convocar novas eleições. Na quarta-feira (13), Bento XVI deu indicações de que a divisão da Igreja pesou em sua decisão. O clima na Basílica de São Pedro durante a missa não foi de festa. Ao chegar ao altar construído sobre o túmulo do apóstolo Pedro, a monumental construção parecia diminuir ainda mais o já fragilizado papa. Mas bastou ele dar sua mensagem para que sua voz frágil mandasse um dos recados mais fortes que já ecoaram nos últimos anos nos afrescos e pilares de dimensões desproporcionais da basílica. Seu alvo foi o grupo de cardeais que provoca discórdia dentro da Igreja Católica e teria provocado uma guerra interna. "O rosto da Igreja às vezes é desfigurado", disse o papa. "Penso em particular nos pecados contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial." O pontífice afirmou que ela deve superar "individualismos e rivalidades", especialmente no tempo da Quaresma - período de 40 dias antes da Páscoa em que os cristãos intensificam a oração, a esmola e o jejum. Durante sua homilia, o papa citou texto do apóstolo Paulo no qual diz "Eis o momento favorável, o dia da salvação" e o aplicou ao momento atual, em que há uma urgência de mudanças "que não admitem ausências ou inércias", pois a unidade da Igreja está ameaçada. Trata-se de uma ocasião única e irrepetível para a reconciliação, disse o papa, de modo que é necessário que os cristãos retornem a Deus "com todo o coração". Bento XVI completou a crítica à desunião na Igreja, à busca pelo poder e à instrumentalização da fé recordando que, no texto bíblico, Jesus denuncia a "hipocrisia religiosa, o comportamento que quer aparecer, as relações que buscam o aplauso e a aprovação". Em vez disso, o verdadeiro cristão "não serve a si mesmo ou ao público, mas ao seu Senhor, na simplicidade e na generosidade". Não distante dele estavam dezenas de cardeais, bispos e membros do corpo diplomático que não disfarçavam o mal-estar. Ao terminar a missa, muitos deles se recusaram a falar com a imprensa, visivelmente abatidos. O cardeal Giovanni Lajolo, presidente emérito da Pontifícia Comissão para a Cidade-Estado do Vaticano, admitiu ao jornal O Estado de S. Paulo que a mensagem de Bento XVI foi surpreendente: "Ficamos sem palavras. Ele mostrou uma profunda intimidade com Deus", declarou o italiano, que participará do próximo conclave - marcado para ocorrer a partir do dia 15 de março. Já o cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que recebeu a mensagem de unidade na Igreja proferida pelo papa "com o coração aberto". Poder mundano? Antes, pela manhã, Bento XVI deu a primeira parte de seu recado, na audiência pública que realizou com grupos de todo o mundo. "Não é o poder mundano que salva o mundo, mas o poder da cruz, da humildade e do amor", declarou. A mensagem, voltada a todos os cristãos do mundo, no atual contexto pareceu ser mais destinada àqueles que pretendem fazer da Igreja um lugar de "poder mundano". Referindo-se às ambições de poder de todo ser humano, o papa fez uma analogia com as tentações que Cristo sofreu durante 40 dias no deserto, segundo o relato bíblico. Ele recordou que Jesus encontrou serenidade e um lugar de "silêncio e de pobreza". Em mais uma possível referência ao materialismo na Igreja, Bento XVI criticou a instrumentalização de Deus, dizendo que todo cristão deve "superar a tentação de submeter Deus a si e ao próprio interesse". Bento XVI procurou justificar aos fiéis os motivos de sua saída - desta vez falando em italiano e não em latim, como havia feito na reunião com cardeais na segunda-feira. "Fiz isso com plena liberdade, para o bem da Igreja, depois de ter rezado por muito tempo e de ter examinada diante de Deus a minha consciência", explicou. "O que é que verdadeiramente conta na minha vida?", questionou o papa renunciante. Referindo-se, na verdade, à vida de todo cristão, mas numa clara alusão também à sua decisão pessoal de abandonar o papado, declarou: "Quando se vai ao essencial, é mais fácil de encontrar Deus". Homilia de Bento XVI na Missa de Quarta-feira de Cinzas -13/02/13 Boletim Sala de Imprensa da Santa Sé Venerados Irmãos, Caros irmãos e irmãs! Hoje, Quarta-feira de Cinzas, iniciamos um novo caminho quaresmal, um caminho que se estende por quarenta dias e nos conduz à alegria da Páscoa do Senhor, à vitória da Vida sobre a morte. Seguindo a antiquíssima tradição romana da stationes quaresimais, nos reunimos hoje para a Celebração da Eucaristia. Tal tradição prevê que a primeira statio tenha acontecido na Basílica de Santa Sabina na colina Aventino. As circunstâncias sugeriram reunir-se na Basílica Vaticana. Somos numerosos reunidos ao redor do Túmulo do Apóstolo Pedro também para pedir sua intercessão para o caminho da Igreja neste momento particular, renovando nossa fé no Pastor Supremo, Cristo Senhor. Para mim é uma ocasião propícia para agradecer a todos, especialmente aos fiéis da Diocese de Roma, neste momento em que estou para concluir o ministério petrino, e para pedir especial lembrança na oração. As leituras que foram proclamadas nos oferecem ideias que, com a graça de Deus, são chamados a se tornarem atitudes e comportamentos concretos nesta Quaresma. A Igreja nos repropõe, antes de tudo, o forte chamado que o profeta Joel dirige ao povo de Israel: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos” (2,12). Sublinhamos a expressão “com todo o coração”, que significa do centro de nossos pensamentos e sentimentos, das raízes das nossas decisões, escolhas e ações, com um gesto de total e radical liberdade. Mas é possível este retorno a Deus? Sim, porque há uma força que não mora em nosso coração, mas que nasce do coração do próprio Deus. É a força da sua misericórdia. Diz ainda o profeta: “Voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo” (v.13). O retorno ao Senhor é possível como 'graça', porque é obra de Deus e fruto da fé que nós depositamos na sua misericórdia. Este retornar a Deus torna-se realidade concreta na nossa vida somente quando a graça do Senhor penetra no íntimo e o toca doando-nos a força de “rasgar o coração”. É ainda o profeta a fazer ressoar da parte de Deus estas palavras: “Rasgai o coração, e não as vestes” (v.13). Com efeito, também em nossos dias, muitos estão prontos a “rasgar as vestes” diante de escândalos e injustiças – naturalmente cometidos por outros -, mas poucos parecem disponíveis a agir sobre o próprio “coração”, sobre a própria consciência e sobre as próprias intenções, deixando que o Senhor transforme, renove e converta. Aquele “voltai para mim com todo o vosso coração”, é ainda um apelo que envolve não só o particular, mas a comunidade. Ouvimos na primeira Leitura: “Tocai trombeta em Sião, prescrevei o jejum sagrado, convocai a assembleia; congregai o povo, realizai cerimônias de culto, reuni anciãos, ajuntai crianças e lactentes; deixe o esposo seu aposento, e a esposa, seu leito” (vv.15-16). A dimensão comunitária é um elemento essencial na fé e na vida cristã. Cristo veio “para reunir os filhos de Deus dispersos” (cfr Jo 11,52). O “Nós” da Igreja é a comunidade na qual Jesus nos reúne juntos (cfr Jo 12,32): a fé é necessariamente eclesial. E isto é importante recordá-lo e vivê-lo neste Tempo da Quaresma: cada um esteja consciente de que o caminho penitencial não se percorre sozinho, mas junto com tantos irmãos e irmãs, na Igreja. O profeta, enfim, se detém sobre a oração dos sacerdotes, os quais, com lágrimas nos olhos, se dirigem a Deus dizendo: “Não deixes que esta tua herança sofra infâmia e que as nações a dominem. Por que se haveria de dizer entre os povos: 'Onde está o Deus deles?'” (v.17). Esta oração nos faz refletir sobre a importância do testemunho de fé e de vida cristã de cada um de nós e das nossas comunidades para manifestar a face da Igreja e como esta face seja, muitas vezes, deturpada. Penso especialmente nas culpas contra a unidade da Igreja, nas divisões no corpo eclesial. Viver a Quaresma em uma mais intensa e evidente comunhão eclesial, superando individualismos e rivalidade, é um sinal humilde e precioso para aqueles que estão distantes da fé ou indiferentes. "É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação!” (2 Cor 6,2). As palavras do apóstolo Paulo aos cristãos de Corinto ressoam também para nós com uma urgência que não admite ausências ou omissões. O termo “agora” repetido várias vezes diz que este momento não pode ser desperdiçado, ele é oferecido a nós como uma oportunidade única e irrepetível. E o olhar do Apóstolo se concentra sobre a partilha com a qual Cristo quis caracterizar sua existência, assumindo todo o humano até carregar o pecado dos homens. A frase de São Paulo é muito forte: Deus “o fez pecado por nós”. Jesus, o inocente, o Santo, “Aquele que não cometeu pecado”(2 Cor 5,21), carregou o peso do pecado partilhando com a humanidade o êxito da morte, e da morte de cruz. A reconciliação que nos é oferecida teve um preço altíssimo, o da cruz elevada sobre o Gólgota, sobre a qual foi pendurado o Filho de Deus feito homem. Nesta imersão de Deus no sofrimento humano e no abismo do mal está a raiz da nossa justificação. O “voltar a Deus de todo o coração” no nosso caminho quaresmal passa através da Cruz, o seguir Cristo sobre a estrada que conduz ao Calvário, ao dom total de si. É um caminho no qual se aprende cada dia a sair sempre mais do nosso egoísmo e dos nossos fechamentos, para dar espaço a Deus que abre e transforma o coração. E São Paulo recorda como o anúncio da Cruz ressoa em nós graças a pregação da Palavra, da qual o próprio Apóstolo é embaixador; um chamado para nós para que este caminho quaresmal seja caracterizado por uma escuta mais atenta e assídua da Palavra de Deus, luz que ilumina nossos passos. Na página do Evangelho de Mateus, que pertence ao assim chamado Discurso da montanha, Jesus faz referência a três práticas fundamentais previstas pela Lei Mosaica: a esmola, a oração e jejum: são também indicações tradicionais no caminho quaresmal para responder ao convite de “voltar a Deus como todo o coração”. Mas Jesus destaca que seja a qualidade e a verdade da relação com Deus o que qualifica a autenticidade de cada gesto religioso. Por isso, Ele denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que quer aparecer, as atitudes que buscam o aplauso e a aprovação. O verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao “público”, mas ao seu Senhor, na simplicidade e na generosidade: “E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa” (Mt 6,4.6.18). O nosso testemunho então será sempre mais incisivo quando menos buscarmos nossa glória e formos conscientes que a recompensa do justo é o próprio Deus, o ser unido a Ele, aqui, no caminho da fé, e, ao término da vida, na paz e na luz do encontro face a face com Ele para sempre (cfr 1 Cor 13,12). Queridos irmãos e irmãs, iniciemos confiantes e alegres o itinerário quaresmal. Ressoe forte em nós o convite à conversão, a “voltar para Deus com todo o coração”, acolhendo a sua graça que nos faz homens novos, com aquela surpreendente novidade que é participação à vida do próprio Jesus. Nenhum de nós, portanto, seja surdo a este apelo, que nos é dirigido também no austero rito, tão simples e ao mesmo tempo tão sugestivo, da imposição das cinzas, que daqui a pouco realizaremos. Nos acompanhe neste tempo a Virgem Maria, Mãe da Igreja e modelo de todo autêntico discípulo do Senhor. Amém! Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Tudo aquilo que ainda se gostaria de saber sobre a renúncia de Bento XVI Um Papa que renuncia é um evento que não acontece todos os dias, de fato, para ser mais preciso, não acontecia há 600 anos. Ainda são muitas, portanto, as curiosidades e perguntas que animam a imprensa e as pessoas comuns. No briefing de hoje com os jornalistas, no qual se apresentou o calendáro dos últimos eventos do Pontificado de Bento XVI, padre Federico Lombardi respondeu a várias questões sobre o que acontecerá antes e depois do fatídico 28 de fevereiro. De particular importância são as informações fornecidas pelo porta-voz vaticano sobre o início do Conclave. De acordo com o previsto pela Constituição – explicou – a partir do começo da sede vacante abre-se espaço para as congregações dos cardeais. A reportagem é de Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 13-02-2013. Esses momentos serão muito importantes, mas também delicados, durante os quais, além das várias obrigações legais, se prevém conversações e intercâmbios entre cardeais sobre os problemas a serem resolvidos e a situação da Igreja, “de modo a amadurecer também para os membros do colégio, critérios e informações uteis sobre as eleições”. "Há um trabalho que não leva às eleições rapidamente – sublinhou Lombardi – um discernimento que deve ser feito pelo colégio que chega até os dias chaves do conclave e eleição com uma preparação”. Por isso, a normativa prevê que o começo do conclave tenha que ser estabelecido entre 15 e 20 dias desde o começo da sede vacante. Portanto – continuou o diretor da Sala de Imprensa vaticana – “se tudo correr normalmente, espera-se que o conclave possa começar entre o 15 e o 19 de Março", embora se ainda "não seja possível dar uma data exata porque são os cardeais que estabelecerão exatamente o calendário”. Com relação às perguntas do nome e da vestimenta de Bento XVI depois do 28 de fevereiro, padre Lombardi declarou que, "ainda que essas questões possam parecer secundárias e formais”, exigem “importantes aspectos de caráter jurídico e implicações sobre as quais refletir, nas quais o Papa mesmo está envolvido”. Portanto, atualmente, não existem informações confiáveis. Não haverá também um momento especialmente significativo ou juridicamente relevante que identificará o final do Pontificado do Papa Ratzinger. As normas do código de direito canônico – explicou Lombardi – prevém a opção de que o Papa possa renunciar ao seu ministério, com a condição de que a decisão seja “tomada livremente e manifestada devidamente”. "Isso o Papa fez - disse ele -. Então, não há nada mais a ser feito, a renúncia é válida na sua forma, dado que segunda-feira foi feita em latim, assinada pelo Papa e pronunciada na frente dos cardeais”. Os mesmos cardeais que, diante das palavras do Papa mostraram vivamente a sua admiração, Sua Eminência Sodano em primeiro lugar... Mas agora, depois de três dias do shock inicial da notícia, qual é o espírito que paira no vaticano? A questão é curiosa e Pe. Lombardi responde que “para muitos o estado de ânimo fundamental ainda é de surpresa, e portanto de reflexão sobre o significado que esta decisão comporta para a Igreja e para a Cúria romana que está envolvida”. "De minha parte - acrescentou - tenho um sentimento de grande admiração por esta decisão livre, humilde, responsável, lúcida do Santo Padre, com as motivações claríssimas que o levou à avaliação das suas forças que diminuem e do bem da Igreja”. "Todos nós o vimos tornar-se mais frágil – continuou – ainda que esta avaliação competia só à ele avaliar a gravidade ou seriedade. Estou admirado pelo fato de que o Papa tenha feito este exame tendo vivido plenamente o seu ministério até hoje, e é admirável que ele analise “Cumpri o meu ministério até hoje, agora para que seja levado adiante adequadamente no mundo atual, precisa-se de mais forças”. A renúncia de um Papa ao seu próprio ministério, reiterou o porta-voz da Santa Sé, “não foi inventada por Bento XVI”, ele “somente a colocou em prática, mostrando uma grande coragem para utilizá-la primeiro desta forma, com um espírito de fé e de amor à Igreja”. E justamente por causa desta forte ligação com a Igreja e pela grande discrição e sabedoria que desde sempre caracteriza a sua personalidade, Bento XVI, apesar de que a partir do 1 º de março estará livre para mover-se dentro do Estado da Cidade do Vaticano, irá abster-se de toda forma de comunicação ou interferência. Tanto a nível pessoal com os cardeais ou outros homens da Cúria, para deixar claro a sua plena liberdade e autonomia (isso justifica também a escolha de ir por um tempo para Castel Gandolfo). Seja a nível público, evitando declarações que poderiam “dar origem a um sentido de interferência ou de tomadas de posição influenciantes”. Porém, destacou Lombardi, “se trata-se de escrever um texto teológico espiritual, alimento útil para o Povo de Deus, é bem possível que isso aconteça”. Por este motivo, o padre Lombardi disse, "não há nenhuma preocupação por parte do colégio cardenalício de que o Papa continue a residir no Vaticano”. Na verdade, “é uma sábia decisão permanecer dentro dos muros vaticanos, com a sua possibilidade de estudar e rezar. E também os cardeais estarão felizes de ter muito próximo uma pessoa que mais do que todas pode compreender quais são as necessidades espirituais da Igreja e do sucessor de Pedro”. Entre as curiosidades também está o destino de monsenhor Georg Gaenswein. Continuará Prefeito na sede vacante ou irá com o Papa como secretário? "Eu acho que essas questões precisam ser respondidas por Dom Georg", disse Pe. Lombardi. É certo que a tarefa de Prefeito da Casa Pontifícia não decai, e sobre o papel de secretário pessoal Lombardi assegurou: "Se eu conheço o estilo do Santo Padre, eu não acho que ele queira recorrer, no seu retiro no mosteiro, a um bispo como secretário pessoal”. Importante, também, a notícia de uma possível nomeação nos próximos dias, do novo presidente do IOR, dado que o processo "vinha acontecendo há algum tempo, e não foi interrompido porque o Papa anunciou a sua renúncia". A última questão foi resolvida no final do briefing: "Se um dia Joseph Ratzinger como ex Papa discordasse de uma escolha do seu sucessor, quem teria razão?" Perguntam os jornalistas. O porta-voz respondeu simplesmente: "O Papa é o Papa, e como a teologia o ensina existem condições para a assistência do Espírito Santo. Condições raras que estão ligadas ao ministério petrino, ao serviço como Papa.” Portanto, "a pessoa que renunciou esse ministério não tem este título de assistência especial, de guia da Igreja universal, e portanto o problema não se coloca”. NOTÍCIAS » Notícias Quinta, 14 de fevereiro de 2013 'Renúncia irritou ala conservadora da Igreja', constata vaticanista A decisão de Bento XVI de renunciar foi um gesto de "realpolitik", pragmático. A avaliação é de um dos principais vaticanistas, o italiano Marco Politi, que acaba de publicar um livro sobre o pontificado de Bento XVI. Em entrevista, Politi apontou que, no fundo, a demissão de Bento XVI foi sua "única grande reforma" nos oito anos de seu pontificado. Mas uma iniciativa que ficará para a história e fará muitos pensarem sobre o futuro da Igreja. A entrevista é de Jamil Chade e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 14-02-2013. Segundo o especialista, a ala mais conservadora da Igreja teria ficado irritadíssima com Bento XVI por conta de sua renúncia, temendo uma "desmistificação" do cargo de papa a partir de agora. Como foi a reação dentro do Vaticano diante da renúncia? Os conservadores temem a decisão. O temor é de que isso possa causar uma desmistificação do papel do papa. E que, no futuro, um papa possa ser colocado sob pressão para se demitir em determinadas situações. Mas a decisão foi muito lúcida e muito bem planificada. Foi um gesto revolucionário - a única grande reforma de seu pontificado, um exemplo e um estímulo à reflexão. Na Alemanha, há cardeais que já falam abertamente de que seria justo colocar um limite de idade para o papa. Bento XVI completou a reforma de João Paulo II, estabelecendo idades para cardeais e sua participação no conclave. Agora, mandou a mensagem de que um papa pode, sim, renunciar. Nos tempos modernos, não se pode permitir um papa doente. Fala-se muito de que a renúncia foi um ato político. Como o sr. avalia isso? Foi um gesto de realpolitik e de reconhecimento da incapacidade sua de cuidar da Igreja, pois não basta ser um intelectual ou teólogo. Para guiar a instituição de 1 bilhão de fiéis, ele precisava de um pulso de governador. Há o risco de que católicos no mundo não entendam essa decisão de Bento XVI? Acho que a massa dos fiéis entendeu. Muitos ficaram surpresos e, no começo, desorientados. Mas não houve uma oposição ou mau humor. Na Praça São Pedro, não vimos nenhum grupo pedindo que ele fique. Entenderam que foi justamente uma troca de governo. O papa foi muito pragmático. Quais são as perspectivas para o conclave, diante dessa situação inédita? Dentro do conclave, todas as cartas estão embaralhadas. Será um conclave muito complicado. Em 2005, havia um grupo forte de apoio e de mobilização pela candidatura de Ratzinger. Mas ele era o único ator mais forte. O cardeal Martini seria uma opção, mas estava doente. Hoje, temos vários candidatos. Mas nenhum deles tem um pacote de votos claro. O vencedor será um candidato de centro. Não poderá ser alguém de continuidade de Ratzinger. Mas não sabemos se essa pessoa está disposta a fazer as reformas que a Igreja precisa para enfrentar seus desafios. Quais são esses desafios? O primeiro é a crise de padres. Não há padres para todas as paróquias. Outro é o papel das mulheres dentro da Vaticano. Há ainda o tema da sensualidade no mundo moderno, o homossexualismo, o divórcio. Finalmente, há a questão do papel do papa. Um papa do mundo em desenvolvimento estaria sendo considerado? A primeira questão é se haverá um papa italiano ou não. Os 29 cardeais italianos no conclave estão sobrerrepresentados. Mas isso não quer dizer que todos eles queiram um italiano. Há divisões. No passado, eram os estrangeiros que pediam para que o papa fosse um italiano. Mas há a impressão depois que os escândalos de corrupção foram revelados de que muitos querem que a internacionalização do papado continue. Ele poderá vir da América do Norte ou Sul. Eu dou menos chances aos africanos. Na América Latina existem vários candidatos. Mas há que ver se haverá um mais forte que concentre a atenção. Em 2005, no conclave, os latino-americanos fecharam um acordo de que apoiariam um nome da região se um cardeal começasse a se destacar. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Bento XVI, o último papa de Nietzsche. Artigo de Marco Vannini O verdadeiro drama do papa diz respeito a uma coisa realmente essencial: uma fé que perdeu os seus fundamentos históricos. A opinião é de Marco Vannini, um dos maiores estudiosos italianos de mística especulativa. Em português, foi traduzida a sua Introdução à mística (Edições Loyola, 2005). O artigo foi publicado no jornal Il Manifesto, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. A renúncia de Bento XVI surpreendeu a todos por ser inesperada. Devo dizer, porém, que eu não me abalei muito, porque eu a vi naquela que eu acredito que seja a sua realidade mais simples e verdadeira, isto é, como a renúncia a um cargo que se tornou pesado demais pelo peso da idade e das condições de saúde precárias. Vendo na TV o rosto do papa enquanto ele lia no consistório o anúncio da renúncia, percebi os sinais da velhice, do cansaço, por parte de um homem que provavelmente – que Deus não o queira e o conserve em vida ad multos annos! – se sente próximo do fim. Vendo, ao contrário, aquelas que podem ser razões diferentes dessa renúncia, relativas a problemas do seu próprio cargo, e portanto inerentes aos problemas da Igreja Católica neste momento histórico, digo com igual franqueza que as considerações dos vaticanistas ou dos opinadores do setor parecem-me inapropriadas e redutivas. Talvez não sejam equivocadas, no sentido de que elas provavelmente também desempenharam um papel no fato de fazer com que o papa sinta todo o peso do seu ofício, mas certamente não são essenciais, porque as questões que tornavam pesada para o papa a sua cruz, realmente cruciais, eram e são bem outras. Certamente, as brigas e as intrigas curiais são cansativas, mas não são novas, ao contrário, sempre estiveram presentes. O episódio dos padres pedófilos foi e é penosa para a Igreja destes anos, mas não é uma novidade: padres, bispos, cardeais sodomitas, assim como mulherengos, sempre houve: no romance de Abraham Giudeo e Giannotto di Civigny no Decamerão se defende, paradoxalmente, que a sua presença demonstra que Deus assiste a sua Igreja. Doloroso, mas também destinado a se esgotar em uma temporada, foi o episódio das cartas roubadas pelo secretário-mordomo: certamente não é o evento que afunda um barco que percorreu muitos outros mares e enfrentou muitas outras tempestades. Também outros problemas, mais sérios, como o celibato dos padres ou do sacerdócio feminino, não são novos, nem tais a ponto de sacudir muito uma instituição acostumada a pensar em termos de séculos, senão de milênios. O verdadeiro drama do papa é outro e diz respeito a uma coisa realmente essencial: uma fé que perdeu os seus fundamentos históricos. Lembro que o principal esforço de Bento XVI nestes anos foi a redação de uma vida de Jesus, da qual no Natal passado foi publicado o último volume, dedicado à infância do próprio Jesus. Muito significativamente, a obra foi apresentada como um estudo científico, do qual o autor, justamente, era o professor Joseph Ratzinger, o especialista em história do cristianismo, que dialoga com os doutos, antes mesmo do que o pontífice romano que fala ex cathedra. Eu acredito que um homem culto como o papa, a quem não são desconhecidos os resultados da pesquisa histórica, não pode honestamente acreditar nas histórias bíblicas, mas sabe muito bem que o Gênesis, as histórias dos patriarcas, o Êxodo etc. são invenções. Mais ainda: são construções míticas a história do nascimento de Jesus, a concepção virginal, assim como é lendária boa parte do relato evangélico, inclusive – talvez – a própria ressurreição. Mas o drama não está só nisso, está também no fato de que o papa conhece muito bem a profundidade espiritual do cristianismo, a fé não como crença em um ou mais fatos históricos, mas como experiência do espírito. E, portanto, o verdadeiro drama vem da dificuldade de fazer compreender que a verdade do cristianismo subsiste intacta – ou, melhor, vem realmente à luz – também sem aquelas crenças tradicionais, às quais foi confiada por dois milênios. Fazer com que o cristianismo passe de uma fé ingênua ao conhecimento do espírito no espírito é, na realidade, uma tarefa que requer séculos, provavelmente, e forças muito superiores às de um velho papa. Por isso, a renúncia de Bento XVI fazem vir à mente o "último papa" de que Nietzsche fala profeticamente, na verdade, no seu Zaratustra: aquele velho papa ex-Ausser Dienst, aposentado, justamente, porque o seu Deus, "um Deus escondido, cheio de mistério", está morto. Foi morto por aquele mesmo amor de verdade que fez com que um mestre dissesse: "'Deus é espírito', dando assim o maior passo rumo à incredulidade: não é fácil, de fato, sobre a terra, remediar tal palavra". Mas Bento XVI também conhece outras palavras daquele mestre: "É bom para vocês que eu vá, porque, se eu não for, o espírito não virá até vocês. Ele conduzirá vocês a toda a verdade". Por isso, ele se despediu com dignidade e humildade comoventes, mas também e sobretudo com grande serenidade, fruto de uma fé que não é crença, mas saber. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 ''Bento XVI trouxe o papado a um nível humano''. Entrevista com Zygmunt Bauman Um papa que joga a toalha, como ele mesmo diz, "pelo bem da Igreja". É um gesto totalmente novo que assume o ambicioso objetivo de restituir dignidade moral a uma Igreja em crise. Assim pensa Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês que, desde 1971, vive e leciona na Inglaterra. Bauman tornou-se célebre pela teoria da "sociedade líquida", com a qual explica uma "pós-modernidade" que se tornou cada vez mais presa do consumismo e de uma vida frenética quase desprovida de valores que as instituições em crise já não sabem como manter vivas. A reportagem é de Alberto Guarnieri e Massimo Pedretti, publicada no jornal Il Messaggero, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Professor, a renúncia de Bento XVI também foi lida como o sacrifício de um pontífice intelectual provavelmente derrotado, além de pela idade e pelo mal-estar, pela crise de identidade da Igreja-instituição. O senhor concorda? A realidade da Igreja é uma realidade institucional muito importante, que se diferencia de todas as realidades laicas, pois atua como mediadora entre Deus e homem. Bento XVI, com a escolha de renunciar, trouxe o papado a um nível humano, confessando-se publicamente e admitindo que todo ser humano, até mesmo sendo papa, tem limites. Mas, recuperando individualmente essa humanidade, Joseph Ratzinger não coloca em risco a sacralidade da Igreja e da figura do vigário de Cristo? A grandeza do gesto de Bento XVI também pode ser explicada assim: o homem que é herdeiro de São Pedro decidiu despojar-se da sacralidade do seu ser reconhecendo o conflito, neste caso específico entre o papel e o homem (idoso, fraco, talvez doente). O Papa Wojtyla escolheu o papel; o Papa Ratzinger, na conclusão de uma longa reflexão, escolheu o homem. Muitas das suas teorias referem-se ao ensino da Igreja. Falando de crise da esperança, o senhor destaca a excessiva confiança no progresso tecnológico e os danos que a economia capitalista desprovida de regras provoca. Exato. Muitas vezes nos perguntamos se o humanismo, categoria em que o ensino da Igreja se insere, tem futuro. Eu me pergunto: o futuro tem um humanismo? Se o gesto do papa é uma rendição, o senhor não teme que a crise que o senhor denuncia se agrave? Ser humano significa ter esperança. Os animais sentem o fim antes de nós, mas só por instinto. Se ligássemos a cultura à mortalidade, não teria sentido criar a cultura. A escolha do papa é socrática? Mesmo que fosse, certamente não significaria o fim dos valores da Igreja. O senhor se recusa a definir as suas análises como pessimistas. Onde está a possibilidade de uma mudança? Esperar significa cultivar a solidariedade humana. Instituições e indivíduos estão em crise, é verdade. Deve ser reaberto um diálogo que, passo a passo, reforce a cooperação social, um jogo onde não há vencedores e vencidos, mas sim vantagens para todos. Portanto, o senhor é otimista? Conheço bem o Gramsci de vocês: o otimismo da vontade contra o pessimismo da inteligência. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 E se o papa teve uma crise de fé? Artigo de Gianni Vattimo "O mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a racionalização social que constituíram a força do Ocidente e a sua triunfante agressividade", afirma Gianni Vattimo, filósofo e deputado italiano, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 13-02-2013. E ele alerta: "Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe compete". A tradução é de Moisés Sbardelotto. E se realmente tivessem vencido Flores e Odifreddi, e os tantos cientistas dogmáticos como eles, determinando no pobre Papa Bento XVI uma crise de fé a tal ponto de induzi-lo a renunciar? É uma hipótese, de fato, nada injuriosa e inverossímil: o Papa Ratzinger sempre apoiou com toda a sua força que razão e fé não estão em contraste, e que, portanto, a adesão ao cristianismo se fundamenta naqueles preambula fidei que foram expostos por São Tomás e que, por séculos, foram a base do ensino nos seminários católicos. Pois bem, dada a absoluta imprevisibilidade e gratuidade do seu gesto – certamente o maior e mais nobremente edificante de todo o seu pontificado –, a única explicação que se pode dar a ela, e que ele mesmo forneceu na sua declaração ao consistório de segunda-feira de manhã, é a de um ato de consciência, decidido em homenagem a uma obrigação interior à qual ele não quis se isentar. Diante de todas as motivações práticas, políticas, econômicas (alguém poderia pensar no IOR), ele provavelmente se deu conta de que, na situação da Igreja hoje, a renúncia é a única coisa que um papa pode seriamente fazer, em vez de continuar lutando para isentar o Vaticano do ICI [imposto predial do qual a Igreja está isenta], ou excomungado preservativos, homossexuais, uniões civis. É com o distanciamento de todas as "funcionalidades" terrenas e, portanto, mostrando finalmente a face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho, que o cristianismo pode voltar a ser uma escolha de vida possível para as pessoas do nosso tempo. Se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores, ele abandonaria imediatamente o Vaticano, talvez voltaria para a Palestina para estar próximo dos perseguidos e espoliados de lá, certamente não perderia mais tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana, ou pressionando as autoridades civis de todo o mundo para que, em homenagem à "antropologia bíblica", as leis proíbam a eutanásia, a fecundação heteróloga, a adoção por parte de casais gays e, naturalmente, o aborto e o divórcio. De fato, não é extravagante pensar que essa crise de consciência papal possa ser realmente, ou ao menos legitimamente, interpretada como um evento decisivo nas relações do cristianismo com a "racionalidade ocidental", que por um longo tempo, e com boas razões, já liquidou os preambula fidei, revelando-se aquilo que é: racionalidade calculista do mundo "economicamente" organizado, dos técnicos motivados pelo seu saber "objetivo" e, no fim, da lógica bancária que todos conhecemos e sofremos na nossa pele. Insistir na ideia de que a fé em Jesus Cristo é uma escolha racionalmente motivada significa realmente condenar-se a perecer junto com o Ocidente capitalista, já em decadência. Além disso, o mandamento da caridade de Cristo nunca se sentiu confortável com a economia e com a racionalização social que constituíram a força do Ocidente e a sua triunfante agressividade. Não deixemos que a mensagem de Bento XVI caia nas fofocas ou na conspiração vaticanesca. Levá-la a sério como ela merece também significa colocá-la no horizonte epocal que lhe compete. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Renúncia papal: uma questão de consciência. Artigo de Mary Hunt "Se um papa pode abdicar antes de ser carregado para fora sem que o céu caia sobre nós, então novos modelos igualitários de Igreja também podem e vão emergir". A opinião é da teóloga norte-americana Mary E. Hunt, cofundadora e codiretora da Women's Alliance for Theology, Ethics and Ritual (Water), nos EUA. Também é autora do Cadernos Teologia Pública n. 66, intitulado Discurso feminista sobre o divino em um mundo pós-moderno. O artigo foi publicado no sítio Religion Dispatches, 11-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O inesperado anúncio da renúncia do Papa Bento XVI é uma bem-vinda lufada de ar fresco. Um ser humano, mesmo sendo papa, deve ter a opção de dizer "basta, eu fiz o que pude, e agora é hora de outra pessoa assumir". Eu aplaudo a sua medida e a leio como um sinal de esperança em uma triste cena eclesial. As especulações sobre a saúde são crescentes. Tal como acontece com muitos idosos cujos filhos armam complôs para levar as chaves do carro, eu suspeito que houve algum lobby por trás dos panos para fazer com que essa renúncia acontecesse. Mas eu me atrevo a esperar que, ao menos em parte, esse tenha sido o juízo ponderado de um octogenário que viu o seu antecessor amparado por muito tempo depois do seu auge e não quis o mesmo para si mesmo. Mas antes de olhar para o pano de fundo, há algo na declaração de renúncia de Bento XVI que vale a pena ressaltar: "Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino". A consciência, Bento XVI nos lembra hoje, ainda é primordial para os católicos. Exame de consciência: essa apenas é a fórmula que milhões de nós usamos para explicar por que usamos o controle de natalidade, desfrutamos da nossa sexualidade em uma grande variedade de formas e vemos o enorme bem em outras tradições religiosas. A consciência é o árbitro final, e o papa confiou na sua. Bom para ele e bom para o restante de nós. Houve um monte de falsificações na questão da consciência nas últimas décadas. A hierarquia pós-Vaticano II reivindicou que a consciência é primordial se, e somente se, for formada como convém a eles. Mas o Papa Bento XVI está dando à consciência um novo sopro de vida. O que é bom para um é bom para o outro – o apelo à consciência não pode ser negado agora que o próprio papa recorreu a ele. Outra concessão: só porque um papa não renunciava desde Gregório XII em 1415 não significa que isso não possa ser feito. Nada é para sempre. Muito do que passa como "é assim mesmo" em Roma é realmente apenas costume – como não ordenar mulheres, afirmar que o controle de natalidade é um pecado, considerar o amor entre pessoas do mesmo sexo como moralmente desordenado e afins. Os costumes mudam. Os relações-públicas romanos dizem: "Na plenitude da revelação tal e tal coisa passam a valer agora". Então, o novo emerge como "é assim mesmo", e a vida continua. Espero plenamente que o próximo papa seja do mesmo porte deste, mas não há como frear a sensação de que a pressão para mudar os costumes é simplesmente avassaladora. As notícias do anúncio papal incluem o fato de que muitos dos cardeais no consistório em que Bento XVI silenciosamente deu a notícia não entenderam imediatamente as suas palavras, porque elas foram ditas em latim. Uma rápida tradução em seus iPads certamente retificaria essa situação. Mas é fascinante notar que muitos dos 118 cardeais que vão eleger o seu sucessor não são competentes o suficiente na antiga língua para entender "Quapropter bene conscius ponderis huius actus plena libertate declaro me ministerio Episcopi Romae, Successoris Sancti Petri, mihi per manus Cardinalium die 19 aprilis MMV commissum renuntiare ita ut a die 28 februarii MMXIII, hora 20, sedes Romae, sedes Sancti Petri vacet et Conclave ad eligendum novum Summum Pontificem ab his quibus competit convocandum esse". Tradução rápida: até o fim do mês eu vou cair fora daqui, e vocês precisam eleger uma nova pessoa. Isso realmente desmistifica o processo um pouco. Lição aprendida: o latim é útil, mas saber como apertar o botão de tradução é outra habilidade de que os líderes religiosos precisam. Indo mais direto ao ponto, precisamos de pessoas que possam ouvir e discernir o que significam as palavras que eles não compreendem que vêm de pessoas que eles não conhecem. Em nosso mundo bem conectado, a língua universal não é mais o latim, mas sim a escuta. A novidade desta vez é que os católicos comuns querem uma nova Igreja, não apenas um novo papa. Sabemos que a mudança está no ar, porque nós a colocamos lá. Os católicos progressistas de todo o mundo estão criando novas formas de Igreja, já que a velha está tão completamente desacreditada. Nenhuma instituição pode resistir sem maiores mudanças ao ataque violento de publicidade negativa que o Vaticano recebeu devido aos abusos sexuais do clero e os encobrimentos episcopais. Nenhuma hierarquia, embora fortificada, pode durar para sempre contra os passos cheios de espírito no sentido da igualdade e da justiça. Desta vez, apenas eleger um novo papa não vai ser suficiente. Nem trancar um grupo de eleitores de elite responsáveis por ninguém mais a não ser a si mesmos em um processo eleitoral. O povo católico também tem consciência. Esperamos ter uma palavra a dizer sobre como nos organizamos e governamos a nós mesmos. Não podemos, em consciência, abdicar da nossa autoridade a 118 homens idosos em sua maioria. Esses dias acabaram. Se um papa pode abdicar antes de ser carregado para fora sem que o céu caia sobre nós, então novos modelos igualitários de Igreja também podem e vão emergir. Mesmo que o conhecimento de latim aparentemente não seja mais necessário para a liderança, temos muitas pessoas – mulheres, homens casados, gays e lésbicas, bissexuais e transgêneros abertamente católicos – que estão "prontos e dispostos" a assumir o ministério e a liderança. Eu conheço centenas deles que já estão ativamente envolvidos em comunidades de base, paróquias, comunidades religiosas e grupos de mudança social, fazendo um trabalho maravilhoso vivendo novas formas de ser Igreja. Alguns deles até sabem latim. O que se dá ao papa por ocasião da sua aposentadoria? Tenho certeza que ele tem mais relógios Rolex do que precisa, e os sapatos vermelhos de que ele gosta estão fora da minha faixa de preço. Mas uma nova Igreja seria exatamente a coisa certa para lhe assegurar uma velhice digna. Em vez de simplesmente se retirar silenciosamente para Castel Gandolfo, se a sua saúde lhe permitir, Joseph Ratzinger poderia desfrutar de uma boa cerveja bávara com o restante de nós, como parte de uma Igreja renovada, onde todos e todas são bem-vindos. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 O pastor e o poder. Artigo de Eugenio Scalfari As consequências da secularização e laicização promovidas por Bento XVI em sua renúncia referem-se à distribuição dos poderes dentro da Igreja: paralelamente à diminuição do papel do papa, aumentará a dos concílios e dos sínodos, isto é, das assembleias dos bispos. A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Um ato revolucionário a renúncia do papa. E certamente o é. Isso nunca havia acontecido, salvo com Celestino V, que foi obrigado pelos franceses que depois continuaram exercendo o seu poder sobre Bonifácio VIII até o tapa de Anagni. E salvo um par de papas e de antipapas eleitos por concílios e conclaves medievais contrapostos. O cânone prevê a renúncia, e até mesmo o Papa Ratzinger admitiu a sua possibilidade em um livro-entrevista seu de dois anos atrás; mas uma coisa é dizer, outra é fazer. Portanto, um fato revolucionário. Mas qual é a natureza e quais serão as consequências dessa revolução? A natureza é evidente: a Igreja se laiciza. O papa até agora foi considerado dentro da Igreja e da comunidade dos fiéis como Vigário de Cristo na terra e, de fato, quando fala "ex cathedra" sobre questões de fé a sua palavra é infalível, como decretou o Concílio Vaticano I de 1870. Esse ponto ainda é o obstáculo não superado que impediu a unificação entre católicos e anglicanos, e entre católicos e ortodoxos da Igreja Oriental. Os outros obstáculos estavam em grande parte superados, até os da supremacia do bispo de Roma sobre todos os outros: o primaz da Rússia estava pronto para reconhecer ao bispo de Roma a primazia de "primus inter pares", mas não a de Vigário da Divindade na terra. A renúncia de Bento XVI anula esse obstáculo; o cânone, de fato, põe uma única condição: que o papa tome a sua decisão em plena liberdade, isto é, que não pese sobre ela alguma sombra de pressão e de chantagem. A vontade de Cristo não é nem citada, nem Ratzinger faz menção a ela nas breves palavras com as quais comunicou a sua decisão ao Consistório convocado na manhã dessa segunda-feira para se ocupar de objetos totalmente diferentes. Portanto, diminui a relação direta entre o Chefe da Igreja e o Filho de Deus, e a autoridade do bispo de Roma sobre toda a cristandade não deriva de outra coisa que da eleição em conclave por parte dos cardeais, uma cerimônia totalmente laica, salvo o lugar em que ocorre (a Capela Sistina, que é uma igreja consagrada) e o perfume de incenso e o som dos sinos que acompanham o Veni Creator Spiritus. As consequências dessa secularização e laicização referem-se à distribuição dos poderes dentro da Igreja: paralelamente à diminuição do papel do papa, aumentará a dos concílios e dos sínodos, isto é, das assembleias dos bispos. Esse foi o pedido implícito mas evidente do Vaticano II, mas foi por mais de 30 anos a tese explicitamente defendida pelo cardeal Martini. A Igreja como instituição – disse e escreveu Martini em livros, pregações e diálogos – se fundamenta sobre duas autoridades, a do papa e a dos concílios e dos sínodos. O papa participa de uns e de outros com funções de coordenação e de direção, mas as decisões são tomadas pelos bispos, que são os depositários do legado dos Apóstolos de Jesus. Não se trata de um fenômeno de pouco relevo. Basta considerar que os bispos estão muito mais interessados na pastoralidade do que no poder da hierarquia curial. A hierarquia curial deveria, em teoria, fornecer à pastoralidade os instrumentos e os meios materiais para evangelizar as almas e difundir o credo. A Igreja militante é confiada aos pastores de almas, bispos, párocos, sacerdotes, ordens religiosas. Mas essa é historicamente somente uma parte da realidade. A Igreja-instituição deveria representar a custódia da Igreja militante e pastoral; ao invés, ocorreu o contrário. Por séculos e milênios, a instituição sufocou a pastoralidade e promoveu guerras, inquisições, corrupção, simonia. Não se tratou de episódios, mas sim de uma continuidade histórica, cujo pivô era o poder temporal. Lembram-se das Cruzadas? Lembram-se da Guerra das Investiduras que teve Canossa como etapa essencial? Lembram-se do exílio de Avignon? As alianças, o nepotismo, as dinastias fundadas pelos papas: os Colonna, os Orsini, os Caetani, os Farnese, os Piccolomini, os Borghese, os Della Rovere. E os Borgia? A pastoralidade, no entanto, continuou e espalhou a sua semente larga e preciosamente, e isso foi um verdadeiro milagre. Mas o rosto abrangente da Igreja saiu em grande parte manchado. As suas capacidades de se confrontar com a modernidade foram fortemente reduzidas. Essa situação poderia ter melhorado com o fim do poder temporal propriamente dito, mas não foi assim. A Igreja-instituição manteve a supremacia sobre a Igreja militante e pastoral, recuperando aquele poder através da política e do fascínio do espetáculo. O pontificado do Papa Pacelli foi o cume da temporalidade política, não por acaso precedido pela concordata Pio XI-Mussolini; o espetáculo, ao invés, teve a sua estrela mais brilhante na figura do Papa Wojtyla, enfrentando sofrimentos terríveis, até mesmo a sua agonia e a sua morte. Mas esses milagres (porque foram milagres de inteligência e também de fé e de dor) não resolveram os problemas da Igreja. Evadiram-nos e os deixaram aos sucessores. Esses problemas, com o passar do tempo, se agravaram. Referem-se à recuperação do Sagrado, à dedicação dos fiéis à caridade, à Igreja pobre, à Igreja missionária, à fé na vida, ao contraste entre a liberdade dos modernos e a dogmática dos tradicionalistas. E as centenas de milhares de problemas postos pela bioética, pela psicologia do profundo, pelas desigualdades do mundo. As diferenças não curadas e talvez incuráveis entre a Igreja de Paulo, a de Agostinho, a de Bento, a de Francisco. A nós, não crentes, agradaria muito que o futuro papa e bispo de Roma, em meio a tantas proclamações de santos que não fazem mais milagres (admitindo-se que os do passado os fizeram), propusesse a de Pascal. Seria o verdadeiro sinal de que algo está mudando nos palácios apostólicos. Se tivesse vivido por mais tempo, talvez o Papa João a teria feito. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 ''O papa menos moderno fez a escolha mais moderna possível''. Entrevista com Carl Bernstein "A decisão mais moderna, tomada pelo papa menos moderno das últimas décadas". Essa é a opinião de Carl Bernstein, protagonista do escândalo Watergate juntamente com Bob Woodward, e depois autor com Marco Politi do livro Sua Santidade, dedicado ao pontificado de João Paulo II. "Essa medida, no entanto, oferece à Igreja a grande oportunidade de finalmente se medir com o mundo que muda e custa a se reconhecer nos seus ensinamentos". A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O senhor, juntamente com Woodward, causou a renúncia mais chocante do século passado, do presidente Nixon. Há semelhanças? No episódio, não. Nixon era um criminoso, que foi forçado a deixar a Casa Branca por causa dos crimes cometidos, com os quais havia violado a Constituição. Ratzinger é uma pessoa já fraca demais no plano físico e intelectual, que optou por abandonar o seu cargo. É verdade que um ato desse tipo não ocorria há 700 anos, mas o seu valor histórico dependerá mais do que o conclave irá decidir fazer agora, do que na renúncia em si mesma. Por quê? O conclave anterior não fez um grande serviço à Igreja, aos católicos e ao mundo inteiro. Ele escolheu uma pessoa muito avançada na idade, mas principalmente caracterizada por uma relação difícil com a modernidade. Bento XVI escolheu seguir o rastro traçado por João Paulo II para todas as coisas menos populares e de menor sucesso do pontífice anterior: penso no papel das mulheres na Igreja, ou também no modo como tentou encobrir o problema dos abusos sexuais cometidos pelos sacerdotes. No plano da comunicação, ao invés, esse papa não conseguiu conciliar a teologia eterna do catolicismo com a realidade em rápida evolução do nosso mundo. Wojtyla, por fim, era um gênio da geopolítica, enquanto Ratzinger não tinha feeling com essas questões. Talvez as críticas que eu estou fazendo sejam injustas, porque estamos falando de duas pessoas diferentes que viveram o papado em momentos diferentes, mas mesmo assim o resultado é uma Igreja cada vez mais insular como instituição. Admitindo-se que o senhor tenha razão, a renúncia de Bento XVI não assume um valor ainda maior como tomada de consciência desses problemas? Como jornalista, eu trabalharia acima de tudo sobre as motivações físicas do gesto: há coisas que não sabemos acerca das verdadeiras condições de saúde e as capacidades mentais do papa? Os recentes escândalos tiveram um papel? Apurado isso, não há dúvida de que o aspecto mais importante da história é a forma como a Igreja reagirá. O papa menos moderno das últimas décadas fez uma escolha muito moderna, que de certa forma muda a sua herança. Agora, o desafio está nas mãos do conclave, que é dominado pelos homens escolhidos por Wojtyla e Ratzinger, mas tem a oportunidade de finalmente abrir a Igreja ao mundo. Nesse sentido, talvez, há o único ponto de contato com o episódio Nixon: a possibilidade oferecida a uma grande instituição de se renovar e de se relançar. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 O decano e o camerlengo: as duas Igrejas de Sodano e Bertone Nos primeiros meses como secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone (Romano Canavese, 1934) se assomava de vez em quando ao apartamento a ele reservado ao lado dos seus escritórios, no primeiro andar, sob os afrescos de Rafael. Todas as vezes, fumaça preta: o apartamento ainda estava ocupado. O antecessor, cardeal Angelo Sodano (Isola D'Asti, 1927), ainda não havia ido embora. Assim, Bertone se resignava a subir ao seu alojamento provisório, na torre de São João. A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Hoje, dois homens que não se amam se encontram regendo a Igreja em uma transição muito delicada, sem precedentes no mundo moderno, com um papa a ser eleito e outro ainda em vida, e com o conclave mais numeroso da história – 117 cardeais –, mas sem uma figura hegemônica. Não são homens do futuro. Sodano regeu o governo vaticano na segunda parte da era de João Paulo II; Bertone exerceu a mesma função no atribulado pontificado de Bento XVI. Agora são chamados à última missão: um como decano do Sacro Colégio; outro, como camerlengo. Sodano terá o papel que, após a morte de Wotjyla, coube a Ratzinger: servir de catalisador das ansiedades e das esperanças dos cardeais, ser o seu confidente e o seu guia, e celebrar a missa "Pro Eligendo Romano Pontifice", em que Ratzinger proferiu a histórica homilia contra o relativismo, antes de conduzir os purpurados ao conclave. Mas Sodano não irá ao conclave, tendo superado os 80 anos. Ao contrário, Bertone irá. Que, como camerlengo, convocará os cardeais a Roma, presidirá as três ou mais reuniões preparatórias do Conselho, identificará os relatores que apresentarão a situação da Igreja, incluindo aquele que terá a tarefa particularmente delicada de falar aos colegas sobre a situação financeira. Tanto Sodano quanto Bertone são do Piemonte. E os piemonteses não se tornam papas. Nenhum, em 2.000 anos (haveria Pio V, o papa de Lepanto, nascido em Bosco Marengo, que hoje é província de Alessandria, mas à época fazia parte do Ducado de Milão). Sodano, no entanto, teve um papel no conclave de 2005, enfileirando os cardeais da Cúria ao lado de Ratzinger, que o manteve por mais de um ano no mesmo posto, antes da (lenta) passagem de consignas. E Bertone terá o que dizer no próximo conclave vindouro. Não é verdade que a renúncia repentina o deslocou. O papa, assim, se isentou das pressões que vinham de fora e de dentro do Vaticano para que substituísse o secretário de Estado. E evitou que fosse cortado do conclave, como aconteceria em menos de dois anos. Bertone tem poucas possibilidades de se tornar papa. Ele tem muitas possibilidades de impedir que um homem de quem ele não gosta se torne papa. Sodano não gostou quando Bertone substituiu rapidamente os seus homens, para além da lógica normal da alternância. O novo secretário de Estado tomou posse no dia 15 de setembro, e no fim de outubro removeu Castrillón Hoyos da liderança da Congregação para o Clero. Sete meses depois, o substituto de Sodano, Leonardo Sandri, tornou-se prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, com uma promoção interpretada como uma remoção. As relações entre Bertone e Giovanni Battista Re, prefeito da Congregação para os Bispos, também não são fáceis: o poderoso prelado da Bréscia foi substituído pelo canadense Ouellet, hoje na linha da frente entre os papáveis. O início do governo de Bertone foi manchado por um evento que, nas crônicas dessa segunda-feira, não foi lembrado, mas no passado foi usado contra ele no Vaticano: o novo arcebispo de Varsóvia, Stanislaw Wielgus, foi forçado a renunciar no mesmo dia da sua posse, depois de ter confessado que havia sido um informante do regime comunista polonês, nos mesmos anos em que o cardeal Wojtyla era vigiado pela polícia política. Desastrosa também foi a gestão da paz com os lefebvrianos, incluindo o antissemita Williamson. Mas a acusação mais grave que os homens de Sodano movem contra a temporada de Bertone diz respeito ao IOR: o papa fez a escolha da transparência justamente enquanto o Banco do Vaticano estava envolvido nas duas investigações mais incandescentes abertas pela magistratura italiana, sobre Finmeccanica [segundo maior grupo industrial da Itália] e sobre a aquisição do Antonveneta [9º maior banco da Itália] (não por acaso, nessa segunda-feira à noite, na recepção na embaixada junto à Santa Sé, Bertone assegurava que não existem no IOR contas referentes ao caso Antonveneta-MPS). Dom Viganò é um homem crescido com Sodano. Ele escreveu ao papa quando descobriu que Bertone pretendia removê-lo do governatorato do Vaticano para mandá-lo para os Estados Unidos. Enquanto isso, o prelado do IOR, Piero Pioppo, durante muito tempo secretário de Sodano, foi transferido para o Camarões. Quanto a Pietro Parolin, que Sodano havia nomeado como subsecretário para as Relações com os Estados, foi enviado para a Venezuela. Seria um erro, porém, pensar em uma relação deteriorada e áspera no plano pessoal. No Vaticano, não seria possível, muito menos em uma fase histórica como a que estamos vivendo. Os dois cardeais se respeitam e, às vezes, também estiveram do mesmo lado: como quando o papa convocou o seu pupilo Schönborn, réu por ter criticado a expressão – "fofocas" – com a qual o decano havia rotulado a ressonância midiática sobre o escândalo da pedofilia; o arcebispo de Viena encontrou no escritório papal tanto Bertone quanto Sodano e foi forçado a fazer um pedido de desculpas público. A verdadeira diferença entre os dois, além do caráter, está na biografia e no estilo. Sodano vem da escola da diplomacia vaticana. Estudou na Gregoriana e na Lateranense, trabalhou nas nunciaturas do Equador e do Uruguai, em 1968 Casaroli o chamou para a Secretaria de Estado e lhe confiou dossiês delicadíssimos com os países do Leste, como a libertação do cardeal Mindszenty das prisões húngaras. Dez anos depois, quando foi núncio no Chile de Pinochet, não evitou as inevitáveis polêmicas, mas saiu ileso. Bertone não é um diplomata. É um salesiano. Formou-se em Turim, entre o lendário oratório Valdocco, o de Dom Bosco, e o liceu Valsalice, onde jogava futebol como zagueiro, amadurecendo a fé juventina. Acredita nas obras e na atividade, às vezes degenerada – segundo os críticos – em ativismo. É mais impetuoso do que delicado, mais sem escrúpulos do que prudente. Sodano saía com um único carro de escolta; Bertone se move com a gendarmeria vaticana atrás. Sodano sempre se manteve distante do trabalho de Ruini na presidência da CEI [Conferência Episcopal Italiana]; Bertone escreveu para Bagnasco reivindicando para si as relações com o Estado italiano (mesmo que o novo chefe dos bispos logo tenha conquistado a própria autonomia). Segundo a velha escola diplomática, a coroa sempre era protegida, ad effusionem sanguinis, como Sodano gosta de repetir: até o derramamento do próprio sangue. Bertone é acusado de ter forçado o papa a se expor para remediar os seus erros. É verdade, porém, que nunca lhe faltou o apoio do papa. De 1995 a 2003, Bertone foi secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, da qual Ratzinger era prefeito. Nos últimos tempos, quando Bento XVI aparecia em público na sua fragilidade, ele sempre procurava com os olhos o secretário de Estado na primeira fila, e quando cruzava o olhar com ele se sentia mais seguro. No fim, ao invés de removê-lo, preferiu ele mesmo ir embora. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Bento XVI renunciou, viva o papa! "A história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas podem ir sendo revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na sociedade, seculares e republicanos, não poderá ficar à margem de um processo histórico contagiante", escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, diretor do Programa Ciência e Religião da UCAM. Assim se proclamava, nas monarquias, quando um rei morria ou era deposto e o sucessor vinha saudado. Mais importante do que o panegírico do que partia, era hora de olhar para a frente, com esperança ou receios. Eu estava numa reunião no palácio São Joaquim, aqui no Rio, em 2005, durante o último conclave, almoçando com os bispos auxiliares, quando foi anunciada a fumaça branca. Saímos da mesa e corremos à televisão. Foi quando eu disse: “Não sei quem será, mas vai chamar-se Bento XVI”. Quando Ratzinger saiu no balcão, alguns me olharam como se eu tivesse feito uma adivinhação. Na verdade, foi uma aposta por eliminação. O novo papa certamente não retomaria a série dos Pios, não seria um seguimento de João ou de Paulo, nem do composto João Paulo. Restava, no século XX, um papa, Bento XV, que ficara poucos anos, de 1914 a 1922, mas que interrompera a caça antimodernista de Pio X. Não saiu papa um reacionário como o secretário de estado espanhol Merry Del Val (o Sodano ou o Bertone daquele momento). Era um bispo de uma diocese importante, Bolonha, que fora pouco antes denunciado de modernista, em carta, a seu antecessor. O novo papa abriu a missiva, lacrada por ocasião da morte de Pio X e convocou o assustado acusador. Uma lógica destas apontaria, indo um pouco mais atrás, na eleição de 1878, para um possível futuro Leão XIV. O papa anterior do mesmo nome também interrompera a prática de seus dois antecessores reacionários, Gregório XVI e Pio IX. E indicou que esperassem o próximo consistório, para verem seu novo estilo. E foi então quando nomeou cardeal o grande teólogo John H. Newman, convertido da Igreja Anglicana, crítico do Vaticano I e mal visto pelo outro cardeal inglês, Henry Manning. Aliás, o papa Bento XVI tinha Newman em grande admiração e o beatificou em 2010 (alguns historiadores, para incômodo de muitos, falaram de um companheiro de toda a vida, enterrado junto com ele, numa possível porém incerta relação homosexual, o que não diminuiria em nada seu enorme valor). Mas atenção, voltando ao presente, as lógicas não se repetem e o futuro é sempre inesperado. Com o atual precedente, um papa pode (e até deve, em certos casos) deixar o poder ainda em vida, num movimento que passa dos poderes absolutos e pro vita, para uma visão com possíveis prazos para o exercício de um poder que aparecia nos últimos séculos como irrenunciável. O importante agora é descobrir o que estará diante do futuro papa. Tudo parece indicar que João Paulo I morreu ao tomar consciência da dimensão dos problemas que o esperavam. Carlo Martini (que tantos sonhamos como um possível “Papa bianco”), em 1999 lembrou temas estratégicos a serem enfrentados por possíveis futuros concílios: a posição da mulher na sociedade e na Igreja, a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais, a sexualidade, a disciplina do matrimônio, a prática do sacramento da penitência, a relação com as Igrejas irmãs da ortodoxia e, em um nível mais amplo, a necessidade de reavivar a esperança ecumênica. Poderíamos agora dizer que são temas colocados hoje diante do papa que vem aí. Cada vez é mais importante desbloquear posições congeladas. Uma, urgente, seria superar o impasse criado por Paulo VI em 1968, no seu documento Humanae Vitae, sobre a contracepção. Tratar-se-ia de aceitar, ao nível do magistério, o que já é uma prática normal de um número enorme de fiéis: o uso dos contraceptivos. Mas nos textos de teólogos espanhóis, sacerdotes alemães e austríacos, declarações de bispos australianos, estão outros pontos da agenda. Haveria que começar por superar a dualidade e uma hierarquia rígidas entre ministérios ordenados (dos padres) e não ordenados, abrindo para uma pluralidade de ministérios (serviços), como na Igreja dos primeiros séculos. E aí se coloca o tema da ordenação das mulheres. No dia da ressurreição, as mulheres foram as primeiras a serem enviadas (ordenadas) a anunciar a Boa Nova (Mateus, 28,7; Marcos, 16,7:”Ide dizer aos discípulos e também a Pedro...”; Lucas, 24,9; João, 20,17). Teria também que desaparecer o que é apenas próprio da Igreja latina desde o milênio passado: o celibato obrigatório. O celibato é próprio da vida religiosa em comunidade e não necessariamente dos presbíteros (sacerdotes). Os escândalos recentes de uma sexualidade reprimida e doentia estão exigindo uma severa revisão. Isso levaria a ordenar homens e mulheres casados. Há que levar a sério a ideia da colegialidade do Vaticano II, sendo o bispo de Roma o primeiro entre todos no episcopado. Numa visão ecumênica, o segundo seria o Patriarca de Constantinopla, que vive no Fanar, um bairro grego pobre de Istambul, onde estive no ano passado. Os encontros fraternos e a oração em comum de João XXIII e de Paulo VI com o patriarca Atenágoras, foram abrindo caminho nessa direção. Claro, são antes de tudo anseios, mais do que possibilidades certas. Mas a história é inexorável e, pouco a pouco, posições que pareciam petrificadas podem ir sendo revistas ou, pelo menos, vão crescendo pressões nesse sentido. A Igreja, arejada por tempos novos na sociedade, seculares e republicanos, não poderá ficar à margem de um processo histórico contagiante. Talvez temas congelados terão que esperar futuros pontificados ou outros concílios, mas estarão cada vez mais presentes e incômodos, num horizonte que desafia os imobilismos. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Reflexões em torno da renúncia de Bento XVI Faustino Teixeira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, comenta a renúncia de Bento XVI e as perspectivas para a Igreja. Muita complexa a situação da Igreja Católica Romana (ICAR). Lemos hoje, 13/02/2013, na FSP, em reportagem de Patrícia Britto, que o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo (e que participará do próximo conclave) sublinhou que “dificilmente o papa que substituirá Bento XVI mudará a forma como a igreja lida com temas considerados polêmicos” e “que será difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela sociedade ou pelos legisladores”. Essa é, infelizmente, a cantilena que sempre estamos a ouvir por parte de segmentos da hierarquia atual. Uma dificuldade impressionante de ousadia e profetismo. Vale ressaltar algumas notícias dos periódicos internacionais sobre a atual crise no Vaticano, em particular as reflexões de Massimo Franco no Corriere della Sera. Na sua avaliação, o que assistimos hoje é o “sintoma extremo, final, irrevogável da crise de um sistema de governo e de uma forma de papado”. E fala da deriva de uma igreja-instituição que em poucos anos passou da condição de “mestra de vida” para “pecadora”, de “ponto de referência moral da opinião pública ocidental, a uma espécie de 'acusada global`, agredida e pressionada por segmentos diversificados. Clovis Rossi chega a falar em sua coluna na FSP de uma “guerra civil no Vaticano”. E o filósofo italiano Gianni Vattimo, em seu blog – reproduzido no jornal Il fato quotidiano (13/02/2013) – sublinha que a demissão era a única coisa que um papa poderia seriamente fazer. Ele acrescenta que se Jesus vivesse hoje entre os seus pseudo-sucessores “abandonaria imediatamente o Vaticano, e talvez retornasse à Palestina para estar junto aos perseguidos e expropriados daquele lugar, e não perderia mais seu tempo, e alma, seguindo as vicissitudes da política italiana (...)”. Para Vattimo, a renúncia papal indica um distanciamento das “funcionalidades terrenas” e a necessidade de apontar, talvez, a “face anárquica, e autenticamente sobrenatural, do Evangelho”, abrindo a possibilidade para o cristianismo de se tornar novamente “uma escolha de vida possível para as pessoas de nosso tempo”. Leonardo Boff fala também no último texto sobre a importância de retomada de um modelo dialogal para a igreja, de sintonia com o Vaticano II, Medellin e Puebla, de uma “Igreja-aprendiz e aberta ao diálogo com todos”, de liberdade e criatividade. E Hans Küng em seu recente livro – Salviamo la Chiesa (1) -, indica a necessidade de um tratamento para a igreja, de uma “terapia ecumênica” que ajude a vencer a “osteoporose do sistema eclesiástico”. E coloca o dedo na ferida, ao falar da necessidade imperiosa de uma reforma da cúria romana à luz do Evangelho. Uma reforma que deverá contemplar: humildade evangélica (com renúncia de todos os títulos honoríficos estranhos à Bíblia), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica e liberdade evangélica. Nesse delicado momento de preparação do conclave que escolherá o novo papa, os analistas chamam a atenção para problemas internos da cúria romana, que também pressionaram a decisão de renúncia de Bento XVI. Em entrevista publicada hoje no O Globo, o renomado teólogo espanhol, José Ignacio González Faus faz menção a tais pressões. Ele sinaliza: "Não estranharia que a renúncia estivesse ligada a problemas com a Cúria". O papa "já arrastava problemas com a Cúria desde que afastou do sacerdócio Marcial Maciel, acusado de abusos sexuais". Chama a atenção para aquela oração proferida pelo então cardeal Ratzinger na cerimônia da sexta feira santa em Roma, em comentário da IX estação da via sacra. Reproduzo aqui o que ele disse na ocasião: "Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência!” “Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos." Segundo González Faus, os intérpretes em avaliação feita na época, achavam que ele estivesse se referindo à pedofilia na igreja, mas em verdade, os indícios apontam que poderia ser uma alusão à Cúria romana, essa mesma cúria que terá voz ativa na eleição do próximo papa em 2013. Nota: 1.- O livro, originalmente publicado em alemão, Ist die Kirche noch zu retten? (2011), foi traduzido e publicado em português com o título "A Igreja ainda tem salvação?" pela Editora Paulus, 2012. (Nota da IHU On-Line) Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Tributos ao papa ''corajoso'' Os líderes religiosos hoje prestam homenagens ao Papa Bento XVI, que anunciou na manhã dessa segunda-feira que irá se aposentar efetivamente a partir do dia 28 de fevereiro. A reportagem é do sítio da revista católica britânica The Tablet, 11-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O arcebispo Vincent Nichols, presidente da Conferência dos Bispos da Inglaterra e do País de Gales e arcebispo de Westminster, disse: "O anúncio do Papa Bento XVI de hoje chocou e surpreendeu a todos. No entanto, refletindo, tenho a certeza de que muitos irão reconhecê-la como uma decisão de grande coragem e clareza características de mente e de ação. "O Santo Padre reconhece os desafios enfrentados pela Igreja e que 'a força da mente e do corpo são necessárias' para as suas tarefas de governar a Igreja e anunciar o Evangelho". "Eu saúdo a sua coragem e a sua decisão". "Eu peço às pessoas de fé que continuem rezando pelo Papa Bento XVI. Nós, católicos, o faremos com grande afeto e com a mais alta estima pelo seu ministério como nosso Santo Padre, lembrando com alegria a sua visita ao Reino Unido em 2010. Rezemos, também, pela Igreja e por todos os passos que deverão ocorrer nas próximas semanas. Confiamo-nos à Providência amorosa de Deus e à orientação do Espírito Santo". O cardeal Keith O'Brien, arcebispo de St. Andrews e Edimburgo, disse: "Assim como muitas pessoas em todo o mundo, eu fiquei chocado e triste ao saber da decisão do Papa Bento XVI a renunciar. Eu sei que a sua decisão foi levada em consideração muito cuidadosamente e que veio depois de muita oração e reflexão". "Eu ofereço as minhas orações pelo Papa Bento XVI e convido a comunidade católica da Escócia a se unir a mim na oração por ele, neste momento de deterioração da sua saúde enquanto ele reconhece a sua incapacidade para cumprir adequadamente o ministério que lhe foi confiado". "Eu espero que eu também possa contar com as orações dos católicos de todo o mundo pelos cardeais eleitores enquanto nos preparamos para viajar a Roma a fim de participar do conclave, que será convocado para eleger um sucessor como Bispo de Roma e Sumo Pontífice". O cardeal Timothy Dolan, presidente da Conferência dos Bispos dos EUA, disse que Bento XVI unificou os católicos. Ele disse: "O Santo Padre trouxe o coração terno de um pastor, a mente incisiva de um estudioso e a confiança de uma alma unida ao seu Deus em tudo o que ele fez. A sua renúncia nada mais é do que outro sinal de seu grande cuidado pela Igreja. Estamos tristes que ele irá renunciar, mas gratos pelos seus oito anos de liderança altruísta como sucessor de São Pedro". "Embora com 78 anos quando eleito papa em 2005, ele foi ao encontro do seu povo – e eram de todas as fés – em todo o mundo. Ele visitou os ameaçados religiosos – judeus, muçulmanos e cristãos no Oriente Médio devastado pela guerra, os desesperadamente pobres da África e os jovens do mundo reunidos para encontrá-lo na Austrália, Alemanha, Espanha e Brasil". "Ele se deleitou com os nossos amados Estados Unidos da América quando visitou Washington e Nova York, em 2008. Como estadista estimado, ele cumprimentou notáveis na Casa Branca. Como líder espiritual, ele levou a comunidade católica à oração no Nationals Park, no Yankee Stadium e na Catedral de St Patrick. Como um pastor que sentiu dor em uma reunião agitada e privada na nunciatura vaticana em Washington, ele levou um coração ouvinte às vítimas de abuso sexual por parte de clérigos. "O Papa Bento XVI frequentemente citava a importância das verdades eternas e alertava para uma ditadura do relativismo. Alguns valores, tais como a vida humana, destacam-se acima de todos os outros, como ele ensinava uma e outra vez. É uma mensagem para a eternidade". "Ele unificou os católicos e estendeu a mão para grupos cismáticos na esperança de atraí-los de volta para a Igreja. Mais coisas nos unem do que nos dividem, disse ele por palavras e ações. Essa mensagem é para a eternidade." Do Palácio de Lambeth, Justin Welby, o arcebispo recém-eleito de Canterbury, elogiou o papa pela sua "dignidade, intuição e coragem". Ele disse: "Foi com um coração pesado, mas com completa compreensão que ficamos sabendo nesta manhã da declaração do Papa Bento XVI de sua decisão de depor a carga do ministério de bispo de Roma, um ofício que ele carregou com grande dignidade, intuição e coragem. Enquanto me preparo para assumir o ofício, eu falo não só por mim e pelos meus antecessores como arcebispo, mas também pelos anglicanos em todo o mundo, dando graças a Deus por uma vida sacerdotal totalmente dedicada, em palavras e ações, à oração e ao caro serviço, para seguir a Cristo. Ele colocou diante de nós algo do significado do ministério petrino para construir o povo de Deus até a plena maturidade". "Em sua visita ao Reino Unido, o Papa Bento XVI nos mostrou um pouco do que a vocação da Sé de Roma pode significar na prática – um testemunho para o alcance universal do Evangelho e um mensageiro de esperança em um momento em que a fé cristã está sendo posta em questão. Em seu ensino e escrita, ele trouxe uma mente teológica notável e criativa para suportar as questões de hoje. Nós, que pertencemos a outras famílias cristãs, reconhecemos alegremente a importância desse testemunho e unimo-nos a nossos irmãos e irmãs católicos romanos para agradecer a Deus pela inspiração e pelo desafio do ministério do Papa Bento XVI". "Rezamos para que Deus o abençoe profundamente na aposentadoria com saúde e paz de espírito e coração, e confiamos ao Espírito Santo aqueles que têm a responsabilidade de eleger o seu sucessor." David Cameron, primeiro-ministro britânico, emitiu um breve comunicado na manhã dessa segunda-feira. Ele disse: "Envio meus melhores votos para o Papa Bento XVI após o seu anúncio de hoje. Ele tem trabalhado incansavelmente para fortalecer as relações da Grã-Bretanha com a Santa Sé. Sua visita à Grã-Bretanha em 2010 é lembrada com grande respeito e afeto. Ele fará falta como líder espiritual de milhões de pessoas". Edward Leigh MP, presidente do Grupo Parlamentar Pluripartidário sobre a Santa Sé, expressou a sua surpresa na manhã dessa segunda-feira diante da notícia da iminente aposentadoria do Papa Bento XVI. "Eu sei que eu posso falar por muitos católicos no serviço público e por outros em todo o país quando eu louvo o papa pelo trabalho que ele fez. A relação entre a Grã-Bretanha e a Santa Sé é mais forte agora do que em qualquer outra época desde a Reforma, e muito disso se deve aos esforços determinados do Santo Padre". "Ficamos todos impressionados com a enorme resposta do público britânico à visita de Estado de Bento XVI em 2010. Fiquei profundamente comovido pelo discurso de Sua Santidade no Westminster Hall, quando a sua espiritualidade e a sua imensa inteligência ofereceram uma intuição provocativa ao pensamento sobre a história, a natureza do governo e o mundo moderno". "Embora surpreso e entristecido com a sua saída da Cátedra de São Pedro, estou certo de que os membros do Grupo Parlamentar Pluripartidário sobre a Santa Sé irão se unir a mim na oração pela saúde e bem-estar futuros do Papa Bento XVI. Nós também esperamos em antecipação orante pelo conclave vindouro, quando um novo pontífice será escolhido". O Lorde Sacks, rabino-chefe da Grã-Bretanha, que viajou a Roma para visitar o papa após a visita papal à Grã-Bretanha, observou a sua "gentileza" e consideração. "Tive a honra de acolher o Papa Bento XVI à Grã-Bretanha em nome das fés não cristãs em 2010 e de passar um tempo com ele durante uma visita ao Vaticano em 2011. Vi-o como um homem de gentileza, de quietude e de calma, um indivíduo profundamente pensativo e compassivo, que trazia consigo uma aura de graça e sabedoria. Eu desejo a ele boa saúde, bênçãos e os melhores votos para o futuro". Quinta, 14 de fevereiro de 2013 A profecia do bispo Bettazzi: ''O papa sairá antes de não conseguir mais'' A notícia da renúncia do Papa Bento XVI havia sido dada com um ano de antecedência, exatamente no dia 13 fevereiro de 2012, durante a transmissão do programa da Radio due Rai Un giorno da pecora: "O Papa Ratzinger pensa na renúncia", desencadeando o inevitável alvoroço que desde sempre acompanha as suas declarações. Dom Luigi Bettazzi, bispo emérito de Ivrea, não havia usado o condicional, certo como estava da notícia e, sobretudo, da sua fonte. A reportagem é de Guido Novaria, publicada no jornal La Stampa, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Bettazzi havia excluído a existência de um complô para matar o Papa Ratzinger: "Não, não acredito. Se fosse o papa anterior, eu entenderia, mas este papa me parece muito manso, religioso. Não poderia encontrar os motivos para um atentado", dissera ele no rádio. Ouvindo-a novamente um ano depois, aquela entrevista radiofônica tem um sabor quase profético: "Acho que a teoria do complô é um sistema para preparar a eventualidade da renúncia. Para preparar esse choque – porque a renúncia de um papa seria um choque – começam a jogar ali a coisa do complô". E à pergunta sobre se Ratzinger tinha a intenção de renunciar, a resposta de Bettazzi havia sido muito clara: "Eu acredito que sim, embora tenham negado. Um velho cardeal, porém, sempre me dizia: se o Vaticano desmente, quer dizer que é verdade. Eu penso que ele se sente muito cansado. Basta vê-lo. É um habituado aos estudos teológicos, à meditação". E acrescentou: "Diante dos problemas que existem, talvez também diante das tensões existentes dentro da Cúria, ele poderia pensar que o novo papa se ocuparia dessas coisas". Sobre o suposto complô contra o papa, o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, também havia se pronunciado: "É uma história que não merece ser levado a sério", explicou. O bispo emérito de Ivrea também havia confirmado novamente a teoria da renúncia após aquele chocante anúncio de um ano atrás: "O papa poderia renunciar, antes que chegue aquele momento em que não é mais o pontífice que guia a Igreja. Ele viu os últimos anos de João Paulo II e sabia que ele queria renunciar, mas não o deixaram. Eu desejo a ele uma longa vida e lucidez, mas se Bento XVI se der conta de que as coisas estão mudando, ele teria a coragem de renunciar". Para valorizar a tese da renúncia, segundo Dom Bettazzi, teria chegado a "sistematização" do seu secretário particular: "Quando o padre Georg foi consagrado arcebispo e promovido a prefeito da Casa Pontifícia, intuí que os tempos estavam maduros. Depois de ter resolvido a questão do seu secretário, que não permanecerá a disposição de todos, mas terá garantido um posto como bispo, ele se sentiu mais livre para renunciar. Além disso, se um bispo depois dos 75 anos não pode reger a sua diocese, e os cardeais com mais de 80 anos não podem participar do conclave para a eleição do papa, parece-me coerente que um papa que tenha chegado a certos limites de idade, se o seu físico não lhe permite continuar, também possa renunciar". Sobre o futuro do Vaticano, o bispo emérito de Ivrea, que neste ano completará 90 anos, não perde o equilíbrio: "Eu rezo para que o Espírito Santo ajude os cardeais, que também vêm dos continentes com mais dificuldades, a entender a situação da Igreja e a escolher um papa adaptado aos nossos tempos". Quinta, 14 de fevereiro de 2013 O Papa renuncia e o IOR terá um novo presidente em breve Fontes muito autorizadas, tanto do Vaticano como italianas, confirmaram que, ontem à tarde, o cardeal secretário de Estado Tarcisio Bertone, durante conversa com a delegação italiana, na Embaixada da Itália ante a Santa Sé, por ocasião da tradicional comemoração dos Pactos Lateranenses, anunciou que em breve será nomeado o novo presidente do IOR (Instituto para as Obras de Religião). Cargo vacante, desde maio de 2012, após a clamorosa demissão de Ettore Gotti Tedeschi, nomeado menos de três anos antes. Uma demissão que foi acompanhada pela demolição de sua figura humana e profissional, sem precedentes na história recente da Santa Sé. A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 13-02-2013. A tradução é do Cepat. Desta maneira, antes que se torne oficial o início da sede vacante (na fatídica noite do dia 28 de fevereiro, quando Bento XVI renunciará oficialmente seu Pontificado e deixará o Trono de Pedro) haverá algumas nomeações e entre elas se destaca, sobretudo, a do novo presidente do banco vaticano. É claro que se pode considerar como um sinal positivo o fato de que, após tantos meses de discussão e do processo de seleção tão atento para escolher os candidatos, finalmente se chega ao perfil do novo chefe do IOR, que, pelo que parece, não será italiano (talvez belga ou alemão). Contudo, não há dúvidas de que o anúncio da nomeação não poderia vir num momento pior. Os fiéis do mundo todo estão sem respiro pelo gesto de Bento XVI, mesmo compreendendo suas razões, as mesmas que o Pontífice explicou em seu breve e histórico discurso, na segunda-feira de manhã. Eles se reúnem com afeto ao redor do Papa que se vai e rezam pelo Papa que virá. Os cardeais se perguntam sobre quem será seu sucessor, como é natural, após a surpresa de Bento XVI. No entanto, nestas importantes e, em certo sentido, dramáticas semanas, em que a Igreja católica deve enfrentar a situação de um Papa que será “emérito”, a máquina curial procede com normalidade, apesar da evidente desorientação que reina, inclusive, dentro do Vaticano. É verdade, pode-se dizer, que o Papa continuará em seu posto até o dia 28 de fevereiro, pois sua renúncia ainda não é oficial; é normal que seja assim. Claro. Entretanto, é muito mais do que legítimo perguntar se verdadeiramente o anúncio do novo presidente do IOR era tão urgente, tão indispensável assim, para chegar após o anúncio “choque” da renúncia papal. Qualquer comparação com o passado pode ser banal, mas há alguns que lembram a avalanche de nomeações episcopais e de novos núncios anunciados pela Santa Sé, durante a agonia de João Paulo II. Entre as nomeações estava a do novo arcebispo de Manágua, a partir da qual o cardeal Miguel Obando Bravo se tornou “emérito” um pouco antes do Conclave. Nessa ocasião foi dito que, na realidade, eram nomeações decididas antecipadamente e que apenas precisavam ser anunciadas. A nomeação do novo presidente do IOR entra nesta categoria? Talvez sim. Contudo, o que surpreende é que um Pontificado como o de Bento XVI termine com uma nomeação (que, além de tudo, não é papal, mas que acontece a partir das indicações dos cardeais) como a do novo presidente do banco vaticano. Trata-se de um instituto que se encontra no olho do furacão em razão dos diferentes escândalos verdadeiros, e muitos outros falsos, que, seja como for, não teve uma boa presença. A Secretaria de Estado, seguindo indicações do Papa, trabalhou muito durante os últimos anos pela transparência, como demonstra todo o trabalho certificado pelo Moneyval. Um instituto que possui todo o direito de ter um novo presidente. Todavia, era tão indispensável nomeá-lo após o anúncio da renúncia do Papa? O que mudaria se a nomeação viesse daqui a um mês? Quinta, 14 de fevereiro de 2013 A decisão do Papa “contagia” os cardeais “É um trabalho implacável, não sou adequado”, indicou o salesiano Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga. A decisão do Papa Bento XVI começa a ter seguidores. E assim, através do Sacro Colégio se contagia a “fuga”. Mas, aparentemente, não é uma novidade. A reportagem é de Giacomo Galeazzi e publicada por Vatican Insider, 13-02-2013. A tradução é do Cepat. No manual de bons costumes do conclavista, de fato, definir-se como “não candidato” corresponde a uma prudência secular, a uma “pré-tática” amadurecida nos Sacros Palácios. Os tons felpudos e o caráter de serviço dos encarregados eclesiásticos da Cidade Eterna são manifestados com declarações antipessoais. Inclusive porque, como indica a sabedoria popular, “quem entra Papa na Capela Sistina, sai cardeal”, como aconteceu três vezes com o super favorito Giuseppe Siri. Quanto mais se ambiciona uma meta, mais é preciso ter muita cautela ao dar cada passo, sem revelar as ambições ou os projetos em mente. Mas desta vez há um fator novo que muda a linguagem e o conteúdo dos encontros formais pré-Conclave. Ou seja, um Pontífice que renuncia porque suas forças já não são as melhores para exercer “de forma adequada o ministério petrino”. O efeito-emulação é imediato entre os cardeais que poderiam ser escolhidos como seu sucessor. “Eu não me sinto apto” para ser Papa, porque “é um trabalho implacável, sem descanso, no qual não se tem tempo para si mesmo, porque tudo se concentra no bem da Igreja”, dá um passo para trás o cardeal hondurenho Rodríguez Maradiaga que, como em 2005, é uma das figuras da lista dos “papáveis”. O “modelo Ratzinger” da humilde resolução diante da titânica tarefa de guiar o timão da barca de Pedro torna-se um gesto automático na hipótese de uma possível candidatura à sucessão. Rodríguez Maradiaga se explica melhor: “É uma coisa que ninguém pode desejar humanamente, é algo que vem da vontade de Deus, que se expressa através da decisão do Colégio dos cardeais, razão pela que só aspirar a ela te desqualifica”. Também o cardeal chileno Francisco Errázuriz exclui sua candidatura, destacando que “é outro o caminho que tenho diante de mim”. O presidente dos bispos italianos, Angelo Bagnasco, também considerado “papável” entre seus compatriotas, adverte: “Não fazemos caso das hipóteses, dos prognósticos, das conjecturas que se farão nestes dias. Rezamos, com o olhar fixo em Jesus, para que a Igreja siga sua história de fidelidade a Cristo e ao homem”. Desde sempre a expressão “não sou digno” é o leitmotiv de todos os que participam da eleição do novo Pontífice. “Non sum dignus”, ou antes, “meus ombros são muito fracos para sustentar o peso da Igreja universal”. Diferentes formas de um mesmo discurso. Inclusive para os postos na Cúria é uma prática comum definir-se publicamente “pouco adequado” diante dos rumores de uma iminente nomeação. O célebre diplomata pontifício, o cardeal Domenico Tardini, que foi Secretário de Estado de João XXIII, chegou inclusive a parodiar a hipótese, na realidade sempre desejada, de receber a púrpura cardinalícia. Da mesma maneira, inclusive o líder da Igreja norte-americana, o arcebispo de Nova York, Timothy M. Dolan, exclui-se da lista dos “papáveis”: “É muito improvável que eu seja levado em consideração”. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Gilberto Carvalho diz que episódio com Bento XVI nas eleições de 2010 foi superado O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse nessa quarta-feira que a posição do governo brasileiro sobre a renúncia do papa Bento XVI, que deixa o cargo a partir do dia 28, é de respeito e reverência pela decisão. Ele disse ainda que “está superado” o episódio ocorrido às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2010, quando o pontífice condenou projetos políticos a favor da legalização do aborto. A reportagem é Mariana Branco e publicada pela Agência Brasil, 13-02-2013. “Nossa posição é acima de tudo de respeito e reverência. Estamos atentos à chegada do novo papa para retomar as conversações do governo brasileiro com a Santa Sé no melhor nível possível. Não nos cabe nos pronunciar sobre a natureza da decisão do papa”, declarou. Segundo Gilberto Carvalho, o posicionamento é também o da presidenta Dilma Rousseff. O ministro fez as declarações durante o lançamento da Campanha da Fraternidade 2013, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema é Fraternidade e Juventude. Ele não esclareceu se a própria presidenta divulgará nota. O ministro disse ainda que não houve demora no pronunciamento do governo brasileiro sobre a renúncia de Bento XVI e que o episódio da campanha presidencial de 2010 foi superado. Na época, o papa recomendou que os líderes da Igreja no Brasil orientassem a população a não votar em candidatos a favor da legalização do aborto. A CNBB de São Paulo, pouco antes, chegou a distribuir carta desaconselhando o voto em Dilma e depois recuou. “Nós temos gratidão ao papel que Bento XVI desempenhou desde 2005. Somos gratos a ele, nossas relações foram as melhores possíveis. O governo brasileiro não se apressou em fazer um grande pronunciamento. Outros governos da América Latina não se pronunciaram”, disse Gilberto Carvalho. Carvalho disse ainda desejar “muita energia e muita luz” para a escolha do novo papa e que seria “uma grande honra” se o escolhido for brasileiro. Cinco cardeais do Brasil participarão do conclave. O secretário-geral da CNBB e bispo auxiliar de Brasília, D. Leonardo Steiner, disse que, independentemente da nacionalidade, é importante que o novo papa esteja disposto a debater temas atuais, como meio ambiente e pobreza. "A chance existe (de ser um brasileiro). Mas o povo do Brasil tem um afeto muito grande pelo papa e continuará existindo essa relação", disse. Quinta, 14 de fevereiro de 2013 Os conservadores argentinos sonham com um papa próprio Como em 2005, quando Ratzinger foi eleito, os conservadores argentinos voltam a sonhar em ter um homem seu no Vaticano: o cardeal. Mas o papel desempenhado pela Igreja argentina e pelo cardeal na ditadura militar (1976-1983) torna quase impossível a escolha de um personagem com semelhante currículo. O comentário é de Oscar Guisoni em artigo publicado por Carta Maior, 13-02-2013. A tradução é de Katarina Peixoto. Foto: Wikipedia. Eis o artigo. “Quando João Paulo II morreu todos nos iludimos com a possibilidade de que nosso cardeal Bergoglio assumisse como papa. Mas não aconteceu. Oxalá desta vez ocorra”, exclama sem ruborizar uma conhecida jornalista local em uma das tantas transmissões improvisadas da televisão argentina surpreendida, como o resto do mundo, com a renúncia de Bento XVI. “Deus não o permita”, responde o colunista Fernando D’Addario, no Página/12. Como ocorreu em 2005, quando foi eleito o Papa Joseph Ratzinger, os conservadores e ultramontanos argentinos voltam a se iludir com a possibilidade de colocar seu homem no Vaticano: o cardeal Jorge Bergoglio. Mas o papel desempenhado pela Igreja argentina e pelo citado cardeal em particular durante a última ditadura militar (1976-1983) torna quase impossível que o Vaticano opte por habilitar com a “fumaça branca” um personagem com semelhante currículo. Salvo que “assim como nos anos 80 escolheram Karol Wojtyla para canalizar religiosamente a luta do povo polonês (isto é, a do mundo ocidental e cristão) contra o totalitarismo soviético”, sustenta D’Addario com acidez, “agora escolham um papa argentino para salvar-nos do populismo gay e favorável ao aborto que se expande como uma peste por estes pampas”. A polêmica, que em apenas algumas horas voltou a impregnar grande parte da imprensa argentina, trouxe à tona de novo a triste memória do papel desempenhado pela Igreja local durante a última ditadura militar e suas implicações no presente. Assim, enquanto o setor mais conservador e católico da classe média local volta a sonhar em ter seu próprio Papa, os organismos de Direitos Humanos e as associações que agrupam os familiares dos 30 mil detidos desaparecidos na última ditadura recordam que a Igreja não só colocou uma venda nos olhos diante da matança organizada pelo Estado, como se fez de distraída inclusive frente o assassinato de seus próprios sacerdotes, comprometidos com a “opção pelos pobres’ e com a Teologia da Libertação que havia iluminado o Concílio Vaticano II. Uma prova da atualidade da polêmica é a recente decisão judicial do tribunal que julgou na província de La Rioja o assassinato dos padres Carlos de Dios Murias e Gabriel Longueville, ligados ao também assassinado bispo Enrique Angelelli, uma das figuras emblemáticas da “Igreja comprometida” dos anos setenta na Argentina. Nesta sentença inédita anunciada na semana passada fala-se pela primeira vez da “cumplicidade” da Igreja Católica local com os crimes cometidos pelos militares, ao mesmo tempo em que se assinala a “indiferença” e a “conivência da hierarquia eclesiástica com o aparato repressivo” dirigido contra os sacerdotes terceiro-mundistas. Chama a atenção, diz ainda a sentença, que “ainda hoje persiste uma atitude resistência por parte de autoridades eclesiásticas e de membros do clero ao esclarecimento dos crimes”. Como ocorreu em 2005, enquanto por trás dos muros do Vaticano se escolhia o sucessor de João Paulo II, a discussão pública leva os argentinos a olhar para sua própria Igreja no espelho que mais os envergonha: do outro lado da Cordilheira, a Igreja Católica tem outra cara para mostrar, já que sua atitude frente à ditadura de Augusto Pinochet foi exatamente a oposta à adotada pela hierarquia argentina. A polêmica transcende rapidamente o âmbito religioso e se instala no cenário político cada vez mais radicalizado, que encontra os partidários da política de Direitos Humanos promovida pelo governo kirchnerista no caminho oposto ao dos conservadores que desejam encerrar os julgamentos contra os responsáveis pelos crimes contra a humanidade executados pela ditadura antes que os processos comecem a bater às portas dos cúmplices civis do regime, o que já começou a acontecer. Enquanto isso, o candidato em questão, o atual arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio, sonha em alcançar um papado impossível. Nascido em 1936 e presidente da Conferência Episcopal durante dois períodos (cargo que abandonou recentemente por doenças da idade), é difícil que o Vaticano se arrisque a colocar no trono de Pedro um homem citado em vários processos judiciais por sua cumplicidade com a ditadura e que conseguiu evitar seu próprio julgamento por conta de influências e argúcias de advogados. Nada disso impede, porém, os ultramontanos argentinos de sonhar com a possibilidade de ter um Papa em Roma que os ajude a acabar de uma vez por todas com um governo que consideram o pior inimigo da Igreja Católica desde que o presidente Juan Domingo Perón enfrentou-se de forma virulenta (incluindo a queima de algumas igrejas) com a hierarquia católica no final de seu governo em 1955. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 O fim de um pontificado de transição: de onde saiu e para onde nos leva? "Como uma espécie de herança destes breves 7 anos de pontificado, Bento XVI deixa por implementar o projeto de Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é um novo termo mais palatável para o mesmo projeto de Cristandade ou se é realmente algo “novo”, no sentido de uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et Spes", escreve Sérgio Ricardo Coutinho. Sérgio Ricardo Coutinho é mestre (UnB) e doutorando (UFG) em História Social; professor de “História da Igreja” no Instituto São Boaventura e de “Formação Política e Econômica do Brasil” e de “Teoria Política” no Centro Universitário IESB, em Brasília; membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA-Brasil). Eis o artigo. A renúncia do papa Bento XVI acontece em meio às comemorações dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Há cinquenta anos atrás também estava um “papa de transição” e que percebeu qual deveria ser a relação da Igreja com a sociedade, com o mundo, com a história. Desde as primeiras intervenções, João XXIII reafirmava a sua intenção de que o Concílio estivesse em continuidade com o ensinamento da Igreja e que o apresentasse a todos os homens, levando em conta, porém, os desvios, as exigências e as oportunidades do nosso tempo. Portanto, como disse Giuseppe Alberigo (1a), “não uma continuidade abstrata e atemporal, mas historicizada; com referência não só aos erros, mas também às novas instancias e possibilidades (...) uma continuidade que não fosse surda às mudanças da história, nem dominada pela categoria do erro”. Assim, João XXIII acentuou, então, as modificações dinâmicas iniciadas na sociedade mundial e na atitude positiva da fé cristã e da Igreja diante disso. Por isso, ele rejeitava com grande veemência a posição de quem via “nos tempos modernos tão só prevaricação e ruína”, e daí, um regresso em relação ao passado. Pelo contrário, declarou solenemente que tinha de discordar “desses profetas da desgraça”. Quarenta anos depois do encerramento do Concílio, um de seus peritos chegava ao pontificado sob o nome de Bento XVI. A escolha do nome já carrega em si um projeto: a recristianização do Ocidente. Um “novo” Bento de Núrcia. Diferentemente de João XXIII, seu pontificado de “transição” se manteve sim em continuidade com o ensinamento da Igreja, mas cometeu o mesmo equívoco de seu antecessor: uma continuidade surda aos “sinais dos tempos”. Seu desafio maior continuou sendo o mesmo de João Paulo II: como restaurar autoridade moral e política da Igreja diante de um mundo cada vez mais globalizado e secularizado? A resposta continuou a mesma: não há verdadeira civilização nem autêntica convivência humana fora de uma sociedade onde a Igreja dite as regras e os valores do viver social. Ou seja, não pode haver uma sociedade globalizadamente cristã fora dos princípios da Cristandade. A questão é que a secularização também penetrou fundo no interior da Igreja. Daí que seu pontificado foi quase que totalmente preocupado com as questões internas em vista das externas: a pedofilia no clero, o “vatileaks” e a luta por poder na Cúria Romana, os cismas explícitos (lefebvrianos) e implícitos (as “desobediências”), e o projeto de Nova Evangelização. Um dos maiores desafios foi o de retomar a credibilidade interna e externa agindo de forma firme e enérgica diante dos milhares de casos de abusos sexuais por parte de padres e religiosos, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Isto custou muito sofrimento não só às vítimas, mas também ao próprio papa (1). Estes fatos o convencem de uma coisa: só se poderá restaurar a “civilização cristã” com um clero fortalecido na moral e na obediência. De certa forma, isto explica a busca de diálogo e de retornar à comunhão com a Fraternidade São Pio X fundada pelo bispo tradicionalista Monsenhor Marcel Lefebvre. Ali encontraria um clero com identidade católica acima de qualquer suspeita. Primeiro, dois gestos de amizade e simpatia: o levantamento da excomunhão de quatro bispos da Fraternidade e a publicação do Motu Proprio que autorizava e restaurava a missa em latim. O resultado: os lefebvrianos continuam mais cismáticos do que nunca e não aceitam de forma alguma os termos de retorno à luz da aceitação do Concílio Vaticano II. Uma derrota de sua diplomacia que ele não contava (2). Outro passo nesta mesma direção: restaurar os Legionários de Cristo. Bento XVI, corajosamente, levou a cabo uma investigação, há muito interrompida, acerca do comportamento moral do fundador dos Legionários, o padre Marcial Maciel. Depois de sua morte, veio à tona ainda outros fatos mais impressionantes que deixaram o papa perplexo. Resultado: a nomeação de um interventor pontifício e a reforma das regras dos Legionários. Com o desejo de não perder as grandes bases econômicas deste Instituto, Bento XVI também queria dar continuidade a “fornada” de novos padres com forte identidade católica. Neste ponto, nos parece que sua ação teve sucesso (3). Por outro lado, teve que ver fortes manifestações de “desobediência” por parte de padres e teólogos “esclarecidos” (4). Tanto na sua terra natal como nas vizinhas Áustria e Suíça os padres fizeram um “Apelo à Desobediência”. O programa era bem conhecido: celibato dos padres, ordenação de mulheres, valorização do laicato, formação de pequenas comunidades, inclusão de casais de segunda união e de homoafetivos entre outros. O movimento alcançou um número impressionante de assinaturas. Bento XVI encarregou seu cardeal, agora papável, Christian Schönborn para acompanhar o caso mais de perto e “apelando para a obediência” (5). A maior desobediência talvez tenha vindo de dentro da própria Cúria Romana. Com o enfraquecimento e diminuição da importância política dos Legionários, outros dois grupos neointegristas avançam decididamente em busca do papado: o Opus Dei e o Comunhão e Libertação. O chamado “vatileaks” nada mais foi que a busca por informações privilegiadas em vista do xeque mate no jogo do próximo conclave, que já estava plenamente aberto na cara de Bento XVI (6). O discurso do papa aos recém purpurados em fevereiro de 2012, dava bem o tom de seu sentimento de decepção: quis propor aos novos cardeais uma imagem da Igreja incomparável com as lutas de poder, os negócios, a busca da glória e do carreirismo. (7). Bento XVI não teve força política, ou pelo menos não quis exercê-lo, para uma reforma profunda na Cúria. O jeito que encontrou foi tentar torná-la mais universal e menos europeia. O breve consistório de novembro do ano passado incluiu nomes vindos de regiões onde o catolicismo é minoritário e perseguido, mas muito florescente. (8). Ao nosso ver, o “golpe” de Bento XVI contra a Cúria teve dois atos: o primeiro foi este, o segundo foi a sua surpreendente renúncia. Finalmente, como uma espécie de herança destes breves 7 anos de pontificado, Bento XVI deixa por implementar o projeto de Nova Evangelização. A questão é saber se Nova Evangelização é um novo termo mais palatável para o mesmo projeto de Cristandade ou se é realmente algo “novo”, no sentido de uma Igreja à serviço do mundo na linha da Gaudim et Spes. Em artigo nosso anterior, sobre as Proposições do Sínodo sobre a Nova Evangelização, encontramos ali alguma coisa sobre este projeto, ou melhor, sobre as relações entre Igreja e sociedade, entre Igreja e mundo, entre Igreja e história. Como a imensa maioria dos bispos e cardeais foram feitos, nestes últimos 35 anos, por João Paulo II e Bento XVI, precisaremos ficar atentos quando da alocução Urbi et Orbi do novo papa eleito, em fins de março próximo, pois ali estará explicitado seu “programa de governo” e pode muito bem ser este: “Somos cristãos vivendo em um mundo secularizado. Considerando que o mundo é e continua sendo a criação de Deus, a secularização se insere na esfera da cultura humana. Como cristãos, não podemos ficar indiferentes ao processo de secularização. Estamos, de fato, em uma situação semelhante à dos primeiros cristãos e, como tal, devemos ver isso tanto como desafio e possibilidade. Vivemos neste mundo, mas não somos deste mundo (cf. Jo 15, 19;17, 11-16). O mundo é criação de Deus e manifesta seu amor. Em e através de Jesus Cristo, recebemos a salvação de Deus e somos capazes de discernir o progresso de sua criação. Jesus abre as portas para nós de novo, de modo que, sem medo, possamos abraçar amorosamente as feridas da Igreja e do mundo (cf. Bento XVI) (Prop. 8). (...) A mensagem de verdade e de beleza [do Evangelho] pode ajudar as pessoas a fugir da solidão e da falta de sentido onde muitas vezes estão relegadas nas condições da sociedade pós-moderna. Portanto, os crentes devem se esforçar para mostrar ao mundo o esplendor de uma humanidade baseada no mistério de Cristo. (Prop. 13) (...) Em um mundo que está cindido por guerras e violência, um mundo ferido por um individualismo muito difundido, que separa os seres humanos entre si, e coloca um contra o outro, a Igreja deve desempenhar o seu ministério de reconciliação de maneira calma e firme. (...) a Igreja tem que fazer um esforço para derrubar os muros que separam os seres humanos. (...) ela tem que pregar a novidade do Evangelho salvífico de Nosso Senhor, que veio para nos libertar de nossos pecados e para nos convidar a construir a paz, harmonia e justiça entre os povos”. (Prop. 14) Sexta, 15 de fevereiro de 2013 ''Voltar ao Concílio, bússola para a Igreja do futuro'', afirma Bento XVI "A mídia oferece uma imagem distorcida do Concílio. Agora, é necessária uma leitura do espírito do Vaticano II", afirmou Bento XVI no seu último encontro com os padres de Roma. A reportagem é do sítio Vatican Insider, 14-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O papa contou no encontro com o clero romano, na manhã desta quinta-feira, 14 de fevereiro, na Sala Paulo VI, o seu Concílio como jovem perito e adentrou na interpretação do seu significado, indicando-o como ponto de referência para retomar o tema da renovação da Igreja. Antes da sua intervenção após as palavras do cardeal vigário Agostino Vallini, o papa disse aos sacerdotes de Roma: "Obrigado a vocês, obrigado pelo seu afeto. Retiro-me, mas permaneço próximo de vocês". Não foi, portanto, uma catequese, mas sim um testemunho humano e espiritual da cotidianidade do Concílio. O jovem padre e teólogo Ratziger que vai a Roma para fazer uma experiência da universalidade da Igreja, colabora com o cardeal Frings em contato com os 2.500 bispos presentes em Roma, na dimensão universal do cristianismo. Depois, lembrou a emoção de poder conhecer e falar com grandes teólogos como De Lubac e Daniélou. No Concílio, disse o papa, ''todos acreditávamos que se devia prosseguir na renovação, um novo Pentecostes" para a Igreja. E, com efeito, os seus frutos levaram a afirmar que "nós somos a Igreja, todos juntos, não uma estrutura. Nós, cristãos, somos o corpo da Igreja". O pontífice recordou, depois, as discussões sobre o conceito de "colegialidade" na Igreja, afirmando que, nos trabalhos conciliares, houve, talvez, sobre esse tema "uma discussão exagerada, talvez furiosa". Mas, esclareceu, "não se tratou de uma luta de poder, mas sim uma busca de completude no corpo da Igreja", afirmando que os bispos são um "elemento portante da Igreja". Há ainda "muito a fazer para se chegar a uma leitura das Sagradas Escrituras no espírito do Concílio, ela ainda não está completa", acrescentou Bento XVI na sua longa lectio, citando o seu livro sobre Jesus. Referências importantes à liturgia (Sacrosanctum Concilium), à Igreja (Lumen Gentium) e à Palavra de Deus revelada ao ser humano (Dei Verbum), fundamento de uma reflexão que uniu a mensagem de salvação de Cristo morto e ressuscitado, a longa tradição da Igreja e a história da Igreja na história da humanidade. Com Gaudium et Spes, Dignitatis Humanae e Nostra Aetate, compõe-se uma grande trilogia de documentos do Vaticano II, disse o Papa Ratzinger. Eles deram um impulso importante para definir o diálogo na diferença e na diversidade como momento fundamental para o desenvolvimento do ser humano, na confirmação da fé da unicidade de Cristo. No diálogo, porém, compreende-se como é sempre necessário um espírito de diálogo, porque em toda experiência religiosa há uma luz que ilumina todo ser humano. Finalmente, uma crítica aos meios de comunicação, que, nos anos 1960, relataram um Concílio Vaticano II "virtual", focando a atenção na "soberania popular". Uma interpretação que deu passagem a "tantas calamidades, tantos problemas, tantas misérias: seminários fechados, conventos fechados, liturgia banalizada". Sexta, 15 de fevereiro de 2013 Com bom humor, Bento XVI passeia pelas estradas da memória Um papa também é o bispo de Roma e, nessa quinta-feira, Bento XVI teve seu último encontro com o clero da sua diocese em uma sessão lotada com os padres de Roma realizada na sala de audiências Paulo VI, no Vaticano. A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 14-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Foi um encontro planejado para falar sobre as experiências de Bento XVI no Concílio Vaticano II (1962-1965), onde o jovem Joseph Ratzinger atuou em todas as quatro sessões como perito em teologia. No contexto das últimas 72 horas, no entanto, ele também se tornou uma emotiva despedida ao primeiro bispo de Roma a renunciar ao seu ofício em séculos. Sentado a uma mesa no palco do salão, Bento XVI falou de improviso, sem um texto preparado. Ele começou agradecendo o clero pelo seu apoio. "Mesmo que eu me retire agora, vou ficar perto de vocês, assim como eu tenho certeza que vocês ficarão perto de mim", disse Bento XVI, "mesmo que eu permaneça escondido para o mundo". Foi uma sessão marcante, em que Bento XVI exibiu uma informalidade e um senso de humor raramente vistos em público. O papa lembrou que, quando era um jovem teólogo, o cardeal Joseph Frings, de Colônia, pediu-lhe para ajudar a preparar um discurso expondo uma visão para o Vaticano II, que estabeleceu um programa de reformas. Mais tarde, Frings levou Ratzinger consigo para Roma, e, enquanto se aproximavam do Vaticano para uma cerimônia, Frings estava nervoso pelo fato do seu discurso ter ido longe demais. "Esta pode ser a última vez que eu uso a púrpura", disse a Ratzinger, no sentido de que talvez seria deposto como bispo. Ao invés, disse Bento XVI, o Papa João XXIII o abraçou e disse: "Sua Eminência, obrigado pelo seu discurso. O senhor disse exatamente o que eu queria dizer, mas não conseguia encontrar as palavras". Essa anedota trouxe risos e aplausos por toda a sala. Bento XVI continuou lembrando outras memórias do Concílio, incluindo encontros com vários leões do período conciliar – teólogos, prelados e outros luminares. "Foi uma experiência da universalidade da Igreja e das realidades concretas da Igreja, que não são simples", disse. A visão geral de Bento XVI sobre como o Vaticano II evoluiu, resumiu basicamente os destaques da maioria das histórias-padrão. Os mais bem preparados de antemão, disse, eram os bispos de França, da Alemanha, da Bélgica e da Holanda, e eles assumiram o controle das fases iniciais do Concílio, preparando o palco para as reformas que viriam. O ato de abertura foi formado por debates sobre a liturgia, com base em uma renovação que começou com o Papa Pio XII, que se abriu para outros assuntos. "Eu fiquei feliz porque começou com a liturgia, porque assim o primado de Deus ficou claro", disse Bento XVI. "O primeiro ato substancial foi falar sobre Deus e sobre a adoração de Deus na liturgia comunitária centrada no corpo e no sangue de Cristo." Bento XVI passou a esboçar algumas das grandes ideias do Vaticano II sobre a liturgia: • A restauração da Páscoa e do espírito da Páscoa ao centro da vida cristã, especialmente o encontro com o Cristo ressuscitado; • A inteligibilidade do culto; • A participação ativa na liturgia. "Esses princípios, às vezes, foram mal compreendidos", disse Bento XVI. "Inteligibilidade não significa banalidade". O papa disse que uma formação permanente é necessária para realmente entender o que "significa inteligibilidade". Bento XVI, então, se voltou para o ensino do Vaticano II sobre a Igreja, dizendo que o período pós-Segunda Guerra Mundial trouxe um foco renovado sobre a Igreja no pensamento católico. "A Igreja não é uma organização, algo de estrutural, jurídico, institucional, isso também, mas sim um organismo. É uma realidade vital, que entra na minha alma", afirmou. Bento XVI notou a ironia de que a ideia de que "nós somos a Igreja" também cresceu nesse contexto. Essa frase tem sido usada por alguns dos mais ferozes críticos de Bento XVI da esquerda católica: "Nós somos Igreja" é o nome do maior movimento de reforma católica da Europa. No entanto, Bento XVI insistiu que ela não se refere a "algum grupo que se declara Igreja", mas sim à inserção pessoal dos fiéis na comunidade maior da Igreja. Bento XVI abordou o tema da colegialidade, ou seja, a autoridade compartilhada na Igreja entre os bispos, em vez de algo exclusivamente concentrado no topo. "A muitos, ela parecia ser como uma luta de poder", disse, "mas, substancialmente, é uma questão de complementaridade". Ele disse que deveria haver um equilíbrio. Bento XVI também refletiu sobre o termo "Povo de Deus", dizendo que o Concílio quis vinculá-lo ao conceito de comunhão, que encontra a sua máxima expressão na Eucaristia. Voltando-se para a revelação divina, Bento XVI disse que os debates sobre a relação entre Escritura e Tradição foram "conflituosos". Os biblistas, disse, queriam mais liberdade para explorar os textos sem serem submetidos todas as vezes ao magistério, ou seja, à autoridade do ensino da Igreja. "A Igreja é o sujeito vivo da Escritura", afirmou. "Sem a Igreja, a Escritura é apenas um livro e se abre a diversas interpretações e não oferece uma clareza definitiva". Bento XVI expressou admiração pela "delicadeza" com que o Papa Paulo VI tentou encontrar um equilíbrio durante o Concílio, ajudando a navegar entre suas tensões. Bento XVI lembrou de memória a fórmula em latim sobre a revelação que o Concílio adotou. Hoje, disse o papa, a exegese bíblica tende a ler a Bíblia à parte da Igreja, confiando somente no método histórico-crítico. Ao contrário, disse, ela deve ser lida de dentro da Igreja e à luz da fé "Há muito a fazer para chegar a uma leitura realmente no espírito do Concílio", afirmou. Sobre o ecumenismo, Bento XVI disse que o impulso à unidade dos cristãos parecia uma prioridade óbvia, "acima de tudo, depois da paixão dos cristãos durante a época do nazismo". Bento XVI disse que, nas fases posteriores do Concílio, os bispos de outras partes do mundo desempenharam um papel mais forte. Os norte-americanos, afirmou, estiveram especialmente envolvidos no impulso ao reconhecimento da liberdade religiosa. "Não podemos voltar para casa sem uma declaração sobre a liberdade religiosa em nossas malas", disse o papa, citando seus colegas norte-americanos. Bento XVI elogiou a Gaudium et Spes por destacar a relação entre a escatologia cristã e o progresso social. O papa também descreveu as tensões dentro do Vaticano II acerca do documento sobre as relações com as outras religiões, Nostra Aetate. O cardeal Agostino Vallini, vigário da diocese de Roma, saudou Bento XVI, dizendo-lhe que o clero romano reagiu à sua decisão tanto com "tristeza e respeito", assim como com "admiração e pesar". Claramente emocionado, Vallini disse que eles "amam verdadeiramente" o papa e prometeu rezar por ele. Bento XVI encerrou lamentando a forma como o Concílio, às vezes, foi popularmente entendido. "O Concílio dos jornalistas se realizou dentro das categorias dos meios de comunicação de hoje, uma hermenêutica política. Para eles, o Concílio era uma luta política, uma luta de poder, e era natural que eles tomassem posição mais próximas do mundo em que viviam". Especificamente, Bento XVI citou ideias como a descentralização da Igreja, mais poder para os bispos, e a expressão "Povo de Deus" como abreviação para um maior poder aos leigos como pontos que ganharam importância nessa agenda. Bento XVI sugeriu que as apresentações midiáticas do Concílio muitas vezes levaram a interpretações equivocadas e excessos. "Esse Concílio dos meios de comunicação era acessível a todos, e criou inúmeros problemas. Ele criou muitas misérias, seminários fechados, conventos fechados, a liturgia banalizada. O Concílio real teve grande dificuldade para se realizar, porque o Concílio virtual era mais poderoso". "Cinquenta anos depois do Vaticano II, vemos como esse Concílio virtual separou as coisas", afirmou. "Temos que trabalhar para que o Concílio real, com o Espírito Santo, se realize". Sexta, 15 de fevereiro de 2013 A reforma da Igreja é possível: agora está demonstrado Bento XVI disse e "mostrou em ato" que a figura eclesial está sempre historicamente em devir. São palavras que sugerem, portanto, a possibilidade de inovar também uma instituição complexa e secular como a Igreja Católica Romana. A opinião é da teóloga italiana Serena Noceti, professora da Faculdade Teológica da Itália Central, em artigo publicado no jornal L'Unità, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Bento XVI, tendo se tornado papa depois de ter dedicado a sua vida a pensar a fé como teólogo e como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, desenvolveu o seu ministério acima de tudo em torno da força da palavra. A palavra como suporte de um magistério decidido e de autoridade, voltado a definir a doutrina da verdade em um contexto sociocultural, principalmente europeu, de céleres mudanças e de contornos cada vez mais fluidos, em uma modernidade tardia que vê no devir contínuo e na lógica do "outro possível" a figura mais profunda da sua identidade e natureza. Se o seu antecessor havia confiado ao gesto e a atos simbólicos de impacto imediato, à visibilidade do corpo e não só às palavras, a sua mensagem ao mundo, Joseph Ratzinger, tendo se tornado papa, manteve a palavra (dos textos escritos e da pregação) como meio principal para o seu comunicar. Na conclusão do seu pontificado, ele põe uma palavra solene "com plena liberdade, declaro renunciar ao ministério de bispo de Roma, sucessor de São Pedro", que – com força performativa – poderia gerar cenários inéditos para a vida da Igreja Católica. A história registra outros casos de renúncia por parte de pontífices, mas o sentido e o contexto mais profundo dessa passagem devem ser traçados na visão eclesiológica do Concílio Vaticano II, que define, indubitavelmente, um contexto diferente do ocorrido com Celestino V ou para outros papas. O modo de pensar o episcopado, a relação entre papa e colégio dos bispos, a articulação entre Igrejas locais e Igreja universal (e, portanto, o papel da Cúria Romana) saem do evento conciliar e das páginas dos documentos do Vaticano II profundamente repensados. Mas a decisão de Bento XVI se coloca ainda mais dentro da profunda mudança ocorrida na autoconsciência eclesial e eclesiológica com o Vaticano II: é uma Igreja que se pensa segundo uma historicidade real. O Vaticano II chamou à permanente renovação e à sempre necessária reforma, porque a Igreja é um sujeito que evolui, cresce, se transforma, cujas formas de existência, de pensamento, de gestão do poder e da autoridade, cujas instituições são todas marcadas pela figura fugaz deste mundo (cf. Lumen gentium, 48). Diante do que, aos olhos do mundo, parecia, no fundo, em grande parte, inamovível, marcado por uma perenidade de formas e de tradições soldadas pela sua secularidade (e, por isso, largamente incompreensível para muitos, mas certamente reconfortantes em uma civilização da mudança e do risco), a palavra de Bento XVI criou um espaço de interrupção real, deslocante e pedagógica, que evoca uma "possibilidade outra" com relação ao usual, capaz, por isso, de produzir uma mudança real. Ele disse e "mostrou em ato" que a figura eclesial está sempre historicamente em devir. São palavras que sugerem, portanto, a possibilidade de inovar também uma instituição complexa e secular como a Igreja Católica Romana. É esse o desafio eclesial ao qual o papa remete, em primeiro lugar, o conclave e os seus sucessores, mas também a Igreja inteira em todos os seus componentes. E a sua palavra-ato reenvia ao coração da reforma necessária: de um lado, a grande questão das modalidades de governo na Igreja, as formas de exercício da colegialidade episcopal e o papel específico dos órgãos que estão a serviço da Igreja universal; de outro, o princípio que regenera a Igreja, o anúncio evangélico. Porque não é suficiente limitar-se a uma adequação das estruturas e dos institutos já existentes, mas é preciso olhar para os processos, para as dinâmicas, que "fazem a Igreja", e orientar sobre eles a necessária renovação das formas eclesiais. Os processos de reforma nunca são indolores e se deparam com uma natural resistência à mudança que marca todas as grandes instituições, ainda mais aquelas ricas em uma história secular: ceder à tentação de repetir o passado, indultar em prudência, ou limitar-se a uma cautelosa hesitação significaria, no fundo, trair a verdadeira natureza da Igreja. A escolha do Papa Bento XVI ensina, também nisso, a conjugar a consciência lúcida da fragilidade e do limite à igualmente consciente liberdade e esperança. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 'É ilusório querer reconduzir os cristãos para dentro do sistema eclesiástico atual', diz Hans Küng "A Cúria é o obstáculo principal da renovação da Igreja, do diálogo ecumênico e de uma abertura ao mundo moderno", constata Hans Küng, teólogo, em entrevista concedida a Andrea Tarquini e publicada pelo jornal La Repubblica, 14-02-2013. A tradução é do Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Eis a entrevista. Professor Küng, o senhor sempre contestou a infalibilidade papal. O que significa a renúncia do Papa? É uma desmitização somente para aqueles que veem no Papa um vice-Deus na Terra, e não tomam em consideração que também o Papa é somente um homem, e por isso, por força das coisas, o seu magistério é limitado pelo tempo. A renúncia é o ato mais importante do seu pontificado? Presumo que o pontificado de Joseph Ratzinger permanecerá na História da Igreja porque ele foi o primeiro Papa no tempo moderno que decidiu renunciar. Por isso ele permanecerá nos Anais. A renúncia e as palavras do Papa abrem novas esperanças? Abre a esperança que finalmente agora a crise da Igreja católica e do papel do Pontífice sejam reconhecidas também no Vaticano. O perigo é que Ratzinger, permanecendo em Roma, assuma de fato o papel de um papa-sombra. Eu preferia que ele optasse por retirar em meditação e oração na Baviera. Permanecendo em Roma, contatos, conversas, são inevitáveis. Já constrangedor se numa paróquia o velho pároco permanece junto com o novo. Imaginemos um velho papa ao lado do novo. O que espera do próximo Conclave? Ele poderá dar um impulso somente se os cardeais aceitarem a análise, exposta no meu livro “A Igreja ainda tem salvação?” (Editora Paulus, 2012), e tomarem consciência da profunda crise da Igreja católica e enfrentarem o tema central da vida do catolicismo. Qual será o papel de Bento XVI, depois das suas palavras proferidas na Audiência Geral e na homilia da Missa de Quarta-Feira de Cinzas? Ele não participará do Conclave, mas espero que ele não jogue nenhum papel no novo Pontificado. Caso contrário, criar-se-ão novas e perigosas polarizações entre os que sustentam o novo Papa e os seguidores do velho Papa. Isto tornaria impossível um governo unitário da Igreja. Um Papa mais jovem seria desejável? O novo Papa não deveria ser muito velho, mas, ao mesmo tempo, não precisa ser jovem para depois ficar no pontificado por 20 ou 30 anos. Um pontificado longo levaria a uma petrificação da Igreja. E seria melhor um Papa não europeu? Donde ele virá, não é importante. O que conta é que não acabe por ser “romanizado” e “curializado”. Ratzinger não era de Roma mas se tornou o mais romano dos romanos e da Cúria. Se um Papa alemão ou negro termina por ser integrado no sistema da Cúria, a sua origem não diz nada. Deseja que os futuros Papas se preparem para não ficarem no poder até a morte? A regra da idade dos bispos, 75 anos, deveria valer também para o bispo de Roma. A partir dos 75 anos os bispos devem deixar a pastoreio da diocese. Essa regra foi introduzida pela cardeal Suenens (arcebispo de Bruxelas-Malines, Bélgica, e um dos quatro moderadores do Concílio Vaticano II. Nota da IHU On-Line). Ele pediu que fosse excluído da regra o Bispo de Roma, o Pontífice. Ele me disse que se não tivesse introduzido esta exceção, a regra não teria sido aprovada pela maioria. Agora constatamos o quanto é negativo que um Papa permaneça por tanto tempo no cargo. O seu balanço deste pontificado é negativo? Temo que, provavelmente, permanecerá na História com um balanço negativo, com deficiências e limites, e ocasiões perdidas. O caso do bispo antisemita Williamson, ou o não acordo sobre uma maior compreensão com as igreja ortodoxas e protestantes. Crise das vocações, êxodo dos fieis: a crise da Igreja é dramática. O novo Papa como deve afrontá-la? Em latim se diz: “Ceterum censeo romanam curiam esse reformandam”. Depende se a Corte medieval-barroca vaticana poderá ser transformada numa moderna, eficiente administração central da Igreja. É preciso começar da base e ver o que acontece. É ilusório querer reconduzir os cristãos para dentro do sistema eclesiástico atual. A Cúria romana era contra o Concílio Vaticano II antes que fosse anunciado. Durante o Concílio impediu o que não apreciava e depois guiou a restauração com os efeitos devastadores da crise. Se essa Cúria não será reformada e transformada em centro eficiente, qualquer reforma será impossível. A Cúria é o obstáculo principal da renovação da Igreja, do diálogo ecumênico e de uma abertura ao mundo moderno. A sua análise recorda o Império soviético que caiu. Pensa em processos semelhantes? O destino da União Soviética, a sua implosão, deveria servir com uma admoestação para o Conclave. É muito importante que os cardeais não discutam se isolando do mundo. Sobretudo antes do Conclave. No último Conclave, Ratzinger disciplinou a todos. Isso não deve se repetir se se quiser uma atmosfera livre que propicie a discussão no colégio dos cardeais. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 Cardeal diz que escândalos podem ter influenciado a renúncia de Bento XVI Repetidamente ao longo dos últimos três dias, as agências de notícias me pediram para comentar sobre a seguinte questão: será que Bento XVI realmente renunciou só porque ele está velho e cansado, ou foi realmente por causa da crise dos abusos sexuais, da bagunça do Vatileaks e de vários outros colapsos ocorridos sob a sua supervisão? A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. A minha resposta foi: nem uma coisa nem outra. Bento XVI pode não ter renunciado "por causa" dos escândalos de pedofilia ou por qualquer outra polêmica específica, mas é difícil acreditar que eles não tiveram um papel, ao menos como pano de fundo. Certamente pode-se acreditar na palavra de Bento XVI de que ele sente que as suas forças estão desaparecendo e também acreditar simplesmente que ele não tem mais a capacidade para fazer o trabalho. No entanto, desafia a realidade acreditar que as várias fontes de turbulência nos últimos sete anos não cobraram o seu preço e que elas ajudam a explicar a fadiga que ele sente agora. É claro que elas lhe causaram angústia. Ainda em 2009, quando a sua decisão de revogar a excomunhão de quatro bispos tradicionalistas desencadeou uma tempestade global quando descobriu-se que um deles era um negacionista do Holocausto, Bento XVI enviou uma carta a todos os bispos do mundo para explicar o que havia acontecido. Ele se desculpou pelo tratamento dado pelo Vaticano à situação e confessou abertamente a sua própria consternação diante da crítica que isso desencadeou. "Fiquei entristecido pelo fato de que até mesmo católicos, que no fundo poderiam saber melhor como estão as coisas, se sentiram no dever de atacar-me e com uma hostilidade pronta ao ataque", escreveu ele em um ponto. Em outro, ele disse que sentia que havia sido tratado em alguns setores "com ódio, sem temor ou reserva". Bento XVI é um realista e, sem dúvida, reconhece que os acidentes, como o caso Williamson, sugerem que algo precisa ser corrigido na gestão interna do Vaticano. Sua renúncia sugere que, dada a sua idade e talvez o seu conjunto de habilidades, ele concluiu que não é o único que pode corrigi-la. Hoje, houve uma espécie de semiconfirmação dessa leitura dos eventos por parte do cardeal português José Saraiva Martins, um membro veterano do Vaticano, de 80 anos e que, portanto, não vai participar do próximo conclave. O jornalista italiano Andrea Tornielli perguntou a Saraiva Martins se o Vatileaks e os outros escândalos dos últimos anos podem ter feito parte da razão pela qual Bento XVI chegou a essa decisão. "Eu imagino que também possam ter influenciado", disse Saraiva Martins. Com o avanço das revelações, não se trata exatamente de algo surpreendente. No entanto, é a primeira vez que um cardeal vaticano disse em voz alta o que quase todo mundo acredita: o papa não vive no vácuo e, se ele se encontra fraco, a longa lista de incêndios que ele se esforçou para apagar deve fazer parte da razão que explica isso. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 A reforma fracassada da Cúria e as últimas angústias do papa Nos dias seguintes, da discrição hermética do apartamento papal começam a vazar alguns elementos que ajudam a entender a decisão extraordinária de Bento XVI e os mecanismos que o levaram àquela que uma pessoa próxima a ele não hesita em definir como "uma decisão traumática" para a Igreja. A reportagem é de Marco Tosatti, publicada no jornal La Stampa, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O pensamento da possibilidade de renunciar estava na mente do papa como possibilidade há algum tempo, mas essa reflexão se concretizou de maneira definitiva, segundo quem o conhece, em torno da Epifania. O detonador foi a conscientização de um progressivo, mas contínuo, enfraquecimento das suas forças. Já desde o verão passado, observa-se, o ritmo das audiências se diluiu muito. Nas visitas ad limina, foram cortadas as conversas com os bispos individuais, para não cansar Bento XVI. E, embora tenha estado presente durante o Sínodo dos Bispos do outono europeu, muitas vezes ele parecia exausto. A decisão foi amadurecida sem consultar ninguém. Os primeiros a serem informados foram – há cerca de 20 dias, segundo as nossas informações – o cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, e o secretário particular, Dom Georg Gänswein. Posteriormente, o cerimonialista do papa, Mons. Guido Marini, foi posto a par do segredo; e, finalmente, há três dias, o ex-secretário de Estado e decano do Sacro Colégio, o cardeal Angelo Sodano. Já se falou sobre os problemas físicos do papa ; o coração, a pressão em certos momentos quase fora de controle, o quadril e o joelho, o temor de que pudesse se repetir o derrame que o atingiu em um verão do início dos anos 1990 em Bressanone, enquanto estava de férias no seminário diocesano com o seu irmão Georg. Mas quem o conhece também fala de uma característica sua, que o acompanhou durante toda a sua vida, isto é, a tendência a somatizar problemas e dificuldades da Igreja. E também do seu desejo de ver implementadas algumas reformas, mas que ele não conseguiu pôr em obras. Há quem pense que ele se sentiu um pouco sufocado e não suficientemente apoiado e garantido em particular no que se referia ao governo da Igreja. Ele conhece a fidelidade do secretário de Estado, Bertone, mas se sentiu cada vez mais exposto justamente naquele que era o seu (do papa) lado fraco, ou seja, o governo. Bento XVI estava bem consciente de que a primeira reforma necessária seria a da Cúria Romana, onde a sistematização de Paulo VI começa a mostrar todo o peso dos anos. Mas ele não foi capaz de organizá-la, e esse é um arrependimento. Assim como não teve a energia, e os instrumentos "políticos" necessários, para implementar a reforma das conferências episcopais, que já assumiram um poder tal a ponto de muitas vezes pôr em dúvida o papel de Roma. Quando era cardeal, ele falou longamente sobre esse problema, mas como papa não conseguiu enfrentá-lo e se sentiu prisioneiro de mecanismos que não conseguia modificar. Ele realizou muitas coisas como Magistério e também na liturgia. Mas foi posto em cima dele – e ele viveu isso com desconforto – uma parte do manto de João Paulo II, com comportamentos e compromissos que não lhe eram agradáveis, que o cansaram física e psicologicamente. E, por fim, houve a Comissão sobre o Vatileaks. Sobre esse ponto, não há achados pontuais, mas pessoas próximas a ele estão convencidas de que Bento XVI ficou profundamente ferido, psicologicamente, até mesmo com um efeito de prostração a partir do quadro que a Comissão dos três cardeais lhe apresentou sobre o estado da Cúria Romana. Agravado pela emergência de problemas contínuos de gestão, que evidenciavam uma crise de capacidade de governo. Do San Raffaele ao IOR, até a questão do IDI [Istituto Dermopatico dell'Immacolata] destes dias. Um crescendo que o convenceu da necessidade de confiar a Igreja a mãos menos gastas e cansa. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 Wojtyla e o ''não'' à renúncia: ''Um precedente perigoso'' A renúncia do papa é "um precedente perigoso". Com essas palavras, Karol Wojtyla definiu a possibilidade de deixar o cargo. Por essa razão, ele decidiu não renunciar. É o que se lê em uma nota do cardeal Julián Herranz, especialista em direito canônico, purpurado que, em 2004, foi secretamente consultado por João Paulo II para discutir a hipótese da demissão. Herranz, proveniente do clero do Opus Dei, é o cardeal ao qual Bento XVI confiou a investigação interna sobre o Vatileaks. A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no jornal La Stampa, 13-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O purpurado espanhol, em 2006, havia publicado um grosso volume intitulado Nei dintorni di Gerico [Nos arredores de Jericó] (Edizioni Ares). No livro, Herranz conta como foi interpelado no fim do pontificado wojtyliano e reporta o conteúdo de uma nota pessoal escrita por ele no dia 17 de dezembro de 2004. Não ignoremos a data: falta pouco mais de um mês para a primeira grave crise que levará, pela primeira vez, João Paulo II ao Hospital Gemelli. Justamente naqueles dias, os empregados da Secretaria de Estado foram informados do fato de que as férias de janeiro seriam suspensas porque era evidente que, para o pontífice, começava uma fase crítica e final da doença. O cardeal escreveu a nota "depois de uma conversa" com o secretário particular de Wojtyla, Stanislaw Dziwisz, hoje arcebispo de Cracóvia. "Quanto à eventualidade de renunciar por motivos de saúde, eu escrevi naquela nota – e agora me parece oportuno fazê-lo conhecer, como exemplo da obediência e da prudência heroicas de João Paulo II: "Ele (Dom Stanislaw) se limitou a comentar que o papa – que pessoalmente está muito distante do cargo – vive abandonado à vontade de Deus. Ele se confia à divina Providência. Além disso, ele teme criar um precedente perigoso para os seus sucessores, porque poderiam ser expostos a manobras e pressões sutis por parte de quem desejasse depô-lo". Portanto, o Papa Wojtyla, apesar da prolongada decadência física e da doença debilitante, havia decidido não deixar o pontificado para não criar um precedente considerado "perigoso" – ao menos nas palavras atribuídas a ele pelo seu secretário – e para não expor eventualmente um sucessor às manobras e às pressões. Todas motivações que certamente Joseph Ratzinger levou em consideração, tendo vivido justamente naqueles anos ao lado do papa polonês por ele proclamado beato em 2011. Apesar disso, ele não as considerou relevantes para o seu caso. Até porque a decisão da renúncia foi tomada não sob o impulso de uma grave doença ou sob a pressão de qualquer rede de poder interno. Foi tomado, ao invés, em absoluta liberdade e autonomia. A discreta investigação de 2004 foi apenas a última de uma longa série: desde 2001, de fato, João Paulo II havia considerado seriamente a possibilidade da renúncia, concluindo sempre que era melhor adiar. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 A renúncia abre um cenário que apresenta incógnitas O papa cessante quis submeter a uma prova extrema o sistema de governo central da Igreja, que, nos últimos anos, de João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras. A análise é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. A renúncia de Bento XVI do pontificado é um fato único, não raro, na história do pontificado moderno. O único paralelo possível é com a renúncia de Celestino V, em 1294, que se demitiu depois de apenas alguns meses e em uma Igreja que à época estava geograficamente limitada ao mundo europeu, mas sobretudo italiano, quando a Sé Apostólica era mais um reino temporal do que um ministério espiritual global como hoje, especialmente desde o fim do poder temporal do papa em diante. Um dos cenários sobre os quais é possível fazer apenas hipóteses é o que se refere à "coabitação" entre dois papas, o papa recém-eleito pelo próximo conclave e o papa cessante, Bento XVI. Qual será o estilo de vida do papa emérito? Continuará publicando livros, editados e publicados em várias línguas pela fundação a ele intitulada? O seu sucessor o consultará, citará os seus ensinamentos, continuará a sua agenda, perceberá a sua sombra? O que será do inner circle ratzingeriano, no Vaticano e na Igreja mundial? Além desses elementos de logística do pontificado emérito, há questões menos visíveis, mas não menos cruciais. O pontificado romano, de fato, evoluiu nas últimas décadas na direção de um ministério espiritual, mas mantém fortes e visíveis elementos de poder na Igreja: alguns codificados, alguns incodificáveis. Entre os elementos não codificados por não serem codificáveis está o fato de que todo papa da era moderna cria um séquito seu, muito mais importante do que o que pode ser contabilizado pelos "seguidores" do Twitter. O papa hoje tem, graças também aos meios de comunicação de massa, um séquito midiático, um séquito espiritual, herdeiros teológicos, admiradores ideológicos e clientes dentro do sistema de poder da Cúria Romana. Cada um desses séquitos deverá (conscientemente ou não) escolher entre a fidelidade à pessoa de Joseph Ratzinger, ex-papa ou "papa emérito", e a fidelidade ao novo papa, e deverá escolher de um modo muito mais rápido do que no caso de nova eleição do papa pela morte do seu antecessor. Em outros tempos, teria se falado sobre o risco de um cisma dentro do catolicismo, entre a obediência a Bento XVI e a obediência ao antipapa recém-eleito. Mas não há dúvida de que a coabitação é um cenário que apresenta incógnitas. Se, do ponto de vista espiritual e cultural é uma operação dolorosa, mas possível para todo fiel católico, do ponto de vista funcional o refinado spoils system da Cúria Romana enfrenta uma prova sem precedentes. O papa cessante quis submeter assim a uma prova extrema o sistema de governo central da Igreja, que, nos últimos anos, de João Paulo II em diante, mostrou muitas rachaduras. Na semana passada, o arcebispo Gomez, de Los Angeles, havia se permitido censurar publicamente o seu predecessor, o cardeal da Santa Igreja Romana Mahony, pela gestão do escândalo dos abusos sexuais. Mas o cardeal Mahony poderá participar do conclave, com todo o respeito ao seu arcebispo. As coabitações são muito difíceis em uma Igreja ainda amplamente monárquica. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 “Um antes e um depois de Bento XVI", constata historiador “Para mim, há verdadeiramente um antes e um depois de Bento XVI: doravante, o papa poderá renunciar ao seu cargo caso se sentir oprimido pelo ritmo da modernidade. Ele será confrontado com o prazo da sua fraqueza. É uma verdadeira modernidade”. A reflexão é de Philippe Levillain analisando a renúncia de Bento XVI. Philippe Levillain é historiador especialista do catolicismo e do papado, membro da Academia das Ciências Morais e Políticas e professor emérito da Universidade Paris Ouest Nanterre-La Défense. A entrevista é de Anne-Judith Dana e está publicada no sítio da revista francesa La Vie, 13-02-2013. A tradução é do Cepat. Bento XVI declarou não ter mais as forças necessárias para exercer suas funções de chefe da Igreja. No que elas estão esgotadas? O papa é ao mesmo tempo chefe espiritual, uma vez que é o guardião do depósito e da interpretação da fé, e chefe de Estado: ele recebe em audiência, preside sessões, escreveu livros, e viaja, desde que Paulo VI visitou a Terra Santa, em 1964. Embora eleito pelo voto indireto, tem a vida de um Presidente à frente de um Estado sem fronteiras povoado por um bilhão de católicos. A renúncia sempre fez parte do horizonte de governo de Bento XVI: na minha opinião, desde os primeiros dias de seu pontificado ele pensava nisso como uma possibilidade que lhe permitiria retomar sua qualidade de homem comum, caso se sentisse muito cansado. Ele aceitou a responsabilidade, porque ele sentiu nisso o caminho da Providência: ele foi eleito por uma boa margem de votos. É um dever ao qual não se furta. Mas eu penso que ele não julgou ser útil oferecer ao mundo um novo espetáculo de papa agonizante, como João Paulo II, que, durante cinco anos, realmente não governou a Igreja porque estava doente. Qual deverá ser o perfil do próximo papa? Ele terá menos de 75 anos. Será teólogo, poliglota, como Bento XVI, e deverá adaptar a linguagem da Igreja à linguagem do mundo, como o Vaticano II o pretendeu e que foi difícil realizar. Que impacto a renúncia terá sobre a visão que teremos sobre a Igreja? Teremos a imagem de uma Igreja moderna onde o papa tem o status de um Presidente de Estado: há um mandato que pode se autolimitar, e que não é limitado por uma regra. Para mim, há verdadeiramente um antes e um depois de Bento XVI: doravante, o papa poderá renunciar ao seu cargo caso se sentir oprimido pelo ritmo da modernidade. Ele será confrontado com o prazo da sua fraqueza. É uma verdadeira modernidade. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 O problema não é o Papa... o problema é o Papado “O problema da Igreja não é o papa, é o papado, da forma como está organizado e como funciona, independente de quem seja o homem que ocupa o trono papal”, escreve José Maria Castillo, teólogo espanhol, autor de inúmeros livros, inclusive traduzidos para o português, em artigo publicado em seu blog Teologia sin Censura, 12-02-2013. A tradução é do Cepat. Entre os numerosos comentários, que logicamente a notícia da renúncia do papa Bento XVI está suscitando, sinto falta de uma reflexão que, no meu modo de ver, parece ser a mais importante, a mais urgente, a que mais pode (e deveria) influir no futuro da Igreja e em sua possível influência para o bem deste mundo tão atormentado no qual vivemos. Refiro-me à reflexão que distingue entre o que é e representa a pessoa do “papa”, por um lado, e o que é e representa a instituição do “papado”, por outro. Evidentemente, ninguém duvida que seja importante analisar, avaliar e saber valorizar os acertos e desacertos que o papa Ratzinger teve em seus anos de pontificado. É evidente, também, que certamente é ainda mais importante propor e saber escolher o homem mais competente que, neste momento, teria que ocupar o cargo de Sumo Pontífice. Ninguém duvida de tudo isso pois é de enorme interesse nestes dias. Contudo, por mais importante que seja avaliar as pessoas, tanto do passado como do possível futuro imediato, ninguém colocará em dúvida – pelo que me parece – que seja muito mais determinante se deter em pensar sobre o que representa, e o que deveria representar, não este papa ou o outro, mas aquilo que realmente é e faz a instituição que, de fato, é o papado, da maneira como é organizada, como funciona, e como é administrada, independente de quem seja o papa que a presidiu ou que a pode presidir. Porque, vamos ver, é o melhor para a Igreja que todo o poder para governar uma instituição, a qual pertence mais de 1,2 bilhão de seres humanos, esteja concentrado num só homem, sem mais limitações a não ser as impostas pela própria crença desse homem, que ocupa o papado? Da forma como está disposto no vigente Código de Direito Canônico, é assim que está pensado, legislado, e assim funciona o papado (can. 331; 333; 1404; 1372). Porque, entre outras coisas, o papa retira e nomeia os mais altos e mais baixos cargos da Cúria. Retira e coloca cardeais, bispos e cargos eclesiásticos de toda índole. E faz tudo isto sem ter que dar explicações a ninguém, sem que ninguém possa lhe pedir responsabilidades. Além do mais, tudo se mantem desta forma, independente de quem seja o papa reinante, da idade que possua, da saúde que goze ou padeça, de sua mentalidade, preferências e até de suas possíveis manias. Além disso, não abrimos mão, ingenuamente, da presença do Espírito Santo e de sua suposta constante inspiração na tomada de decisões do papa reinante. Não. Essa suposta intervenção do Espírito Santo não está demonstrada em nenhuma parte. Como também não está demonstrado, nem há argumentos para provar, que o bispo de Roma, por mais que seja sucessor de Pedro, precise acumular todo o poder que o Papa e seus teólogos incondicionais garantem que acumula por vontade de Deus. Em que lugar está dito isto? Em quais argumentos se baseia? O cardeal Y. Congar, o melhor conhecedor de toda esta história, com o qual a Igreja pôde contar no último século, deixou escrito em seu diário pessoal que tudo isso era uma manipulação organizada pelos interesses de Roma, cujas raízes chegam até o século segundo da história do cristianismo. Em todo caso, o certo é que, em todo o Novo Testamento, em nenhuma parte consta que a Igreja precise estar organizada desta forma e assim tenha que ser administrada. E, por favor, que ninguém me venha agora com o famoso texto de Mt 16, 18-19. Entre os melhores estudiosos do Evangelho de Mateus, a cada dia aumenta o número daqueles que afirmam que essas palavras não saíram da boca de Jesus. É um texto “redacional”, muito posterior ao texto original, acrescentado ao Evangelho pelo último redator do texto que nos chegou. Enfim, por hoje, basta o que foi dito. Continuaremos falando destas coisas nos próximos dias. Todavia, parece-me importante terminar dizendo que a Igreja está, precisamente nestes dias, num momento privilegiado para enfrentar sem medo estas questões que apontam para problemas de fundo, que ela ainda não resolveu. Se não forem enfrentados e levados a sério, esta Igreja continuará perdida (e calada), por mais lúcido e mais valioso que seja o futuro papa. Porque, insisto, o problema da Igreja não é o papa, é o papado, da forma como está organizado e como funciona, independente de quem seja o homem que ocupa o trono papal. Sexta, 15 de fevereiro de 2013 Dom Georg permanece ao lado de Bento XVI, segundo porta-voz do Vaticano Continuam as manchetes sobre a notícia que, desde segunda-feira, ocupa as primeiras páginas de todas as mídias do mundo: a demissão de Bento XVI. Na verdade, a "renúncia de Bento XVI" como deixou claro Padre Federico Lombardi durante encontro com os jornalistas no quarto briefing realizado na sala de imprensa do Vaticano. A reportagem é de Salvatore Cernuzio e publicada pela Agência Zenit, 14-02-2013. O porta-voz da Santa Sé deu a conhecer algumas informações relevantes sobre a decisão histórica do Papa: primeiro, a situação do secretário particular mons. Georg Gaenswein. Já na conferência de imprensa de ontem, padre Lombardi havia enfrentado a questão sobre a dupla função de secretário de Sua Santidade e Prefeito da Casa Pontifícia. Atribuição conferida por Bento XVI em dezembro do ano passado, sinal de plena confiança do Papa em um de seus colaboradores mais próximos. Se ontem era certo que o arcebispo desempenharia apenas o papel de prefeito – já que não decai, apesar da renúncia do Papa – hoje foi confirmado também que Gaenswein acompanhará Bento XVI a Castel Gandolfo e depois ao mosteiro Mater Ecclesiae, continuando seu trabalho como secretário particular. Juntamente com ele, acompanharão Ratzinger os quatro Memores Domini de Comunhão e Libertação, como sempre prestando serviço na capela, cozinha, arquivo e secretariando o Santo Padre. "O núcleo fundamental da família pontifícia - disse Pe. Lombardi – continuará a acompanhar Bento XVI nessa transição”. Ainda sobre dom Georg, o porta-voz do Vaticano afirmou que, mesmo permanecendo Prefeito e Secretário, ele não terá qualquer tipo de influência sobre o novo Papa, enquanto "suas competências não dizem respeito ao governo ou às decisões da Igreja", mas sim a "funções práticas e logísticas relativas à organização das audiências de Sua Santidade”. No que diz respeito ao mons. Alfred Xuereb, o segundo secretário do Papa, o Diretor da Sala de Imprensa, disse que em um primeiro momento ele irá para Castel Gandolfo, e provavelmente, será por um tempo o secretário de seu sucessor, “de modo a introduzir a prática e a vida do apartamento papal”. O porta-voz do Vaticano também negou o relatório publicado esta manhã por alguns jornais anunciando a nomeação do belga Bernard De Corte como novo Presidente do IOR. "Eu não sei e não confirmo que foi eleito um novo presidente", disse ele, prevendo, no entanto, a possibilidade de uma nomeação até o final da semana. Outra questão levantada foi o incidente do Papa durante sua viagem ao México, notícia divulgada esta manhã. Com base em algumas informações Bento XVI teria caído e ferido a cabeça e isso - segundo fontes – teria sido um sinal que conduziria à tomada de decisão da segunda-feira. "Eu não tenho que negar que houve este episódio - disse Pe. Lombardi - mas não influenciou nem a viagem, nem a decisão como tal”. "Aconteceram alguns incidentes nos últimos anos e neste período- acrescentou - mas o Papa, sobre a renúncia, se referia apenas a sua condição de envelhecimento geral e as forças que são menores nos últimos meses. As interpretações que ligam a um episódio ao invés de outro não são pertinentes”. "A Constituição conserva todo o seu valor" respondeu Pe. Federico Lombardi às perguntas sobre uma hipotética redisposição de normas para antecipar o Conclave. O jesuíta defendeu firmemente que não foi feita e nem mesmo levada em consideração a idéia de uma mudança nas leis. E nem que o Conclave, segundo as normas, seria após 15-20 dias da sede vacante. A data exata será anunciada durante este período pelos cardeais que chegarão nos próximos dias ao Vaticano e se estabelecerão a partir de 01 de março, e não antes, na Casa Santa Marta. O porta-voz esclareceu também que o discurso sobre o limite de 80 anos para votar no Conclave, se refere àqueles que já completaram essa idade no primeiro dia da sede vacante. Então, seja o cardeal Walter Kasper como o Cardeal Severino Poletto participarão, pois ambos completam 80 anos em março. Finalmente, o leit-motiv do briefing: "Como se poderá chamar o Papa no futuro?". "Ainda não está claro a questão do nome - explicou o diretor da Sala de Imprensa - nem o fato de que Bento XVI será Bispo emérito de Roma". "Acho que posso reiterar - concluiu - que Bento XVI é um título ao qual não pode renunciar. É o seu nome como Papa que ele levou a toda a Igreja e ao mundo oficialmente por oito anos. Então, certamente, continuaremos a chamá-lo de Bento XVI. Isso não muda e não pode obviamente mudar." Sexta, 15 de fevereiro de 2013 'Brasil será o 1º palco internacional do próximo papa', diz porta-voz do Vaticano O Brasil será o primeiro palco internacional do próximo papa e sediará seu primeiro grande encontro com um grupo estratégico, os jovens. A informação é do porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi. Mas ele alertou que não será a escolha de um papa latino-americano que permitirá que a Igreja possa compreender de forma mais adequada as necessidades da região. Eis os principais trechos da entrevista, concedida em seu escritório, repleto de papeis e com uma enorme foto do papa João Paulo II na parede. A entrevista é de Jamil Chade e Filipe Domingues e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 15-02-2013. Com toda essa mudança, como será o encontro com os jovens no Rio de Janeiro? Vai depender do novo papa. Não sabemos quem será, mas estamos certos de que será um grande líder religioso, que saberá entusiasmar a Igreja e os jovens. Na sua humildade, o papa Bento XVI afirma que chegou o momento de passar o governo da Igreja a uma pessoa com mais vigor físico e mental. Ele pensa que seu sucessor possa ser mais novo, para que sua relação com o mundo jovem seja fortalecida. O evento no Brasil poderá ser uma primeira grande ocasião para o novo papa encontrar com os jovens do mundo todo. No fundo, foi um gesto gentil do atual papa à juventude do mundo dar a possibilidade de encontrar com seu sucessor num momento tão importante como a jornada do Rio. Há dois dias, o papa pediu em plena missa uma maior união da Igreja. O que aquilo queria dizer? Era uma mensagem clássica. Foi o início da Quaresma e o papa deu uma demonstração de conversão importante. É uma mensagem eterna e para todos, que precisa ser aplicada na integralidade. Para os jovens, há também o sentido moral. Uma maior responsabilidade de entender a conversão e o que o Senhor coloca diante deles: escolher entre ser generosos ou egoístas. Buscar poder e sucesso ou pensar em se ocupar dos demais. Uma mensagem que os papas João Paulo II e Bento XVI deram sempre é a da responsabilidade. Jesus te chama e oferece a possibilidade de realizar na vida, no amor e no trabalho a construção de um mundo melhor. Na Europa, muitos dizem que o desenvolvimento foi acompanhado por uma maior secularização. No Brasil, o País caminha ao desenvolvimento. Há o medo na Igreja de que ocorra o mesmo? Os riscos e os problemas da Igreja e da juventude no Brasil cabe a vocês avaliarem. Há um problema perene de não deixar empobrecer o ânimo quando a matéria e o corpo se enriquecem. Mas não quer dizer que uma situação de grande pobreza signifique automaticamente grande riqueza espiritual. Pessoas muito pobres podem se tornar violentas, já que o sentimento de falta o faz buscar uma forma de enriquecer. Em 2007, o papa foi ao Brasil e uma das missões era tratar do aumento das igrejas pentecostais. Hoje, como a Igreja vê esse fenômeno? Perguntamo-nos se nossas comunidades católicas manifestam suficiente vitalidade e capacidade de comunicação da fé e de atração, do fascínio da vida cristã às populações, capazes de superar e ser uma alternativa mais convincente. Às vezes, trata-se de entender quais são os motivos pelos quais essas comunidades se dissolvem, quais são as necessidades a que parecem responder, por que as pessoas as seguem. Mas isso depende de compreender as expectativas profundas do ânimo e saber dar uma resposta à altura. Escolher um papa latino-americano não ajudaria a entender melhor a situação dos jovens dessas regiões? Cada papa tem seus valores, sua personalidade, sua experiência. Portanto ficaremos contentes por segui-lo e apreender aquilo que ele nos dará em um modo novo, absolutamente pessoal. Um papa polonês trouxe a experiência dos países do Leste Europeu. Porém, quando esteve no Brasil, no México, na África, parece-me que foi muito capaz de fazer-se entender e amar. Bento XVI é alemão, uma mente extraordinária, uma grandíssima espiritualidade. Isso entenderam muito bem também na Terra Santa, no Chipre, no Líbano, e assim por diante. Não devemos ter uma visão limitada do fato que a origem ajude a resolver. Pode ajudar, mas, se insistimos demais nisso, torna-se um limite. Deve entender bem os latino-americanos e abandonar os europeus? Não, espero que o papa entenda e ajude a todos. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 “O conclave será breve”, afirma o diretor do jornal do Vaticano "De acordo com meus prognósticos, o conclave poderá começar no dia 15 ou 16 de março e deverá ser muito breve, um ou dois dias no máximo. A pressão midiática é muito forte, os cardeais sabem que eles não podem passar a imagem de uma Igreja dividida. Assim, o novo papa poderá iniciar sua missão no dia 17 de março, no Domingo de Ramos", afirma Giovanni Maria Vian, diretor do L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano, em entrevista concedida a Marie Lemonnier e publicada pela revista francesa Le Nouvel Observateur, 14-02-2013 Quando Bento XVI tomou sua decisão? Bento XVI chegou a esta decisão em maio de 2012, pouco depois das viagens que fez, no final de março, ao México e a Cuba especialmente, onde ele foi apoiar uma igreja em perigo. A viagem foi um sucesso, mas ele se deu conta, então, de que suas forças estavam cedendo. Quem sabia sobre isso na cúria? Um número muito reduzido de pessoas, certamente. No começo, apenas seu secretário Georg Gänswein, seu primeiro ministro Tarcisio Bertone e o decano do Colégio dos Cardeais, Angelo Sodano. Nos últimos dias, menos de 10 pessoas estavam sabendo disso. A estupefação era visível no rosto dos cardeais presentes na segunda-feira durante o anúncio. Como você recebeu esta renúncia papal? Pessoalmente, fiquei muito emocionado. Assim como todos, eu me senti triste de deixar esse papa e ao mesmo tempo aliviado de saber que está vivo e rezando pela Igreja. Isso me dá um pouco o sentimento de viver uma “morte branca”. A reação das pessoas muito próximas a ele, religiosos que o acompanham no seu dia a dia, me comoveram muito. A Irmã Birgit Wansing, por exemplo, que é a única a saber decifrar a letra abreviada do papa e que é de aparência muito severa, chorou feito uma criança. Era comovedor. A escolha desse homem espiritual não é, entretanto, inteiramente surpreendente. Ratzinger não fez nada para ser papa. Ele nem desejava este cargo. Ele foi eleito com uma idade avançada e havia participado do fim do pontificado de João Paulo II. É, sem dúvida, por isso que pensou em sua renúncia desde o começo de seu pontificado. Seu gesto dessacralizou a função papal? Não creio, ou, então, num sentido totalmente positivo. Ele mostrou, acima de tudo, o sentido cristão do poder, que é para um bispo estar a serviço. A emoção ainda era tão forte nesta Quarta-feira de Cinzas? Ela era ainda mais forte, para mim. Para esta última celebração das Cinzas presidida por Bento XVI, a Basílica de São Pedro estava mergulhada na penumbra, os cantos se elevavam em latim e a procissão penitencial aconteceu exatamente como ela tem o costume de ser executada na basílica de Santa Sabina, na colina do Aventino, onde o papa é tradicionalmente acolhido nesse primeiro dia da Quaresma. O Santo Padre fez uma belíssima homilia, onde evocou o caráter excepcional desta celebração. Depois o camerlengo Bertone fez um discurso muito pessoal para exprimir seu reconhecimento ao papa. Em várias passagens, sua voz ficou trêmula. No final, houve uma sonora salva de palmas de quase quatro minutos, que Bento XVI interrompeu agradecendo e convidando à oração. Enfim, desceu do altar e, transportado por um carrinho com rodas, ele saiu em meio a uma nova salva de palmas. Muitos choravam. O papa está realmente doente? Não, está idoso, mas está muito bem. Na última sexta-feira, há apenas cinco dias, eu estava ainda com ele no Seminário romano, onde falou para 200 seminaristas. Ele entrou na capela, sentou-se diante do altar, ouviu a leitura da carta de São Pedro, e em seguida, sem ter nada por escrito, pronunciou um discurso de 26 minutos que parecia ter sido escrito! Ele recordou que a árvore da Igreja sempre está viva. Depois, ele disse: “Um outro virá. Não devemos ouvir aqueles que anunciam desgraças. O futuro é nosso, o futuro é de Deus”. É uma citação de João XXIII, particularmente anunciadora da sua decisão... Concretamente, qual é o programa do fim do pontificado? O papa receberá, nos dias 15 e 16, os chefes do estado romeno e guatemalteco, assim como o presidente do Conselho italiano e o presidente da República no dia 23. Mas, especialmente, ele vai fazer uma semana de retiro, quando fará os tradicionais exercícios espirituais da cúria, pregados pelo cardeal Ravasi, e todas as audiências são canceladas. Depois virão a despedida dos cardeais e a última audiência geral na praça São Pedro, no dia 27. No último dia, 28 de fevereiro, às 17h, um helicóptero transportará Joseph Ratzinger a Castel Gandolfo, e às 20h... já não será mais papa. É uma situação absolutamente inédita. Nesse momento, a vacância do trono começará simultaneamente às congregações gerais, durante as quais os cardeais se reunirão para trocar opiniões em vista da eleição. Haverá, evidentemente, inúmeros encontros informais e conversas fora do Vaticano. Muitos desses cardeais não se conhecem e é a oportunidade para se informarem sobre os candidatos... Após sua permanência na residência de verão e uma vez eleito o novo soberano pontífice, o que fará Joseph Ratzinger? Ele disse que deseja terminar seus dias em oração. Mesmo que seja muito provável que continue a escrever. Sem dúvida, terminará sua Enciclopédia sobre a Fé. Talvez, conhecendo sua elegância e sua discrição, preferirá publicá-la post-mortem, em respeito ao seu sucessor. Está em vias de materializar sua existência, de uma certa maneira. Ele decidiu morar no mosteiro Mater Ecclesia, que é consagrado à vida contemplativa. É um lugar muito sóbrio, situado no interior do Vaticano, e que é rodeado de jardins nos quais deseja passear. Em outubro passado, começaram ali reformas, outra prova de que ele havia preparado cuidadosamente sua renúncia. Em que situação deixa a Igreja? Ele fez de tudo para simplificar a sucessão e deixa o pontificado em um momento relativamente tranquilo; a crise mais aguda passou. Será preciso tempo, por outro lado, para assimilar a riqueza do que ensinou, tanto para crentes como para não crentes. Ele produziu avanços no campo das relações com os judeus, com o islã, com o Oriente cristão. Ele trabalhou pela paz dentro da Igreja, embora não pudesse obtê-la plenamente com os lefebvrianos. Em todo o caso, ele tentou de tudo, talvez até demais, dirão alguns. Mas ao menos pode partir tendo o sentimento de missão cumprida. Bento XVI insistiu muitas vezes, e recentemente de novo, sobre a necessidade ética do mundo das finanças. Posto que tudo parece ter sido pensado, é possível que um novo presidente seja nomeado rapidamente para a presidência do Banco do Vaticano – o IOR, Instituto para as Obras Religiosas – cujo presidente anterior tinha sido demitido em maio passado? Nada o exclui, eu sou persuadido de que haverá muitas surpresas durante esses 15 dias que restam. Para você, quais são as imagens mais fortes da sua ação pontifical? Eu diria que a viagem de 2009 à Terra Santa e a viagem de setembro ao Líbano, que proporcionou uma magnífica conclusão. Na volta, eu tive claramente o sentimento de que era a última viagem dele. Talvez porque fosse realmente perigosa decidiu fazê-la, embora todo o mundo o desaconselhasse. Eu fiquei muito assombrado quando ele confirmou, na sequência, a viagem ao Brasil para a JMJ em julho próximo. Mas agora, compreendo melhor, ele já sabia que teria um sucessor para celebrá-la em seu lugar. Como você imagina o conclave? De acordo com meus prognósticos, o conclave poderá começar no dia 15 ou 16 de março e deverá ser muito breve, um ou dois dias no máximo. A pressão midiática é muito forte, os cardeais sabem que eles não podem passar a imagem de uma Igreja dividida. Assim, o novo papa poderá iniciar sua missão no dia 17 de março, no Domingo de Ramos. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 Rumo ao conclave: a agenda Martini Há uma "agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese pode ser encontrada na célebre "última entrevista", publicada depois da sua partida. A opinião é do cientista político e leigo católico italiano Christian Albini, em artigo publicado no blog Sperare per Tutti, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Fiquei muito impressionado que a renúncia de Bento XVI ao papado tenha ocorrido seis meses depois da morte do seu contemporâneo Carlo Maria Martini. Eles representaram duas almas na Igreja Católica. Paradoxalmente, a influência de Martini poderia ser mais forte no conclave de março do que naquele em que ele participou em 2005. Refiro-me, naturalmente, a uma influência espiritual, ideal. Os longos anos de João Paulo II haviam deixado, depois do tempo da sua doença, uma série de questões não resolvidas para o catolicismo, questões que a cobertura do seu carisma permitira deixar de lado. Bento XVI também as enfrentou, com o seu estilo e a sua abordagem (balanços meditados virão com o tempo), mas a sua escolha de renunciar, motivada pelo reconhecimento de "não ter mais as forças", deixa muitos problemas em aberto. A interpretação do Vaticano II, o desafio que o mundo em mudança põe à Igreja Católica, o ecumenismo e a relação com as outras religiões, a Cúria com as suas rivalidades: são alguns dos principais capítulos abertos que o novo papa encontrará pela frente. Ratzinger foi eleito no sinal da continuidade com Wojtyla, do qual era o principal colaborador. Hoje, não há um Ratzinger, e eleger um "imitador" seria uma escolha de curto alcance e deletéria. Independentemente de quem for eleito, contará muito a percepção da tarefa que o espera como pontífice, a consciência dos nós que devem ser desfeitos, a adoção de um estilo pastoral. Torna-se importante o papel daquela "opinião pública na Igreja" (já invocada por Pio XII), que se torna a contribuição para o discernimento por parte de todos os batizados. No entanto, a autoridade de Carlo Maria Martini, que, com o seu retorno ao Pai, aumentou ainda mais, se possível, pode ser uma grande fonte de inspiração para os cardeais e para o papa eleito. De fato, há uma "agenda Martini" para o novo pontificado, cuja síntese pode ser encontrada na célebre "última entrevista", publicada depois da sua partida: Como o senhor vê a situação da Igreja? A Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. A nossa cultura envelheceu, as nossas igrejas são grandes, as nossas casas religiosas estão vazias, e o aparato burocrático da Igreja aumenta, os nossos ritos e os nossos hábitos são pomposos. Essas coisas expressam o que nós somos hoje? (...) O bem-estar pesa. Nós nos encontramos como o jovem rico que, triste, foi embora quando Jesus o chamou para fazer com que ele se tornasse seu discípulo. Eu sei que não podemos deixar tudo com facilidade. Menos ainda, porém, poderemos buscar pessoas que sejam livres e mais próximas do próximo, como foram o bispo Romero e os mártires jesuítas de El Salvador. Onde estão entre nós os nossos heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da instituição. Quem pode ajudar a Igreja hoje? O padre Karl Rahner usava de bom grado a imagem das brasas que se escondem sob as cinzas. Eu vejo na Igreja de hoje tantas cinzas sobre as brasas que muitas vezes me assola uma sensação de impotência. Como se pode livrar as brasas das cinzas de modo a revigorar a chama do amor? Em primeiro lugar, devemos procurar essas brasas. Onde estão as pessoas individuais cheias de generosidade como o bom samaritano? Que têm fé como o centurião romano? Que são entusiastas como João Batista? Que ousam o novo como Paulo? Que são fiéis como Maria de Mágdala? Eu aconselho o papa e os bispos a procurar 12 pessoas fora da linha para os postos de direção. Pessoas que estejam perto dos pobres e que estejam cercadas por jovens e que experimentam coisas novas. Precisamos do confronto com pessoas que ardem, de modo que o espírito pode se difundir por toda parte. Que instrumentos o senhor aconselha contra o cansaço da Igreja? Eu aconselho três instrumentos muito fortes. O primeiro é a conversão: a Igreja deve reconhecer os próprios erros e deve percorrer um caminho radical de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Os escândalos da pedofilia nos levam a tomar um caminho de conversão. As questões sobre a sexualidade e sobre todos os temas que envolvem o corpo são um exemplo disso. Estes são importantes para todos e, às vezes, talvez, são até importantes demais. Devemos nos perguntar se as pessoas ainda ouvem os conselhos da Igreja em matéria sexual. A Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia? O segundo é a Palavra de Deus. O Concílio Vaticano II restituiu a Bíblia aos católicos. (...) Somente quem percebe no seu coração essa Palavra pode fazer parte daqueles que ajudarão a renovação da Igreja e saberão responder às perguntas pessoais com uma escolha justa. A Palavra de Deus é simples e busca como companheiro um coração que escute (...). Nem o clero nem o Direito eclesial podem substituir a interioridade do ser humano. Todas as regras externas, as leis, os dogmas nos foram dados para esclarecer a voz interior e para o discernimento dos espíritos. Para quem são os sacramentos? Estes são o terceiro instrumento de cura. Os sacramentos não são uma ferramenta para a disciplina, mas sim uma ajuda para as pessoas nos momentos do caminho e nas fraquezas da vida. Levamos os sacramentos às pessoas que precisam de uma nova força? Eu penso em todos os divorciados e nos casais em segunda união, nas famílias ampliadas. Eles precisam de uma proteção especial. A Igreja sustenta a indissolubilidade do matrimônio. É uma graça quando um casamento e uma família conseguem isso (...). A atitude que temos com relação às famílias ampliadas irá determinar a aproximação à Igreja da geração dos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontra um novo companheiro que cuida dela e dos seus três filhos. O segundo amor prospera. Se essa família for discriminada, não só a mãe é cortada fora, mas também os seus filhos. Se os pais se sentem fora da Igreja, ou não sentem o seu apoio, a Igreja perderá a geração futura. Antes da Comunhão, nós rezamos: "Senhor, eu não sou digno..." Nós sabemos que não somos dignos (...). O amor é graça. O amor é um dom. A questão sobre se os divorciados podem comungar deve ser invertida. Como a Igreja pode ajudar com a força dos sacramentos aqueles que têm situações familiares complexas? O que o senhor faz pessoalmente? A Igreja ficou 200 anos para trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo ao invés de coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. As pessoas boas ao meu redor me fazem sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento de desconfiança que às vezes eu percebo com relação à Igreja na Europa. Só o amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda tenho uma pergunta para você: o que você pode fazer pela Igreja? Sábado, 16 de fevereiro de 2013 ''Estarei escondido do mundo'', diz Bento XVI "Agora eu me retiro, mas, na oração, estarei sempre perto de todos vocês. E tenho a certeza de que todos vocês também estarão perto de mim, mesmo que, para o mundo, eu permaneça escondido". Como se no mundo moderno fosse realmente possível se esconder, como se a solidão moral em que o papa foi deixado pudesse se tornar solidão física. A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera, 15-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Os párocos romanos se comovem diante da ideia de que o seu bispo se afasta para sempre da sua vista ainda vivo, gritando "Viva o Papa!", o aplaudem, fazem amplos gestos de saudação, divididos entre o afeto pelo pontífice e a desorientação pelo soberano que abdica. Ele entende a sua perturbação e, para tranquilizá-los, improvisa – falando livremente – uma anedota, como faria um pai que conta aos seus filhos uma história assustadora no início, mas com final feliz. "O cardeal de Colônia, Frings, encomendou-me um texto – à época eu era o mais jovem professor da Universidade de Bonn – para ser levado para um congresso em Gênova, organizado pelo cardeal Siri. Título: 'O Concílio e o mundo do pensamento moderno'. Frings o leu assim como eu o havia escrito. Pouco tempo depois, o Papa João mandou chamá-lo. Ele estava cheio de medo por ter dito algo em falso e por ser interpelado para uma crítica..." Aqui, a plateia dos párocos é invadida por um tremor de terror pensando na severidade de Siri e na ideia de que ele pudesse ter assinalado ao papa as heresias do jovem teólogo. "O cardeal Frings temia que o papa quisesse lhe tirar a púrpura. Assim, enquanto o seu secretário o vestia para a audiência, ele disse: 'Talvez esta seja a última vez que eu usar essas coisas...'". Agora, os párocos começam a rir, e Bento XVI os olha com um sorriso cúmplice. "Depois, Frings entra, o Papa João vai ao seu encontro, o abraça e diz: 'Eminência, obrigado! O senhor disse coisas que eu queria dizer, mas não tinha encontrado as palavras'. Assim, o cardeal me convidou para ir com ele ao Concíio...". Agora, os párocos aplaudem com o rosto regado de lágrimas. Bento XVI diz exatamente isto: "Para o mundo, eu permaneço escondido". Ele gostaria de desaparecer de vista, subtrair-se da vida pública. É uma expressão que causa consternação entre os arciprestes das grandes basílicas e os curiais das periferias, os canônicos que vigiam o corpo de Santa Inês e os padres dos bairros. Para eles, Ratzinger não é somente o pontífice, é também o bispo e, mais em geral, a única autoridade que muitos reconhecem, na cidade do Papa Rei. Recém estiveram se confessando diante do túmulo de São Pedro. E agora estão aqui para uma lição sobre o Concílio Vaticano II. Não por acaso foi preparada uma cátedra, atrás da qual se sentou o papa, que chegou caminhando, sem mais ajudas a não ser da bengala. No início, ele fica na defensiva: "Vistas as minhas condições e a minha idade, não pude preparar um grande e verdadeiro discurso, como se poderia esperar. Penso, ao invés, em uma pequena conversa sobre o Concílio, como eu o vi". Na verdade, Ratzinger falaria por uma hora, de improviso, nos seus costumeiros altíssimos níveis intelectuais, mesmo que com a voz fraca, razão pela qual, em certo ponto, um cavalheiro vaticano deve intervir para lhe aproximar o microfone, para o alívio dos párocos ainda divididos, mas desta vez entre o fascínio da fala e a sua complexidade. Entende-se muito bem que o tema realmente agrada a Ratzinger, seja porque o faz lembrar da sua juventude – "Estávamos tão cheios de alegria com a ideia de que a Igreja se confrontaria com a modernidade, com os nossos amigos judeus, com uma nova liturgia..." –, seja porque estimula a prova das inteligências. Por isso, ele avança na comparação entre as diversas interpretações da encíclica Mistici Corporis Christi de Pio XII, fala da "aliança renana" entre bispos franceses, alemães e holandeses, a conecta com as posições da Igreja galicana no anterior Concílio Vaticano I. Depois, quando se reconstrói meticulosamente o debate entre os Padres conciliares sobre a eclesiologia, os sacerdotes se inclinam nos assentos e se consultam entre si para manter o ritmo vertiginoso dos raciocínios do papa octogenário e renunciante. Há um ponto, porém, em que Ratzinger é muito claro, às vezes duro também. Os Concílios foram dois: o da Igreja e o dos meios de comunicação; o real e o virtual. Infelizmente, "o mundo percebeu o Concílio através dos meios de comunicação. Portanto, o Concílio que chegou às pessoas foi o dos jornais, e não o dos padres. E, enquanto os padres se moviam dentro da fé, os jornalistas se moviam dentro das categorias políticas", direita e esquerda, conservadores e progressistas, "como se estivesse em curso uma luta de poderes entre correntes". O mal-entendido causou a "banalização da liturgia, redução da Escritura a livro histórico, mosteiros fechados, seminários vazios". Mas "a força real do Concílio, pouco a pouco, se realiza cada vez mais e se torna verdadeira reforma, verdadeira renovação da Igreja". Segundo Bento XVI, hoje, não é preciso um outro Concílio, mas sim uma correta interpretação e aplicação daquele que foi aberto há 50 anos. "Esperamos que o Senhor nos ajude. Eu, retirado com a minha oração, estarei sempre com vocês e, juntos, sigamos em frente com o Senhor, na certeza: vence o Senhor". No fim, os aplausos que encerram a "pequena conversa" é interminável. E, desta vez, o papa o desfruta todo, sem interrompê-lo como fizera no dia anterior em São Pedro. Os párocos o fotografam com todos os meios disponíveis, incluindo iPhone e iPad. O vigário de Roma, Vallini, se ajoelha para beijar-lhe o anel pela última vez. Amanhã, caberá a Bagnasco e aos bispos da Ligúria, sábado a Scola e aos da Lombardia. O papa agradece com gestos e sorrisos breves. Depois, encerra a audiência com o canto do Pai Nosso. Em latim, naturalmente. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 Os dois concílios de Ratzinger. Artigo de Massimo Faggioli Eis o núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana fundamentalmente pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças em contraposição e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja. A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 15-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O bom-humor de Bento XVI que fala do Concílio Vaticano II aos padres da diocese de Roma, da qual é bispo, é típico de uma pessoa que tirou um peso enorme de cima de si. Um papa visivelmente aliviado – e aparentemente em boa saúde, falando por 50 minutos de improviso e com clareza admirável – profere aos padres romanos uma apaixonada e às vezes comovente lição sobre o Concílio. No seu discurso, Joseph Ratzinger repropôs não só a sua visão sobre o Vaticano II, mas também anedotas pessoais, como a sua relação com João XXIII e com o cardeal Frings durante o Concílio, e referências à questão da responsabilidade da Igreja e dos cristãos no Holocausto. Mas o centro do discurso está na contraposição entre "o Concílio dos Padres do Concílio, o da fé" e "o Concílio dos meios de comunicação". O paradoxo é que essa lição sobre a divisão entre as duas interpretações do Vaticano II é transmitida justamente pelos meios de comunicação – pelo Centro Televisivo Vaticano, mas depois retomada por muitas outras redes e jornais. Essa contraposição entre Concílio teológico (dos bispos, dos teólogos, dos fiéis) e Concílio sociológico (dos meios de comunicação e do "mundo", na sua acepção metafísica) se reconecta à homilia da Quarta-feira de Cinzas, em que o papa renunciante apontara o dedo contra os cristãos que querem agradar "o público" e não o Senhor, que buscam o aplauso e não a verdade: ele também se referia à Cúria Romana, justamente como fez na homilia anterior ao conclave de 2005, que o levou ao pontificado. Estamos aqui no núcleo do pensamento ratzingeriano: uma antropologia agostiniana fundamentalmente pessimista, uma Weltanschauung que vê o mundo e a Igreja como duas forças em contraposição e irreconciliáveis senão às custas da eliminação do "caráter cristão" da Igreja. O Concílio Vaticano II de Ratzinger é um Concílio ainda válido na sua teologia, especialmente naquela relativa à interpretação da Palavra de Deus nas Escrituras, a teologia da constituição Dei Verbum. Mas o Concílio foi, infelizmente, desviado pela interpretação interessada que lhe foi dada pelos meios de comunicação e – sobre isso, nessa quinta-feira, Bento XVI foi misericordioso – por aqueles teólogos e católicos convictos de que o Concílio havia finalmente reaproximado Igreja e mundo. Essa divisão reflete a do discurso mais célebre de Bento XVI sobre a interpretação do Concílio, o do dia 22 de dezembro de 2005, em que o papa distinguia entre "hermenêutica da continuidade e da reforma" e "hermenêutica da descontinuidade e da ruptura". Aquele discurso foi logo enviesado pelos spin doctors do catolicismo tradicionalista em uma clara divisão entre "continuidade e descontinuidade" (veja-se sobre isso Interpretare il Vaticano II. Storia di un dibattito, Ed. EDB, 160 páginas, recém-chegado às livrarias). O pensamento ratzingeriano é mais refinado do que isso: mas entre os erros do pontificado também está o de não ter conseguido moderar os instintos reacionários de muitos ratzingerianos muito menos refinados do que Ratzinger. O papa não participará do conclave, mas esse discurso e o das próximas duas semanas darão sinais importantes para o posicionamento de muitos cardeais que se preparam para o conclave. Basta ler a lectio magistralis do cardeal Scola no congresso romano sobre o Concílio, realizado em outubro de 2012: naquele discurso (otimamente editado pela revista Il Regno, de Bolonha), Scola tomava como sua a leitura ratzingeriana do Concílio, mas oferecia deslocamentos significativos da vulgata oficial do ratzingerismo dos blogs reacionários. Os cardeais em curso devem caminhar em uma linha sutil, a linha entre a interpretação do Vaticano II de Bento XVI e a sua própria visão do Concílio: na habilidade de jogar entre o "já" de Bento XVI e o "ainda não" do seu sucessor, se decidirá boa parte do conclave de 2013 e do futuro da Igreja Católica. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 'Sucessor terá desafio de resgatar prestígio do papado'. Entrevista com John O'Malley Aos 85 anos, e "três semanas mais jovem do que Bento XVI", o norte-americano John O'Malley é uma das grandes autoridades em história do catolicismo em atividade. Autor de "A History of the Popes" (2011), o professor da Georgetown University, em Washington, e também padre jesuíta, brinca que teve sua vida "modestamente tocada por todos os papas dos últimos 50 anos", já que esteve pessoalmente com todos eles em alguma ocasião. Há alguns anos, O'Malley assinou um ensaio hoje conhecido sobre renúncias de papas. À época, ele refletia sobre a possibilidade de que, fragilizado pela situação de saúde, João Paulo II pudesse abandonar o posto. "Fui chamado de fantasioso por tratar deste tema. Talvez estivesse sendo profético", diz. A entrevista é de Cassiano Elek Machado e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 16-02-2013. Com o escândalo VatiLeaks e a renúncia de Bento 16 é corrente a ideia de que a Igreja Católica está vivendo uma grande crise. O sr. considera esta uma das grandes crises históricas do papado? Ao estudar por muitos anos a história do papado posso dizer que ela é uma história de uma crise após a outra. Mas o papado é uma instituição absurdamente elástica, que conseguiu sobreviver ao longo de 2000 anos e manter sua identidade, mesmo tendo mudado muito. Mas sim, vivemos uma situação de crise considerável. A maneira como a Cúria Romana está estabelecida precisa ser investigada. Precisam definir como ela pode ser mais eficiente, como pode coordenar melhor suas congregações. Estes serão alguns dos desafios do próximo papa. Certamente no mundo ocidental ele precisará reestabelecer o prestígio do papado. Foi uma decisão sábia? Foi certamente algo extraordinário, eu pessoalmente achei uma decisão muito corajosa e também apropriada. Mas quem sou eu para falar sobre sabedoria ou não de uma ação papal. Se o sr. tivesse de arriscar o futuro como acredita que Bento XVI será conhecido? Tenho convicção de que ele será conhecido como "O papa que renunciou". É um grande marco. O papa pode não gostar, mas assim será. Espero que alguns historiadores mais sérios consigam resgatar também outros aspectos de sua atuação. Como papa ele conseguiu aplicar alguma teoria do teólogo? Como papa ele continuou a escrever, mas na minha opinião ele fez uma distinção grande entre uma vida privada, de teólogo, e a de papa. Dois pontífices podem conviver? As dúvidas dos juristas. Há quem minimize. E quem prefigure riscos para a Igreja. O que é certo é que a coexistência de dois papas, o a ser eleito e o seu antecessor, pela primeira vez na história recente, ainda vivo, Joseph Ratzinger, coloca algumas interrogações de direito. A reportagem é de Virginia Piccolillo, publicada no jornal Corriere della Sera, 14-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. O padre Ottavio De Bertolis, canonista da Pontifícia Universidade Gregoriana, simplifica. "A partir do dia 28 de fevereiro, Joseph Ratzinger não é mais papa. Ponto final. Portanto, não haverá dois papas, mas um". Quais serão os seus direitos e deveres? "O direito canônico se cala sobre isso. A partir da práxis, é difícil tirar alguma coisa, porque ela é antiga demais. Seria preciso um teólogo. Uma coisa é certa: ele continuará sendo bispo. Porque a ordenação é para sempre: o sacerdote permanece como tal mesmo que 'deixe de ser padre'. Mas eu suponho que, renunciando a ser pontífice, Ratzinger também vai perder o poder de governo da Igreja universal, poder estendido também às coisas de fé". E a infalibilidade? "A infalibilidade é o papa, como tal, que tem e é exercida só raramente quando se define a matéria de fé, não quando se prega ou se escreve uma encíclica". Será possível continuar chamando-o de Sua Santidade o papa emérito? "Sua Santidade é uma expressão de uso humano, não está escrita em parte alguma. A própria palavra papa significa papai. A práxis deverá ser construída". E se ele quiser voltar a intervir? "Não pode. Não é mais papa". Gaetano Lo Castro, professor de Direito Canônico e Direito Eclesiástico da Universidade La Sapienza, concorda: "É como se estivesse morto. O papa que renuncia não tem mais nenhuma função na Igreja". Ele tinha o direito de "descer da cruz"? "É claro. Isso está previsto na norma escrita por Celestino V e incorporada também no Código de Direito Canônico e na Constituição Apostólica do próprio Papa Wojtyla. No artigo 77, diz-se que tudo o que precede e segue à eleição do pontífice deve ser observado integralmente, mesmo que a vacância da Sé tivesse que ocorrer por 'renúncia do Sumo Pontífice'". E com relação ao depois? "Não há nada, porque não é mais papa. Ele não pode intervir nem na diocese, nem como papa". Paradoxalmente, são os leigos que temem mais a situação. Piero Bellini, acadêmico dos Lincei e professor emérito de história do direito canônico, aponta: a questão posta pelo Papa Wojtyla ("Não se desce da Cruz") tem um fundamento. A renúncia está prevista do ponto de vista jurídico, o que nem sempre corresponde ao direito ético. "É um pouco como para os antigos reis que o eram até a morte. Além disso, o papa está ligado por um vínculo sagrado. Se a Igreja é o Corpo místico de Cristo, a sua cabeça participa dessa mística. E se o papa tem uma vicaria celeste, isto é, um poder que lhe vem de Deus, então esse poder não cessa". E, ao contrário de um funcionário ou de um administrador de empresa – argumenta – ele tem o dever de continuar exercendo a própria tarefa sobre a qual deve responder a Deus: "Eu sou um contemporâneo do Papa Ratzinger e sei bem que um idoso tem capacidades reduzidas, mas o fato de o Papa Wojtyla ter morrido na linha de fogo deu prestígio à Igreja. Agora, a certeza da sacralidade do papado, confortada pela passagem dos séculos, foi posta em discussão. E pode haver quem discorde. Tudo vai depender da prudência de Ratzinger que deve ser sábio a ponto de evitar atritos. Porque a carga cismática que se põe, em germe, é um risco enorme. Não é um bom sinal que ele permaneça no Vaticano. É um pouco como ter o velho pai em casa com o qual o filho maior de idade tem que se confrontar. Como leigo enraivecido, digo, porém, que não se pode retroceder. Não compartilho com 99% de suas ideias, mas é um grande pensador, e tirar-lhe o título de Sua Santidade seria um insulto". Sábado, 16 de fevereiro de 2013 ''De agora em diante será inevitável que os papas renunciem ao alcançar certa idade'' "Bento XVI abriu uma nova estrada. De agora em diante, os futuros papas sentirão o dever de renunciar quando alcançarem uma certa idade". Um Santo Padre revolucionário. Essa é a opinião de John Allen, jornalista e escritor norte-americano, que por quase 20 anos acompanha os episódios papais. A reportagem é de Deborah Ameri, publicada no jornal Il Messaggero, 15-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Vaticanista da CNN e do National Catholic Reporter, é autor de duas biografias de Ratzinger e é a voz mais autorizada dos EUA em matéria pontifícia. No entanto, ele também, assim como todos, foi pego no contrapé por essa renúncia. Surpreso? Chocado, eu diria. Naquela manhã, eu estava em Roma, no Farnesina [sede do Ministério das Relações Exteriores da Itália]. Devia dar um discurso. A BBC me telefona e me pede informações sobre um boato de que o papa estaria para sair e eu respondo: bobagens! Pouco depois, o Vaticano fez o anúncio. O gesto de Ratzinger pode ter danificado a Igreja e a imagem do sólio pontifício como alguns pensam? Eu não acredito. Claro que, por algum tempo, será estranho ter um papa no cargo e um ex-pontífice em repouso. Mas, há 100 anos, era estranho que os bispos se aposentassem. Depois, tornou-se um costume. E eu acredito que, no futuro, será assim também para os papas. Esse é o início de uma transição. Um dia, todos vão esperar que o Santo Padre, tendo alcançado os 75-80 anos, deixe o trono de São Pedro. Esse conclave inevitavelmente será diferente dos anteriores. Sobre o que os cardeais se focarão? O conclave votará pela mudança. Com a morte de João Paulo II, a Igreja havia sido inundada de afeto e de amor. Era um papa muito estimado, e, à época, os cardeais quiseram aproveitar aquele momento positivo e optaram pela continuidade elegendo Ratzinger. Desta vez, a atitude será muito diferente. O que você prevê? Será um conclave mais aberto às novidades e mais crítico. Mas não esperem que se mude de ideia sobre o casamento gay, as mulheres-padre e o aborto. Estes cardeais, no fundo, foram eleitos por Wojtyla e por Ratzinger. Mas darão alguma sacudida. Provavelmente vão optar por um pontífice mais jovem, não europeu, não ocidental, uma figura mais popular e menos acadêmica, um papa menos abstrato e mais prático que se ocupe diretamente do governo da Igreja e da administração vaticana. Duas tarefas das quais Ratzinger não esteve à altura. O que o novo pontífice deverá fazer em primeiro lugar? Implementar uma séria reforma da cúria para dar uma resposta forte ao escândalo da pedofilia. Os cardeais acreditam que Bento XVI já fez muito sobre essa questão. Mas evidentemente não o suficiente. Foi também por isso, talvez, que ele sentiu a necessidade de sair? Acredito que as principais razões sejam a idade e a saúde. Mas, certamente, os escândalos, como o Vatileaks, o IOR e os padres pedófilos o amarguraram. E trouxeram à tona todos os problemas da Igreja de hoje. Bento XVI entendeu que não será ele o homem capaz de resolvê-los. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 O Banco do Vaticano tem presidente. "A Pacem in Terris pode ficar tranquila" Um líder “part-time” para o IOR – Instituto para as Obras de Religião: e três dias em Roma, quatro em Frankfurt. Seu salário é um segredo, mas o que está claro é que manterá seu trabalho fora do Vaticano. O novo presidente do IOR, o advogado alemão Ernst Von Freyberg (membro da Ordem de Malta) também é presidente de um estaleiro naval, o Blohm-Vhoss Group, de Hamburgo. “Não sei se fabricam navios de guerra ou embarcações em geral; sei que Von Freyber também organiza peregrinações a Lourdes”, respondeu o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, convidando para “não apressar os juízos negativos por sua experiência de trabalho”. “Sua nomeação – indicou o jesuíta Lombardi – aconteceu após um profundo processo, conduzido por pessoas que conhecem bem a natureza e as finalidades da Santa Sé; me parece que não se deve tirar conclusões superficiais veiculadas pela mídia, apontando uma incoerência com a doutrina da Pacem in Terris de João XXIII”. A reportagem é de Giacomo Galeazzi e está publicada no sítio Vatican Insider, 15-02-2013. A tradução é do Cepat. Em tempo real, enquanto falava com os jornalistas, o porta-voz do Vaticano recebeu um bilhete com uma explicação: “a sociedade já não fabrica navios, vendeu essa seção, de modo que realiza apenas engenharia naval”. Depois de ler este breve texto, o jesuíta Lombardi comentou com um sorriso: “A Pacem in Terris pode ficar tranquila; tudo está resolvido”. No sítio da internet da sociedade alemã ainda aparece a construção de fragatas e embarcações armadas. No encontro com os jornalistas, o diretor da Sala de Imprensa do Vaticano descreveu com detalhes o procedimento para a escolha do sucessor de Ettore Gotti Tedeschi, “um ‘iter’ que começou antes do verão passado, quando o Conselho de Superintendência propôs que a seleção dos managers fosse incumbida a uma agência, e que se comprometeu notavelmente estudando a natureza particular do IOR e também as características desejadas para o candidato, um trabalho levado realizado com grande intensidade”. Segundo o que indicou o padre Lombardi, “a agência indicou 40 candidatos ao conselho, que realizou uma seleção progressiva até identificar os seis candidatos mais adequados”. Os seis conversaram com os membros do conselho e destas entrevistas surgiu a terna que foi submetida ao juízo do Conselho de Cardeais. O papa conhece a família do novo presidente, mas não quer dizer que tivesse uma amizade pessoal, explicou o porta-voz. “Ele mora em Frankfurt e se prevê que vá a Roma três dias por semana”, indicou Lombardi. Von Freyberg fala inglês, alemão, francês e também o italiano. Nasceu em 1958, obteve a licenciatura em Jurisprudência nas Universidades de Mônaco e de Bonn, trabalhou no TCR Europe Limited (Bemberg Group) e no Three City Research Inc. (Bemberg Group); fundou e dirigiu a Daiwa Corporate Advisory GmbH de 1991 a 2012, e desde o ano passado é presidente do Blohm+Vhoss Group, sociedade de Hamburgo ativa na produção naval. É membro ativo da Ordem de Malta e copresidente da associação que organiza as peregrinações a Lourdes para a diocese de Berlim. Fundou a Fundação Freyberg, que apoia instituições de educação católicas. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 Morar no Vaticano garantirá imunidade a Bento XVI. Joseph Ratzinger ficará dentro do Vaticano depois de sua renúncia, supostamente para garantir a tranquilidade para rezar e estudar pelo resto de seus dias. Mas fontes na Santa Sé confirmaram ontem que o papa Bento XVI também garantirá com isso sua imunidade legal, blindando o pontífice de qualquer tipo de processo que eventualmente seja lançado sobre os escândalos de pedofilia que assolaram a Igreja nos últimos dez anos. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-02-2013. Críticos do papa apontam que ele, durante o pontificado de João Paulo II, teria sido informado sobre dezenas de casos de pedofilia e jamais atuou. Como papa, porém, Bento XVI adotou uma política de tolerância zero em relação aos casos, suspendendo padres e determinando punições. Na Irlanda, por exemplo, ele pediu perdão às famílias das vítimas, reconhecendo o erro. Mas, ainda assim, sua gestão foi vista como insuficiente. Motivos. No Vaticano, fontes confirmaram que três motivos pesaram para que o papa permaneça dentro da Santa Sé, mesmo diante da polêmica em relação a ter dois papas dentro do mesmo território. Um dos aspectos que pesou foi o de não criar um segundo lugar de peregrinação, o que acentuaria a existência de dois papas. O temor é que, se ele optasse por ir a um monastério na Alemanha, o local poderia acabar se transformando em atração para os fiéis. O segundo aspecto seria a proteção da polícia do Vaticano, que já o conhece há 30 anos. Fora, significaria a necessidade de deslocar parte dessa polícia e mesmo do serviço secreto do Vaticano para atuar no exterior. Mas o aspecto mais importante da decisão de ficar dentro do Vaticano seria suas garantias jurídicas e sua capacidade de manter sua imunidade. Pelos acordos entre a Itália e o Vaticano, o território da Santa Sé é inviolável, o que significa que o papa jamais poderá ser detido pela Justiça italiana enquanto ele estiver dentro de seu território, seja para testemunhar em um caso ou simplesmente para ser processado. A Igreja diz não acreditar que processos contra o papa possam surgir. Mas, diante de uma série de casos polêmicos em vários países, a opção foi por não arriscar. Prisão. Em 2007, a Arquidiocese de Los Angeles acabou fechando um acordo para pagar US$ 600 milhões em compensações a vítimas de abusos. Isso evitou a prisão de padres e bispos. Grupos já tentaram pedir sua prisão nos últimos anos, alegando sua conivência com os escândalos sexuais da Igreja. Um dos casos foi proposto durante sua visita ao Reino Unido em 2010. Dois ativistas pediram a prisão do papa, o que foi negado por ele ser um chefe de Estado. Naquele mesmo ano, Bento XVI foi citado em um processo quando ainda era cardeal, em 1995. Ele teria sido informado sobre abusos sexuais nos EUA por um padre e optou por ignorar o caso. Em 2012, o processo acabou rejeitado, o que foi visto pelo departamento jurídico do Vaticano como uma prova de que o papa não pode ser considerado culpado pela ação de padres espalhados pelo mundo. Em 2011, nos Estados Unidos, grupos de apoio a vítimas de abusos por padres enviaram uma petição ao Tribunal Penal Internacional para que investigasse o papa e três outros religiosos pelo mesmo fato. Mas o TPI não deu seguimento ao caso. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 A infalibilidade com prazo de validade. Artigo de Vito Mancuso Se já é difícil entender como um ser humano pode vir a ser infalível, talvez ainda mais difícil é compreender como ele pode, de repente, deixar de sê-lo. A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 14-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Nessa quarta-feira, o porta-voz da Sala de Imprensa vaticana, o padre jesuíta Lombardi, declarou que, a partir da noite do dia 28 de fevereiro próximo, Joseph Ratzinger não será mais infalível. Ora, se já é difícil entender como um ser humano pode vir a ser infalível, talvez ainda mais difícil é compreender como ele pode, de repente, deixar de sê-lo. Porém, foi o próprio padre Lombardi que esclareceu bem a questão. E sublinhou que a infalibilidade "está conectada ao ministério petrino, não à pessoa que renunciou ao pontificado". Isto é, o atual pontífice é infalível como Papa Bento XVI, porque, como papa, goza da graça particular ligada ao seu estado de Pontífice Romano, que a teologia chama precisamente de "graça de estado". Não é nada infalível, ao invés, como indivíduo de nome Joseph Ratzinger, que, como homem como nós, pode se equivocar nas coisas comuns da vida, por exemplo, nos julgamentos sobre as pessoas (e eu não penso que possa haver dúvidas sobre o fato de que sobre alguns dos colaboradores ele não tenha sempre visto certo), nos julgamentos políticos e até naqueles bíblicos e teológicos. Ratzinger estava totalmente consciente de tudo isso, visto que escreveu no seu primeiro livro sobre Jesus que "cada um é livre para me contradizer", e o que leva um papa a dizer que cada um é livre para contradizê-lo (até quando escreve sobre Jesus!) senão precisamente a consciência da sua humana possibilidade de se equivocar? Mas se as coisas são assim, em que consiste precisamente a infalibilidade papal e de onde vem? A infalibilidade que cabe ao romano pontífice é o penúltimo dos dogmas declarados pela Igreja Católica. Foi proclamado pelo Concílio Vaticano I com a constituição dogmática Pastor aeternus, de 18 de julho de 1870, em uma Europa que, no dia seguinte, veria a eclosão da Guerra Franco-Prussiana entre o Segundo Império Francês e o Reino da Prússia, e em uma Roma que quase já pressentia a chegada das tropas piemontesas prontas para atacar a capital do Estado pontifício. O papa reinante era Pio IX, que seis anos antes havia publicado uma verdadeira declaração de guerra ao mundo moderno, o famoso Sílabo, ou seja, coleção de erros proscritos. Quem estava sob ataque, portanto, antes mesmo da capital do Estado pontifício, era a mente católica, que assistia ao irrefreável processo que a estava privando daquele primado moral e espiritual que ela detinha há séculos. Assim se explica o desejo de centralização em torno da figura do papa e do seu primado do qual brotou o dogma da infalibilidade pontifícia. Ele declara que o romano pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando define uma doutrina em matéria de fé e de moral, goza de infalibilidade. E que, para a fé católica, não se trata de um simples opcional; o Vaticano I a pensou deixando claro: "Se, porém, alguém, Deus não queira!, ousar contrariar essa nossa definição: seja anátema". Anátema, para quem não o sabe, é sinônimo de excomunhão. De 1870 até hoje, o dogma da infalibilidade foi usado somente uma vez, especificamente por Pio XII, em 1950, quando proclamou o dogma da Assunção aos céus da Santa Virgem Maria em corpo e alma. Mas, apesar do uso parcimonioso, a questão da infalibilidade tornou-se ardente assim mesmo por causa do célebre teólogo suíço Hans Küng, que, precisamente por ter criticado a infalibilidade pontifícia com um livro que fez época, intitulado Infalível? Uma pergunta (1970), foi privado por João Paulo II da qualificação de teólogo católico. É crível hoje um dogma como o da infalibilidade papal? A meu ver, ao invés, ele acaba afastando do sentimento religioso. Eu penso, de fato, que, para a consciência, é a própria noção de infalibilidade que se torna impossível hoje, quando as próprias ciências exatas se declaram conscientes de apresentar dados cada vez mais sujeitos a possíveis revisões e, como tais, declaráveis apenas "não falsificados" e nunca absolutamente verdadeiros. Vivemos em uma época em que a própria noção teórica de verdade é pouco crível, ainda mais quando se trata de verdade absoluta, dogmática, indiscutível. Ratzinger sabe bem disso e não por acaso, há muito tempo, acusa esta época de "relativismo", mas não é culpa de ninguém se as coisas são assim, é o espírito dos tempos que se move e se manifesta nas mentes depois de um século como foi o XX, e é preciso reconhecer isso se quisermos continuar falando ao mundo de hoje. Também à luz do fato de que um papa, Honório I, foi declarado herege pelo Concílio Ecumênico Constantinopolitano III, Küng propunha que se substituísse a infalibilidade pelo conceito de indefectibilidade, querendo dizer com isso que a questão subjacente à infalibilidade não se refere à razão teórica, mas sim à vontade, "ao coração", como diria Pascal, ou seja, que a Igreja nunca abrirá mão da tarefa belíssima de ser fiel ao seu Senhor e ao primado do bem e do amor que dele se segue. Parece-me uma proposta mais atual, mais humilde, mais evangélica. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 ''Bento XVI abdica como um rei. Uma revolução, aquele trono vazio''. Entrevista com Jacques Le Goff Jacques Le Goff está surpreso e fascinado pelo gesto de Bento XVI, um daqueles raríssimos eventos que, segundo o grande historiador, demonstram a força plurissecular do cristianismo. A reportagem é de Giampiero Martinotti, publicada no jornal La Repubblica, 12-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Professor Le Goff, a renúncia do papa faz pensar no trono vazio: é uma imagem adequada para resumir o gesto do pontífice? Sim e não. Pessoalmente, não é uma imagem que me toca muito, mas é importante para uma religião: ela mostra que, mesmo que a religião não tenha uma cabeça humana para mostrar, há sempre o trono que simboliza a existência de um rei no céu, Deus. Consequentemente, o trono vazio é o símbolo da continuidade. Ele é um dos atout do cristianismo, que sempre evitou as rupturas e para o qual a única ruptura foi a encarnação de Jesus. Pode haver crises, reviravoltas, catástrofes, mas o trono de Deus está sempre lá. Essa eterna associação entre a mudança e a continuidade, encarnada pelo trono vazio, é uma das virtudes do cristianismo. Como o senhor reagiu à demissão? Não se trata de demissão, porque a demissão é dada diante de uma assembleia perante a qual se é responsável. É um termo que se refere às democracias, não existe para o papa. Acredito que se deva voltar à palavra abdicação, como para os monarcas. Por que ele o fez, na sua opinião? Ele diz que é por causa da idade e do cansaço, mas, fundamentalmente, ele se retira diante do mundo moderno. Ele se sente incapaz de dominar este mundo, de fazer ouvir suficientemente a voz do Deus dos cristãos e da Igreja Católica neste mundo. Na sua retirada, sintetizam-se a lucidez, a modéstia, a esperança de permitir que a Igreja volte a subir a descida e enfrente melhor o futuro. E agora o que acontecerá? É a pergunta mais importante: o que o conclave fará? Certamente, eu não sei, não sou cardeal, nem eclesiástico e muito menos especialista da Igreja contemporânea. Como historiador, olho para o passado: nunca houve um papa que tenha se retirado entre o século XV e hoje. Na Idade Média, houve dois casos. Fala-se sobretudo de Gregório XII, papa no período do Grande Cisma, que se pode dizer que renunciou diante do Concílio de Basileia: na Idade Média, havia quem pensasse que o concílio era superior ao papa. Antes ainda, em 1294, houve Celestino V, do qual Dante fala na Divina Comédia como aquele que fez "a grande recusa". Apesar das diferenças muito grandes, há algo em comum entre Celestino V e Bento XVI. A mais de sete séculos de distância, o senhor vê alguma semelhança entre os dois casos? Celestino V era um eremita tradicional; Ratzinger, um teólogo tradicional. Penso que há algo de comparável. Celestino V pensava ser incapaz de guiar a Igreja porque pertencia profundamente ao cristianismo medieval tradicional, dominado pelo monaquismo, o anacoretismo, enquanto a cristandade havia se modificado profundamente, havia conhecido um desenvolvimento rural e urbano considerável e, no fim do século XIII, havia se tornado um mundo novo. Eu vejo uma semelhança entre essa época e este início do século XXI. Faz-me pensar em uma coisa que, como historiador, sempre me chamou a atenção, mesmo não sendo crente: penso que uma parte do Ocidente teve a sorte de ter o cristianismo como religião. Como assim? O que há de tão diferente das outras religiões? Essencialmente por duas razões. A primeira é que o cristianismo distingue o que pertence a Deus e o que pertence a César, não mistura religião e política. A segunda razão é que, apesar dos atrasos e da lentidão, apesar da crise que atinge todas as religiões, ele sobreviveu bastante bem, porque soube se adaptar às mudanças profundas deste mundo. E eu acredito que, nestas horas, estamos assistindo a um daqueles acontecimentos plurisseculares característicos do cristianismo. O senhor disse que Ratzinger se retira diante da modernidade. Porém, o teólogo que era catalogado como reacionário vai embora com um gesto moderno. Havia acontecido a mesma coisa com Celestino V: nunca se havia visto nada do tipo e, por isso, Dante fala a respeito. Ratzinger não rende homenagem à modernidade, porque, ao mesmo tempo, o seu gesto é uma rejeição da modernidade: o papa que abdica se retira dela. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 Quem vai pegar as chaves de Pedro A renúncia de Bento XVI. Seus últimos atos. O iminente conclave e os candidatos à sucessão. As novidades e as incógnitas de uma decisão sem precedentes na história. A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 14-02-2013. A tradução é do Cepat. Na tarde de uma quinta-feira comum de Quaresma, às 20h do dia 28 de fevereiro, Joseph Ratzinger dará, pois, esse passo que nenhum de seus predecessores havia ousado dar. Ele colocará na cátedra de Pedro as chaves do reino dos céus que outro estará chamado a pegar. Este gesto tem a força de uma revolução que não tem equivalente, nem sequer em séculos distantes. A partir daqui a Igreja entra em terreno desconhecido. Deverá escolher um novo Papa enquanto o predecessor ainda está vivo e suas palavras ainda ressoam, suas decisões ainda são aplicadas e sua agenda aguarda para ser executada. Esses cardeais que na manhã de 11 de fevereiro haviam sido convocados para a sala do consistório para a canonização dos 800 cristãos mártires de Otranto, que foram martirizados pelos turcos há seis séculos, ficaram atônitos quando ouviram Bento XVI, ao término da cerimônia, anunciar em latim sua renúncia ao pontificado. Cabe a eles, no meio da Quaresma, a tarefa de escolher o sucessor. No domingo de Ramos, 24 de março, o novo escolhido celebrará sua primeira missa na praça de São Pedro, no dia da entrada de Jesus em Jerusalém, montado no lombo de um burro e sendo aclamado como o “bendito que vem em nome do Senhor”. Serão 117 os cardeais que, em meados de março, se trancarão em conclave, o mesmo número que aqueles que há oito anos escolheram o Papa Joseph Ratzinger no quarto escrutínio com mais de dois terços dos votos, em uma das eleições mais rápidas e menos discutidas da história. Desta vez, no entanto, tudo será diferente. O anúncio da renúncia surpreendeu, como um ladrão na noite, sem que um longo ocaso do pontificado, como havia acontecido com João Paulo II, lhes tenha permitido chegar ao conclave com as opções já suficientemente analisadas. Em 2005, a candidatura de Ratzinger não surgiu repentinamente: ela tinha sido amadurecida ao menos durante alguns anos antes, e todas as candidaturas alternativas haviam fracassado uma após a outra. Agora, seguramente não será assim. E um elemento inédito se soma à dificuldade de distinguir as possíveis escolhas: a presença do Papa renunciante. O conclave é uma máquina eleitoral única no mundo que, afinada ao longo do tempo, conseguiu no último século produzir resultados surpreendentes, escolhendo Papa homens de qualidades decididamente mais elevadas do que o nível médio do colégio cardinalício que, por sua vez, os elegeram. Para citar o caso mais clamoroso, a escolha, em 1978, de Karol Wojtyla foi um momento de genialidade que permanecerá para sempre nos livros de história. A nomeação de Ratzinger, em 2005, não o foi menos, como confirmaram os quase oito anos de seu pontificado, marcado por uma distância insuperável entre a grandeza do escolhido e a mediocridade de muitos de seus eleitores. Além disso, os conclaves se caracterizam muitas vezes pela capacidade do colégio cardinalício de imprimir mudanças de rumo no papado. A sequência dos últimos Papas é instrutiva também a este respeito. Não é uma longa lista cinzenta, repetitiva e chata. É uma sucessão de homens e acontecimentos marcados cada um deles por uma forte originalidade. O inesperado anúncio do concílio feito pelo Papa João XXIII a um grupo de cardeais reunidos na Igreja de São Paulo Extramuros não foi, certamente, menos surpreendente e revolucionário que o anúncio da renúncia feito por Bento XVI a outro grupo de cardeais estupefatos há poucos dias. Mas nas próximas semanas acontecerá algo que nunca aconteceu. Os cardeais terão que decidir sobre o que é preciso confirmar ou inovar em relação ao pontífice precedente, enquanto este ainda está vivo. De Ratzinger todos recordam e admiram o respeito com o qual tratava também a quem era seu adversário: em relação ao cardeal Carlo Maria Martini, o mais eminente de seus opositores, manifestou sempre uma admiração profunda e sincera. Mas apesar de seu prometido retiro dedicado à oração e ao estudo, quase uma clausura, é difícil evitar que sua presença, embora silenciosa, não pese sobre os cardeais convocados para o conclave e, depois, sobre o novo escolhido. É inexoravelmente mais fácil falar com liberdade e franqueza de um Papa no céu do que com um ex-Papa na terra. Até dia 28 de fevereiro, a agenda de Bento XVI não sofrerá modificações. Depois do reto da imposição das cinzas e de uma “lectio” aos sacerdotes de Roma sobre o Concílio Vaticano II, ele aparecerá no domingo para o Angelus, receberá na quarta-feira em audiência geral, fará o Exercícios Espirituais escutando a pregação do cardeal Gianfranco Ravasi, receberá em visita “ad limina” os bispos de Ligúria presididos pelo cardeal Angelo Bagnasco e depois os da Lombardia sob a liderança do cardeal Angelo Scola. A casualidade quer que precisamente ele pudesse estar saudando o futuro Papa em um destes cardeais. Na Itália, na Europa e na América do Norte a Igreja atravessa anos difíceis, um período de declínio geral. Mas com um despertar de vitalidade e incidência pública, aqui e ali, às vezes inesperada, como aconteceu recentemente na França. Mais uma vez, portanto, os cardeais eleitores poderiam orientar-se para candidaturas oriundas desta área, que, em todo o caso, segue tendo a liderança teológica e cultural sobre toda a Igreja. E precisamente a Itália poderia voltar à corrida, após o pontificado de um polonês e de um alemão. Entre os candidatos italianos, Angelo Scola, 71 anos, parece ser aquele que tem mais chances. Formou-se em teologia no cenáculo da Communio, a revista internacional que teve Ratzinger entre seus fundadores. Foi discípulo de dom Luigi Giussani, o fundador da Comunhão e Libertação. Foi reitor da Lateranense, a Universidade da Igreja de Roma. Foi patriarca de Veneza, onde demonstrou uma eficaz capacidade de governo e criou um centro teológico e cultural, o Marcianum, projetado, junto com a revista Oasis, para o encontro entre o Ocidente e o Oriente cristão e islâmico. Há quase dois anos é arcebispo de Milão. E aqui introduziu um estilo pastoral muito atento aos “afastados”, com convites às missas na catedral distribuídos nas esquinas das ruas e nas estações de metrô, e com uma atenção especial para os divorciados em segunda união, que são animados a se aproximarem do altar para receber, não a comunhão, mas uma bênção especial. Além de Scola, poderia figurar na lista dos possíveis candidatos também o cardeal Bagnasco, 70 anos, arcebispo de Gênova e presidente da Conferência Episcopal Italiana. Para não falar do atual patriarca de Veneza, Francesco Moraglia, 60 anos, astro nascente do episcopado italiano, pastor de grande vida espiritual, muito amado por seus fiéis. Seu limite é que não é cardeal. Mas nada proíbe que possa ser escolhido também quem não faz parte do sacro colégio, embora inclusive o muito titulado Giovanni Battista Montini, invocado como Papa já em 1958 após a morte de Pio XII, teve que esperar para receber a púrpura antes de ser eleito, em 1963, com o nome de Paulo VI. Fora da Itália, o colégio cardinalício parece que se orienta e olha para a América do Norte. Ali, um candidato que pode corresponder às expectativas é o canadense Marc Ouellet, 69 anos, poliglota, também ele formado teologicamente no cenáculo da Communio, durante muitos anos missionário na América Latina, depois arcebispo de Quebec, isto é, de uma das regiões mais secularizadas do mundo e hoje prefeito da Congregação Vaticana que seleciona os novos bispos de todo o mundo. Além de Ouellet, dois norte-americanos são apreciados pelo colégio cardinalício: Timothy Dolan, 63 anos, dinâmico arcebispo de Nova York e presidente da Conferência Episcopal dos Estados Unidos; e Sean O’Malley, 69 anos, arcebispo de Boston. Nada, contudo, exclui que o próximo conclave decida abandonar o velho mundo e abrir-se aos outros continentes. Embora na América Latina e na África, onde reside a maior parte dos católicos, não parecem emergir personalidades relevantes capazes de atrair votos, o mesmo não acontece com a Ásia. Neste continente, que se prepara para converter-se no novo eixo do mundo, também a Igreja católica joga seu futuro. Nas Filipinas, que é o único país da Ásia onde os católicos são maioria, brilha um jovem e culto cardeal, o arcebispo de Manila Luis Antonio Tagle, em relação ao qual cresce a atenção. Como teólogo e historiador da Igreja, Tagle foi um dos autores da monumental história do Concílio Vaticano II publicada pela progressista “Escola de Bolonha”. Mas como pastor mostrou um equilíbrio de visão e uma retidão doutrinal que o próprio Bento XVI apreciou muito. Surpreende, sobretudo, o estilo com que exerce a missão de bispo, vivendo sobriamente e misturando-se com as pessoas mais humildes, com grande paixão missionária e de caridade. Um limite poderia ser que está com 56 anos, um ano a menos que a idade com a qual foi eleito Papa Wojtyla. Mas aqui volta a ter importância a novidade do anúncio de Bento XVI. Depois deste gesto, a jovem idade não será nunca um obstáculo para ser eleito Papa. Uma aposta sobrenatural A renúncia de Bento XVI ao papado não é, para ele, nem uma derrota nem uma rendição. “O futuro é nosso, o futuro é de Deus”, disse contra os profetas do infortúnio em sua última aparição pública antes do anúncio da renúncia, na tarde da sexta-feira, 08 de fevereiro, no seminário romano. E dois invernos atrás, falando precisamente sobre sua possível futura renúncia, havia advertido: “Não se pode fugir no momento de perigo e dizer: que outro se ocupe com isso. Pode-se renunciar num momento de serenidade ou quando simplesmente não dá mais”. Se agora, portanto, o Papa Joseph Ratzinger decidiu, em consciência, que sua jornada de “humilde trabalhador na vinha do Senhor” chegou ao fim, é simplesmente porque viu realizadas as duas condições: o momento é sereno e o vigor para “administrar bem” diminuiu pelo peso dos anos. Efetivamente, parece que há uma trégua depois das muitas tempestades que se sucederam em seus quase oito anos de pontificado. Uma trégua que, no entanto, deixou intactas as posições de poder que, na cúria, alimentam há muitos anos a instabilidade. Serão os dois últimos secretários de Estado, Angelo Sodano e Tarcisio Bertone, nenhum dos quais é inocente, que vão governar o interregno entre um Papa e outro: o primeiro como decano do colégio cardinalício e o segundo como carmelengo. Mas ambos sairão depois definitivamente de cena. Em relação aos outros dirigentes da cúria, o “spoils system” que entra em vigor, segundo a lei canônica em cada mudança de pontificado, libertará o novo Papa, caso ele o quiser, dos maus administradores da gestão anterior. Em seus quase oito anos de pontificado, Bento XVI foi determinado e clarividente ao indicar as metas e manter firme o timão, mas na barca de Pedro a tripulação nem sempre lhe foi fiel. Foi assim quando ele impôs uma linha de conduta rigorosa para combater o escândalo da pedofilia entre o clero, tendo que enfrentar aplicações hipócritas e tardias. Foi assim quando ele ordenou a limpeza e transparência nos escritórios financeiros eclesiásticos, sendo desobedecido. Foi assim quando ele viu como foi traído pelo mordomo de confiança, que violou seus segredos e roubou os documentos mais pessoais. Mas há mais. O Papa Ratzinger se esmerou sobretudo para reavivar a fé da Igreja, para corrigir as derivas na doutrina, na moral, nos sacramentos e nos mandamentos. E também aqui, muitas vezes, encontrou-se sozinho, atacado, incompreendido. Em síntese, a reforma que Bento XVI perseguia é uma reforma inacabada. Renunciando, reconheceu que não pode levá-la adiante com suas poucas forças. E se confiou ao conclave para que eleja um novo Papa que tenha a energia necessária para levar a cabo tal empresa. A sua é uma aposta sobrenatural que recorda a de seu predecessor João Paulo II nos últimos e dolorosos anos de sua vida. Entre os analistas da Igreja, é o professor Pietro De Marco, da Universidade de Florença, quem compreendeu com mais perspicácia o significado da audaz renúncia de Bento XVI. Parece haver uma diferença abissal entre o atual Papa e seu predecessor João Paulo II, que, em vez de renunciar, quis “permanecer na cruz” até o último momento. Mas não é bem assim. O Papa Karol Wojtyla quis tirar do carisma de seu corpo doente um proveito espiritual para a Igreja que ultrapassasse a crescente ineficiência de seu governo. Ao passo que Bento XVI enfrenta um risco simétrico: confia o governo da Igreja, isto é, seu “bem”, às forças completas de seu sucessor, em vez de aos benefícios espirituais oferecidos por uma entrega prolongada à própria debilidade, caso permanecesse no cargo. O carisma de João Paulo II e a racionalidade de Bento XVI são as duas faces indissolúveis dos dois últimos pontificados, cujo sinal são os respectivos atos finais. É, portanto, insensato ver na renúncia do atual Papa o início de uma nova práxis que obrigará os futuros pontífices a renunciar por doença ou pelo peso da idade, eventualmente sob a arbitragem de um júri visível ou invisível formado por médicos, bispos, canonistas, psicólogos. A decisão de um Papa de renunciar ou permanecer no cargo até o fim é sempre só sua, segundo o ordenamento da Igreja. Bento XVI decidiu sua renúncia “em consciência diante de Deus” e não a submeteu a ninguém. Simplesmente a comunicou. E agora colocou tudo nas mãos imponderáveis do próximo conclave e do futuro pontífice. Comenta De Marco: “O desafio, no que se refere ao juízo humano, é enorme. Mas confio nisto: do mesmo modo que o elevado risco de João Paulo II de governar a Igreja com seu ser sofredor obteve o milagre da eleição do Papa Bento, assim o risco, igualmente radical, de Bento de devolver a condução da Igreja a Cristo para que confie seu peso a um novo Papa com forças, permitirá ter um outro pontífice à altura da História”. Sábado, 16 de fevereiro de 2013 Retrato falado de um Papa sonhado. “Com boa saúde, universal, humilde, amigo dos mais pobres... que saiba sorrir”. O artigo é de Pedro Miguel Lamet, padre jesuíta, jornalista e escritor, espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 15-02-2013. A tradução é do Cepat. Estas são as características de um “retrato falado” ideal do próximo Papa, na minha opinião: 1. Um homem que tenha desperto. Quer dizer, um homem de Deus, de oração e, na medida do possível, de experiência mística. Entendo por “despertar” alcançar uma luz interior que lhe permita, acima da norma e do constrangimento canônico, olhar além da cúria, dos dogmas, do Direito e das convenções para abrir-se ao Espírito, que “sopra onde quer”. 2. Um homem de mundo. Ser um homem de mundo não significa “ser do mundo”, mas estar no mundo com conhecimento do mesmo. Não um papa de gabinete, fechado em seu santuário e isolado da vida. Tampouco um papa de viagens preparadas nos quais não acaba de sair da bolha e falar com as pessoas reais. Um papa que não só fale, mas que também saiba escutar e, sobretudo, que dialogue com a cultura atual. 3. Um homem que saiba sorrir. Lembro que durante a eleição de João Paulo I e João Paulo II um comitê americano para a eleição de um papa colocou como condição que soubesse rir. Ambos, e também Bento XVI, souberam rir. Mas para além de uma experiência do rosto, o mundo necessita de otimismo e esperança diante de tantos catastrofismos. 4. Um homem corajoso, que não tenha medo das reformas. Foi dito que Bento XVI não pôde fazer as mudanças que pretendia na cúria e, segundo expressão do diretor do L’Osservatore Romano, que estava “rodeado de lobos”. Necessita-se de vigor espiritual e físico para empreender as reformas de que a Igreja necessita. 5. Um homem do Vaticano II. Aos 50 anos do Concílio todos os especialistas sérios afirmam que há questões pendentes em sua realização. Diante da involução atual e uma atitude defensiva de proteger-se nos castelos de inverno diante de uma sociedade considerada inimiga da Igreja, é preciso voltar à praça pública e retomar o conceito de Povo de Deus, de Ecumenismo, de Liberdade, de independência dos poderes públicos, de não pretender batizar as instituições civis, de oferecer a mensagem de Jesus sem impô-la. E que não tenha medo, se for necessário, de convocar um novo concílio. 6. Um homem livre. Deduz-se desse despertar interior do primeiro ponto. Mas o ofício de papa está cheio de condicionamentos para quem se senta na Sé Apostólica. É preciso olhar sobretudo para a sua consciência e diante de Deus tomar decisões. O último ato de Bento XVI foi, neste sentido, um maravilhoso exemplo. 7. Um homem com boa saúde. Nem muito idoso nem muito jovem. Psicológica e fisicamente maduro com capacidade física e espiritual para enfrentar os desafios de um tempo difícil. De 65 a 75 anos, diria e em forma para durar como papa ao menos uma década, não mais. 8. Um homem universal. Seria bom se não pertencesse a nenhuma família ou movimento religioso, para que fosse de todos. Me inclinaria, se é que existe o candidato com as demais qualidades, que pertencesse ao Terceiro Mundo, particularmente à América Latina onde vive quase a metade dos católicos. 9. Um homem humilde. Embora esteja incluído no pacote de santo, especifico a humildade e a simplicidade, porque cargo tão importante pode provocar orgulho, segurança e prepotência e só a humildade, o desaparecimento do eu, permitirá que Deus atue através dele. 10. Um homem amigo dos mais pobres. Todas as bem-aventuranças podem ser resumidas na seguinte: “os pobres são evangelizados”. O novo papa deve ter no coração, sobretudo, o lado obscuro do mundo, aquele que não conta, o da fome e da injustiça. Talvez seja prematuro, mas quando virá o tempo em que os palácios vaticanos se converterão em museus e o papa se mude para uma residência simples, deixe de viajar como chefe de Estado e embaixador em todo o mundo? Mas ao menos não seria pouco se, ao final de seu pontificado, se pudesse chamá-lo de “o papa dos pobres”. Não custa sonhar! A eleição de um novo papa e o Espírito Santo. Ivone Gebara Escritora, filósofa e teóloga Fonte: ADITAL 14/2/2013 Depois da louvável atitude do ancião Bento XVI renunciando ao governo da Igreja Católica Romana sucederam-se entrevistas com alguns bispos e sacerdotes nas rádios e televisões de todo o país. Sem dúvida, um acontecimento de tal importância para a Igreja Católica Romana é notícia e leva a previsões, elucubrações de variados tipos, sobretudo de suspeitas, intrigas e conflitos dentro dos muros do Vaticano que teriam apressado a decisão do papa. No contexto das primeiras notícias, o que chamou a minha atenção foi algo à primeira vista pequeno e insignificante para os analistas que tratam dos assuntos do Vaticano. Trata-se da forma como alguns padres entrevistados ou padres liderando uma programação televisiva, quando perguntados sobre quem seria o novo papa saíssem pela tangente. Apelavam para a inspiração ou vontade do Espírito Santo como aquele do qual dependia a escolha do novo pontífice romano. Nada de pensar em pessoas concretas para responder a situações mundiais desafiantes, nada de suscitar uma reflexão na comunidade, nada de falar dos problemas atuais da Igreja que a tem levado a um significativo marasmo, nada de ouvir os clamores da comunidade católica por uma democratização significativa das estruturas anacrônicas de sustentação da Igreja institucional. A formação teológica desses padres comunicadores não lhes permite sair de um discurso padrão trivial e abstrato bem conhecido, um discurso que continua fazendo apelo a forças ocultas e de certa forma confirmando seu próprio poder. A contínua referência ao Espírito Santo a partir de um misterioso modelo hierárquico é uma forma de camuflar os reais problemas da Igreja e uma forma de retórica religiosa para não desvendar os conflitos internos que a instituição tem vivido. A teologia do Espírito Santo continua para eles mágica e expressando explicações que já não conseguem mais falar aos corações e às consciências de muitas pessoas que têm apreço pelo legado do Movimento de Jesus de Nazaré. É uma teologia que continua igualmente a provocar a passividade do povo crente frente às muitas dominações inclusive as religiosas. Continuam repetindo fórmulas como se estas satisfizessem a maioria das pessoas. Entristece-me o fato de verificar mais uma vez que os religiosos e alguns leigos atuando nos meios de comunicação não percebam que estamos num mundo em que os discursos precisam ser mais assertivos e marcados por referências filosóficas para além da tradicional escolástica. Um referencial humanista os tornaria bem mais compreensivos para o comum das pessoas incluindo-se aqui os não católicos e os não religiosos. A responsabilidade da mídia religiosa é enorme e inclui a importância de mostrar o quanto a história da Igreja depende das relações e interferências de todas as histórias dos países e das pessoas individuais. Já é tempo de sairmos dessa linguagem metafísica abstrata como se um Deus iria se ocupar especialmente de eleger o novo papa prescindindo dos conflitos, desafios, iniquidades e qualidades humanas. Já é tempo de enfrentarmos um cristianismo que admita o conflito das vontades humanas e que no final de um processo eletivo, nem sempre a escolha feita pode ser considerada a melhor para o conjunto. Enfrentar a história da Igreja como uma história construída por todos e todas nós é testemunhar respeito por nós mesmas/os e mostrar a responsabilidade que todas e todos que nos consideramos membros da comunidade católica romana temos. A eleição de um novo papa é algo que tem a ver com o conjunto das comunidades católicas espalhadas pelo mundo e não apenas com uma elite idosa minoritária e masculina. Por isso, é preciso ir mais além de um discurso justificativo do poder papal e enfrentar-se aos problemas e desafios reais que estamos vivendo. Sem dúvida, para isso as dificuldades são muitas e enfrentá-las exige novas convicções e o desejo real de promover mudanças que favoreçam a convivência humana. Preocupa-me mais uma vez que não se discuta de forma mais aberta o fato de o governo da Igreja institucional ser entregue a pessoas idosas que apesar de suas qualidades e sabedoria já não conseguem mais enfrentar com vigor e desenvoltura os desafios que estas funções representam. Até quando a gerontocracia masculina papal será o doublé da imagem de um Deus branco, idoso e de barbas brancas? Haveria alguma possibilidade de sair desse esquema ou de ao menos começar uma discussão em vista de uma organização futura diferente? Haveria alguma possibilidade de abrir essas discussões nas comunidades cristãs populares que têm o direito à informação e à formação cristã mais ajustada aos nossos tempos? Sabemos o quanto a força das religiões depende de desafios e comportamentos frutos de convicções capazes de sustentar a vida de muitos grupos. Entretanto, as convicções religiosas não podem se reduzir a uma visão estática das tradições e nem a uma visão deliberadamente ingênua das relações humanas. As convicções religiosas igualmente não podem ser reduzidas a onda de devoções as mais variadas que se propagam através dos meios de comunicação. E mais, não podemos continuar tratando o povo como ignorante e incapaz de perguntas inteligentes e astutas em relação à Igreja. Entretanto, os padres comunicadores acreditam tratar com pessoas passivas e entre elas estão muitos jovens que desenvolvem um culto romântico em torno da figura do papa. Os religiosos mantêm essa situação muitas vezes cômoda por ignorância ou por avidez de poder. Provar a interferência divina nas escolhas que a Igreja Católica hierárquica, prescindindo da vontade das comunidades cristãs espalhadas pelo mundo é um exemplo flagrante dessa situação. É como se quisessem reafirmar erroneamente que a Igreja é em primeiro lugar o clero e as autoridades cardinalícias às quais é dado o poder de eleger o novo papa e que esta é a vontade de Deus. Aos milhares de fiéis cabe apenas rezar para que o Espírito Santo escolha o melhor e esperar até que a fumaça branca anuncie uma vez mais o habemus papam. De maneira hábil sempre estão tentando fazer os fiéis escapar da história real, de sua responsabilidade coletiva e apelar para forças superiores que dirijam a história e a Igreja. É pena que esses formadores de opinião pública estejam ainda vivendo num mundo teologicamente e talvez até historicamente pré-moderno em que o sagrado parece se separar do mundo real e pousar numa esfera superior de poderes à qual apenas alguns poucos têm acesso quase direto. É desolador ver como a consciência crítica em relação às suas próprias crenças infantis não tenha sido acordada em beneficio próprio e em benefício da comunidade cristã. Parece até que acentuamos os muitos obscurantismos religiosos presentes em todas as épocas enquanto o Evangelho de Jesus continuamente convoca para a responsabilidade comum de uns em relação aos outros. Sabendo das muitas dificuldades enfrentadas pelo papa Bento XVI durante seu curto ministério papal, as empresas de comunicação católica apenas ressaltam suas qualidades, sua doação à Igreja, sua inteligência teológica, seu pensamento vigoroso como se quisessem mais uma vez esconder os limites de sua personalidade e de sua postura política não apenas como pontífice, mas também por muitos anos, como presidente da Congregação da Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício. Não permitem que as contradições humanas do homem Joseph Ratzinger apareçam e que sua intransigência legalista e o tratamento punitivo que caracterizaram, em parte, sua pessoa sejam lembrados. Falam desde sua eleição, sobretudo de um papado de transição. Sem dúvida de transição, mas de transição para que? Gostaria que a atitude louvável de renúncia de Bento XVI pudesse ser vivida como um momento privilegiado para convidar as comunidades católicas a repensar suas estruturas de governo e os privilégios medievais que esta estrutura ainda oferece. Estes privilégios tanto do ponto de vista econômico quanto político e sócio cultural mantêm o papado e o Vaticano como um Estado masculino à parte. Mas um Estado masculino com representação diplomática influente e servido por milhares de mulheres através do mundo nas diferentes instâncias de sua organização. Esse fato nos convida igualmente a pensar sobre o tipo de relações sociais de gênero que esse Estado continua mantendo na história social e política da atualidade. As estruturas pré-modernas que ainda mantém esse poder religioso precisam ser confrontadas com os anseios democráticos de nossos povos na busca de novas formas de organização que se coadunem melhor com os tempos e grupos plurais de hoje. Precisam ser confrontadas com as lutas das mulheres, das minorias e maiorias raciais, de pessoas de diferentes orientações sexuais e escolhas, de pensadores, de cientistas e de trabalhadores das mais distintas profissões. Precisam ser retrabalhadas na linha de um diálogo maior e mais profícuo com outros credos religiosos e sabedorias espalhadas pelo mundo. E para terminar, quero voltar ao Espírito Santo, a esse vento que sopra em cada uma/um de nós, a esse sopro em nós e maior do que nós que nos aproxima e nos faz interdependentes de todos os viventes. Um sopro de muitas formas, cores, sabores e intensidades. Sopro de compaixão e ternura, sopro de igualdade e diferença. Este sopro não pode mais ser usado para justificar e manter estruturas privilegiadas de poder e tradições mais antigas ou medievais como se fossem uma lei ou uma norma indiscutível e imutável. O vento, o ar, o espírito sopra onde quer e ninguém deve se atrever a querer ser ainda uma vez seu proprietário. O espírito é a força que nos aproxima uns dos outros, é a atração que permite que nos reconheçamos como semelhantes e diferentes, como amigas e amigos e que juntos/as busquemos caminhos de convivência, de paz e justiça. Esses caminhos do espírito são os que nos permitem reagir às forças opressoras que nascem de nossa própria humanidade, os que nos levam a denunciar as forças que impedem a circulação da seiva da vida, os que nos levam a descobrir os segredos ocultos dos poderosos. Por isso, o espírito se mostra em ações de misericórdia, em pão partilhado, em poder partilhado, em cura das feridas, em reforma agrária, em comércio justo, em armas transformadas em arados, enfim, em vida em abundância para todas/os. Esse parece ser o poder do espírito em nós, poder que necessita ser acordado a cada novo momento de nossa história e ser acordado por nós, entre nós e para nós.