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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Escatologia Paulina


Tensão entre o Presente e o Vindouro


A esperança é um dos bens da existência humana. Paulo percebeu claramente tal fenômeno, sua mensagem de salvação é dirigida ao SH concreto, ameaçado, desperançado. “O ser humano é um ser insatisfeito. Finitude consciente e ânsia de existência perdurável, ser imperfeito e aberto a um constante aperfeiçoamento, o ser humano existe e tem que existir projetando-se” Neste projetar-se o ser humano (SH) demonstra sua abertura ao futuro, ao desconhecido, à aquilo que só se pode pensar.

         Paulo descreve a vida cristã como tensão, como vigília extremamente ativa e dinâmica, em função do encontro com Cristo Ressuscitado, e define como o SH deseja a vinda de seu Senhor. Por isso Paulo olha a morte como contingência: um fato que afeta o SH, mas que já não pode ser obstáculo à sua esperança nem construir, por outra parte, um condicionamento dela. Por isso também, considera o Céu, antes de tudo, como dialogo, afloração perpetua da amizade, quando o cristão estiver ‘para sempre com o Senhor”(I Tess 4,17), participando de sua glória e seu triunfo.

         Na Bíblia encontra-se a riqueza muito grande desta busca de esperança e sua concretização. O Primeiro Testamento (IT) sublinha o caráter efêmero da existência humana, especialmente a debilidade e carência da criatura que não pode valorizar-se, completar-se, em uma palavra, transcender-se, sem receber de Deus os bens que não possui por si mesma. Para a Bíblia o tempo é dimensão necessária à condição humana. Não é nem circular, nem helicoidal, nem simbólico, como nas concepções pagãs. É retilíneo e irreversível, um tempo vetorial. Parte de um ponto e caminha em uma direção. Cada segmento tem seu significado e posição própria. Nele se dá a realização de um designo, de uma “economia “divina. Por isso Abraão, que parte para não voltar e aceita “aventura” do tempo, é o modelo do israelita, sempre a caminho, e cuja atitude religiosa é a expectação, a espera.

         O IT tem sua continuidade no Segundo Testamento (IIT). Há, porém, uma mudança de perspectivas, na qual insiste Paulo: ‘Para o judaísmo, o ponto central do tempo está situado no futuro: o mundo novo ficará inaugurado com a vinda do messias, nos tempos vindouros. O cristianismo—sem perder de vista a meta final—coloca o ponto central no passado: o momento decisivo é aquele em que Cristo apareceu sobre a terra, dividindo em duas partes a historia humana.” Esse é para Paulo, o momento-cume, o grande ‘agora”, a plenitude dos tempos (Gal 4,4). Começaram ao dias salutares, o tempo favorável, e cada um pode, escutando a palavra de salvação, empreender o caminho que conduz à sua posse plena.

         Pode-se dizer, que, segundo a Bíblia, a existência humana é contingente, precariedade, finitude; mas é tudo isso enquanto é caminho, projeção, transcendência, para aquele que é sua princípio e fim e no qual encontra todo o seu cumprimento e plenitude. Eis por que a versão escatológica de Paulo como em todo IIT, é um fato fundamental. Trata-se de que toda vida cristã, inclusive a vida presente, está sob a luz escatológica. E os traços essenciais da teologia paulina não podem compreender sem essa visão. Para Paulo o cristão é peregrino, SH sempre em marcha. Os verbos de movimento: na primeira carta aos Coríntios o processo da luta, da ascese cristã, está em paralelo com a corrida dos atletas, metáfora que contem a exortação a correr de maneira a alcançar a meta. Aos Gálatas escreve: “Correis bem”. De si mesmo afirma “Prossigo em direção do alvo’. E já próximo da morte, resume toda sua vida de apostolo nesta expressão: “Terminei minha carreira” (2Tm 4,7).

         Se o cristão deve estar sempre em marcha, é porque não tem aqui na terra morada permanente; é membro da Jerusalém celeste (Gal 4,26) cidadão do Céu (Fl 3,20); pertence ao século futuro, ao mesmo tempo que vive no presente. Tem , pois, uma meta bem definida e sabe para onde vai; embora caminhe não na visão, mas na noite da fé. Com relação a essa meta do peregrinar cristão, o pensamento de Paulo, ainda sem perder a orientação ultima da glorificação escatológica, apresenta matizes, que vem a ser aspectos complementares da mesma realidade. Por isso Paulo exorta aos Efésios (4,1) “a caminhar de um modo digno de sua vocação” cujos frutos são bondade, justiça e verdade, concretizando nesses três termos a imagem do cristão perfeito. A maturidade cristã, da perfeição da vida espiritual, como meta ardentemente desejada, fala Paulo aos Filipenses, descrevendo sua própria experiência. A passagem se reveste de humilde confissão: Não que eu já tenha alcançado o premio ou que já seja perfeito, mas prossigo minha carreira para ver se de algum modo o poderei alcançar, visto que eu fui apreendido por Cristo Jesus (Fl 3,20).

         Paulo, que descreve a vida cristão como caminho, assinala também as atitudes fundamentais dessa vida: na fé, na esperança e na caridade, o cristão tende, por meio de Cristo e no Espírito Santo, ao Pai. Desse modo, vai progressivamente aprofundando no mistério de comunhão que é a vida cristã, até que seja admitido na plena comunhão da glória. A afirmação teologal de Paulo sobre a fé, esperança e caridade, aparecem mais dez vezes (Rm 12,6.9.12.; Ef 4,2-5; 2Ts 1,3-4; 1 Tm 1,14-16; 2Tm 3,10; At 6,10-12; 10,22-24; Cl 1, 4-5; 1 Cor 11-13).

         Na primeira carta aos Tessolonices, caracteriza-se a atitude dos cristãos, diante daqueles que não são, servindo-se de uma alegoria da vida militar e exortando-os a revestir-se da “couraça da fé e da caridade , e do elmo da esperança da salvação”. Do mesmo modo, a fé em Cristo Jesus, que confessam os Colossenses e sua caridade para com os santos, em vista da esperança que lhes está reservada na outra vida é para ele motivo de alegria e de incessantes ações de graças. Aos Gálatas recorda que “o Espírito nos move a esperar os bens da justiça” e que em Cristo Jesus só tem validez a fé que opera pela caridade.

         As relações entre a Fé e a Esperança vem expressas na epistola aos Hebreus ‘A fé é a firme segurança do que esperamos, a convicção do que não vemos’. Isto é, a fé é a base e o suporte da esperança, já que esta tem por objeto bens futuros e invisíveis e que devem ser, portanto, previamente, objeto da fé. A Esperança não ficará, porque o amor de Deus se derramou em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm5,5).

         Paulo mostra a face autentica da esperança: ninguém mais livre nem ativo que o SH de esperança, o verdadeiro cristão.A perspectiva escatológica, que define sua vida, reclama do cristão o Maximo de atenção e de lucidez. Não se trata de estar próximo e alerta, mas se lhe pede também uma atitude dinâmica, capaz de determinar um estilo de vida.

         A vida cristã é tensão, é vigília extremamente ativa e dinâmica, Por isso Paulo olha a morte como contingência. Vida e morte são duas noções complementares para Paulo; a primeira tem toda plenitude, não só a existência do composto humano, mas sobretudo, a vida de graça e a vida da gloria: a participação na justiça d e Cristo, a Bem-aventurança celestial. Paralelamente, a morte designa, nos escritos paulinos, ora a separação física da alma e do corpo, ora a privação da graça santificante; ora a condenação eterna, que no evangelho de João é chamada de segunda morte; outras vezes significa todas essas juntas, unidas por um laço de intima dependência.

         Na carta aos Romanos, todos os efeitos do pecado são compreendidos sob o nome de morte e todos os efeitos da graça como vida. Ao horror diante da morte, Paulo expressa aos Coríntios quando lhes diz que a passagem para a vida, sem ter que atravessar o difícil transe da morte, é um reverti-se que se espera com ardor para qual o mortal seja absorvido pela vida (2 Cor 15,21). A segunda parte da Carta aos Romanos constitui uma argumentação comprovada da segurança da esperança, fundamentada no amor de Deus ao SH.

         Paulo ainda acentua o aspecto de nossa participação na morte de Cristo, servido-se do simbolismo do Batismo. A participação na morte de Cristo, começada no Batismo, é fortalecida, em cada sacramento, no âmbito da mistério, e faz-se perceptível à nossa experiência nas dores e padecimentos da vida para atingir sua plenitude na morte corporal. Tal morte vem a ser, assim, a ultima e suprema possibilidade de participação na morte de Cristo. É nisso precisamente que se revela sua face autentica, não só o ponto final, causal ou naturalmente sucedido da vida que declina, senão o supremo desenvolvimento e maturação daquilo que foi fundamento no batismo.

         A razão ultima do cristão diante da morte está em que ela é fruto do pecado; é, portanto, em ultima analise, a angustia ante o afastamento de Deus. Porque não há duvida de que o sentido mais profundo da morte consiste em ser um encontro do SH com Deus, um processo entre Deus e a pessoa humana, algo que acontece entre a solidão do Tu divino e do eu humano. Por outra parte, quanto mais Deus se aproxima dele, tanto mais claramente vê o SH sua oposição a Deus, tanto mais aprende a medir-se sua insuficiência e impureza com a medida de Deus, a sentir-se pecador. Está é a angústia do SH diante  da morte.

         Há nos cristãos muitas atitudes falsas, em relação a essa outra vida, que chamamos céu. As mais freqüentes consistem em imaginar o céu como compensação das fraquezas, às ignorâncias e misérias da terra; como solução às injustiças sociais de nosso mundo; como desculpa do não compromisso nas tarefas terrestres, ou uma espécie de espetáculo para espectadores passivos e fechados em si mesmos. A noção paulina de céu difere completamente de tudo isso. Para conhecer o que é céu, na mente de Paulo, há uma expressão chave em seus escritos “ estar com Cristo”. Paulo fala também do céu como experiência inefável, como visão face a face (1 Cor 12,2-4). Não há duvida, porém, de que, para Paulo, o ceu se centraliza, antes de tudo, em uma pessoa –Jesus Cristo— e que “estar com Cristo” resume tudo. O conteúdo desta frase permite-nos afirmar portanto, que se para Paulo a vida é tensão, e a morte contingência, o céu é, antes de tudo, diálogo, plena floração da amizade, amizade com Cristo. Esse dialogo, começado sobre a terra, na união germinal e imperfeita da graça, pode desenvolver-se e culmina na perfeita união escatológica.

         Paulo sabe que a plenitude do ‘estar com Cristo’ só se conquistará na Parusia, quando o Cristo glorioso vier do céu para transformar nosso corpo e torna-lo semelhante ao seu (Fl 3,20-21).Por isso vive totalmente orientado para a parusia. A volta de Cristo está continuamente no horizonte de seus pensamentos.Nada exerce sobre ele influencia tão poderosos como essa espera. Com ela consola e reconforta o coração dos crente nas tribulações (1Cor 7,26; 16,22; Tm 1,12). Nela se apóia para pedir-lhes Constancia e fidelidade. Os textos escatológicos, mais extensos de toda a literatura neotestamentaria, encontram-se em suas cartas

         O cristão (ã) sensível aos sinais dos tempos, não pode colocar-se fora desta realidade histórica: vivemos a hora da esperança, pois ela venceu o medo. Na ordem das esperanças humanas, as pessoas e os grupos sociais estão sedentos de vida plena e de vida livre, digna do SH, que coloque a seu serviço as imensas possibilidades que lhes oferece a cultura atual. Na ordem da esperança supraterrena, o SH sente-se limitado em seus desejos e chamado a uma vida superior. A inquietação, a expectativa formam desse modo a trama de sua existência e dão a Tonica à conjuntura histórica presente. Daí, a grande atualidade da doutrina paulina, com sua teologia da esperança.

         Paulo traz à luz, em muitas passagens, a dialética da esperança e ensina aos cristãos(ãs) que lhes foi dada a existência celestial, mas só em germe; que estão santificados, mas só na raiz; são filhos de Deus, mas ainda não se revelaram como tais; caminham para a meta não chegaram ainda; a figura deste mundo está passando, contudo, ainda não terminou. A situação de posse e de espera é, pois, a que define a condição cristã na terra: peregrina, caminhante na fé e esperança. Semelhante tensão entre o presente e o vindouro é, por outra parte,uma tensão humana. O SH leva em seu próprio ser um impulso indefectível para o futuro. É e VEM A SER, num processo continuo de fazer-se, de realizar-se; é esta tensão que o define como ser histórico.

 

BIBLIOGRAFIA

Freitas, Maria Carmelita; Dialética e dinamismo da esperança cristã; Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1968.

Mackenzie, John L.; Dicionário bíblico 4aedição, Paulus, São Paulo, SP, 1984.

Junges, José Roque; Evento Cristo e Ação humana, Ed.Unisinos, São Leopoldo RS, 2001

Misterium Salutis; V/3, A escatologia, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ; 1985

Lepargneur, Hubert, Esperança e escatologia, Ed. Paulinas, São Paulo, SP; 1974.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Tradição Magistério Escritura


Tradição + Magistério + Escritura.

O que é a Bíblia?

Digamos à guisa de definição, que a Bíblia é um conjunto de 73 livros com vários títulos ou denominações: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Evangelhos, várias epístolas etc., os quais podem ser localizados pelo índice geral dela. Divide-se em duas partes bem destacáveis: o Antigo Testamento e o Novo Testamento.

Testamento é o nome que se dá à Aliança "contraída" com Abraão e "cumprida" em Jesus Cristo. Enquanto projeção  de Abraão designou-se por Antigo Testamento aos acontecimentos a ela correlatos;  quando afins à Nova Aliança em Jesus Cristo, tomou o nome de Novo Testamento. É que um testamento "traz" disposições que devem ser "cumpridas" após a morte de um dos testadores, no caso, Abraão no Antigo e Jesus no Novo, "trazendo", para a Homem "cumprir", "disposições de última vontade", e "uma herança".

A Bíblia vem geralmente dividida em capítulos e versículos. Os capítulos são especificados por números maiores colocados num começo de narrativa parcial e os versículos por algarismos menores colocados antes das frases que compõem o capítulo. Costuma-se dar títulos aos vários capítulos, ou a trechos deles, também conhecidos por "perícopes", que foram ai incorporados pretendendo facilitar a compreensão e a localização por assuntos, mas não fazem parte integrante e indestacável do contexto.

 

POR QUÊ A BÍBLIA É IMPORTANTE?

Só há uma razão pela qual se pode dizer que a Bíblia é importante, tal como São Paulo diz: "E não somos como Moisés, que punha um véu sobre o rosto, para que os filhos de Israel não vissem o final da glória que se desvanecia; e assim o entendimento deles ficou obscurecido. Pois até o dia de hoje, à leitura do velho testamento, permanece o mesmo véu, não lhes sendo revelado que em Cristo é ele abolido; sim, até o dia de hoje, quando Moisés é lido, um véu está posto sobre o coração deles. Contudo, convertendo-se ao Senhor, é-lhe tirado o véu" (2 Co 3,13-16).

A Bíblia é importante por causa de: Jesus Cristo

Sem Jesus Cristo, a Bíblia não passa de um dos livros ultrapassados que por ai existem nos museus ou em uso nos mitos e superstições ou fossilizados. Pode-se pretender que ela seja a Palavra de Deus. E é, mas a Palavra de Deus plenamente revelada por Jesus Cristo. Ele é a Revelação por excelência, a única Revelação do Pai;

Jesus é a Palavra do Pai

Diz-se que Jesus é a PALAVRA porque manifesta ou revela o Pai, tal como Ele mesmo o diz: "Jesus lhe disse: "Filipe, há tanto tempo estou convosco e não me conheces? Quem me tem visto, tem visto o Pai. Como podes dizer: mostra-nos o Pai?"  (Jo 14,9). Também Paulo e João o dizem: "Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criatura..." (Col 1,15) “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus"  (...) "Ninguém jamais viu a Deus. o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, é quem o deu a conhecer."  (Jo 1,1.18).

É essa a função da PALAVRA: tornar conhecido o que ela significa. Caso um professor permaneça em silêncio perante um grupo de alunos, eles nada saberão de seu saber íntimo, pois, sem a palavra nada se sabe. Quando ele começar a falar, a fazer o uso "da palavra", passará a ser entendido e os alunos apreenderão o que ensina, por aquilo que ele "revelar" com a sua palavra. Ora, Jesus "revelou" o Pai; logo, JESUS é a PALAVRA DO PAI.

 

Revelação

Já ficou claro pelo acima exposto que Cristo é a Revelação única e definitiva, e que somente aquilo que transmitiu aos Apóstolos, que nos vem pela Tradição e o Magistério da Igreja, pode-se dizer "revelado". É que, com a morte do último Apóstolo, terminou a transmissão oral da Revelação, o que se conhece por Tradição, ficando apenas o que foi deixado por eles como "depósito" (de fé), como o denominou São Paulo (1 Tm 6,20; 2 Tm 1,12-14), que compõe o Magistério da Igreja, aquilo que ela ensina. Melhor o diz o Catecismo da Igreja Católica, recém promulgado por João Paulo II: "'Muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho' (Hb 1,1-2). Cristo, Filho de Deus feito homem, é a Palavra Única, Perfeita e Insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não haverá outra palavra além dessa. (...) A Economia Cristã, portanto, como Aliança Nova e Definitiva, jamais passará, e já não se há de esperar nenhuma outra Revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo"   (n.º 64-65).

 

Inspiração

Tal como a Revelação, também a Inspiração Bíblica já acabou. O que ilumina a Igreja em prosseguimento à Obra de Cristo (Jo 20,21) é uma especial Assistência do Espírito Santo, e não se confunde com a Inspiração Bíblica, como a própria Igreja define e explica: "A verdade divinamente revelada, que os livros da Sagrada Escritura contêm e apresentam, (...). ...escritos sob a Inspiração do Espírito Santo (cf. Jo 20,31; 1 Tm 3,16; 2 Pe 1,19-21; 3,15-16), eles têm Deus por autor e nesta qualidade foram confiados à Igreja. Para escrever os Livros Sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens, na posse das suas faculdades e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, escrevessem, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele próprio queria" ("Dei Verbum" n.º 11; Catecismo. da Igreja Católica n.º 105/106). "Por isso, a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos. (...). Esta Tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na Igreja sob a Assistência do Espírito Santo..." (Constituição 'Dei Verbum', Conc. Vat. II, n.º 8).

O que não se deve perder de mira é que tanto a Revelação como a Inspiração foram dons ou carismas especiais de Deus para a confecção da Sagrada Escritura, e isto se deu quando dos originais, não se estendendo às traduções, aos comentários ou mesmo à exegese. Por isso, a missão da Igreja de interprete única, por causa daquele já mencionado "depósito" (da fé) que lhe é pertinente: "O 'depósito' (1 Tm 6,20; 2 Tm 1,12-14) da fé ("depositum fidei"), contido na Sagrada Tradição e na Sagrada Escritura, foi confiado pelos Apóstolos à totalidade da Igreja. 'Apoiando-se nele, o Povo Santo todo, unido a seus Pastores, persevera continuamente na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na Fração do Pão e nas Orações, de sorte que na conservação, no exercício e na profissão da fé transmitida, se crie uma singular unidade de espírito entre os bispos e os fiéis.' (cfr. Catecismo 84) 'O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo' ("Dei Verbum", 10), isto é, aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma" (idem 85). Pode-se desde já perceber a importância da Tradição, que é a transmissão das verdades reveladas pelos Apóstolos a seus sucessores, no que se estrutura o Magistério da Igreja.

 

Tradição, Magistério e Escritura

Cristo não é um fundador de nova religião, nem o cristianismo é uma "heresia" do judaísmo. Os Apóstolos e os discípulos continuaram freqüentando o Templo e seguindo os rituais ali celebrados, até mesmo após a Sua Morte, Ressurreição e Ascensão (Lc 24,53; At 2,46; 3,1) bem como após o Pentecostes (At 2,46; 3,1...). Compartilhavam da "visão" de Jesus de que o cristianismo é o "cumprimento" do judaísmo, o seu ponto de chegada: "Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só "i" ou um só "til", até que tudo seja cumprido" (Mt 5,17-18).

Entretanto, os primeiros cristãos não conheciam o Novo Testamento tal como se conhece hoje. Quando muito haviam alguns manuscritos destinados apenas a registrar as pregações locais. Os cristãos de Roma, por exemplo, conheciam a pregação de Pedro e, possivelmente, conheciam também uma ou outra das cartas de Paulo (2 Pe 3,15-16). Vê-se facilmente que os escritos atuais dos Evangelhos são verdadeiramente o registro catequético de então, a primeira expressão da Tradição Apostólica, aqueles que foram escolhidos e aprovados entre tantos outros (Lc 1,1-2 diz "muitos"):

"A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos Apóstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo. De fato, a primeira geração de cristãos ainda não tinha um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento testemunha o processo da Tradição Viva" (Catecismo da Igreja Católica, 83). "Por isso, a pregação apostólica, que é expressa de modo especial nos livros inspirados, devia conservar-se por uma sucessão contínua até a consumação dos tempos. (...) Esta Tradição, oriunda dos Apóstolos, progride na Igreja sob a Assistência do Espírito Santo..." (Constituição 'Dei Verbum', Conc. Vat. II, n.º 8).

Informa Papias que o primeiro Evangelho foi escrito por Mateus em aramaico, que o destinou aos judeus. Vieram outros, inclusive a tradução dele para o koiné, o grego popular de então, que não eram ainda tão difundidos, nem faziam parte de um cânon definido pela Igreja. Somente algumas comunidades tinham uma espécie de compilação mais ou menos aleatória, ao que tudo indica, e não ainda de forma sistemática como hoje: "Foi a Tradição Apostólica que levou a Igreja a discernir quais os escritos que deveriam ser enumerados na lista dos Livros Sagrados" ('Dei Verbum, 8,3). Esta lista completa é denominada 'Cânon' das Escrituras. Comporta, para o Antigo Testamento, 46 (45, se contarmos Jeremias e Lamentações juntos) escritos e 27 para o Novo:

Da mesma forma que então, porque inexistente, para os católicos ainda hoje, "só a Bíblia" não é, nem pode ser, o único fundamento para a fé, eis que não se partiu dela para o que se crê. O que nela se compôs foi o então ensinado pelos Apóstolos. Por isso, fundamental ainda lhes é o conjunto formado por: Tradição + Magistério + Escritura: "Fica portanto claro que segundo o sapientíssimo plano divino a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão de tal maneira entrelaçados e unidos, que um não tem consistência sem os outros, e que juntos, cada qual a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salvação das almas" (Constituição Dogmática 'Dei Verbum', 10)