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Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


domingo, 7 de dezembro de 2014


“Ulika ukupanga osongo, kawukuefeli visso”

(A solidão tira-te o espinho, mas não te sopra o olho)

“O que ouvimos,

O que vimos com nossos próprios olhos,

O que contemplamos.

E o que nossas mãos apalparam...

Isso vos anunciamos” 1 Jo 1ss

 

A eficácia da evangelização no continente africano se mede pela capacidade de tornar visível, palpável e concreta a esperança cristã do Reino de Deus. Igreja como manifestação visível do Corpo de Cristo está no mundo e para o mundo, transformando-o em sinal do Reino de Deus a “Família de Deus”. Ao ser batizada a pessoa diz não a solidão, mergulha no amor de Deus e do próximo e para o próximo, ama e sente-se amada, acolhe e sente-se acolhida ... é meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu pai... são os que sopram os olhos.

Na cultura africana-angolana coexistem muitos pais, muitas mães, muitos irmãos e irmãs, todos responsabilizam-se no cuidado e na ternura, na proteção e na insegurança, na alegria e na tristeza, na vida e na morte. É uma vivência radical da solidariedade. Ninguém canta só, ninguém dança só, ninguém chora só.

O “individualismo” é algo incompatível com a cultura africana, onde tudo deve ser articulado em ordem a uma coesão sempre maior de todo o grupo. Na conversa, na dança, no canto, no nascimento, na doença... Todos e tudo estão mobilizados em favor da vitória da Vida sobre a Morte. Assegurar esta vitória é participar à Vida Total, numa comunhão sempre mais intensa entre os vivos, os que “já partiram – antepassados” e a inteira criação cuja Fonte é o próprio Deus.

Assistimos um grande conflito cultural entre o pessoal e o comunitário. A força da tradição remete a pessoa para o comunitário-coletivo, no risco de perder a identidade pessoal pela massificação cultural, mas as exigências da pós-modernidade lançam a pessoa na solidão do meu e do só meu, com risco de supervalorizar o individual, caindo no individualismo.

A vivência cristã em África deve trabalhar num equilíbrio das relações, EU – EU, EU – DEUS, EU – OUTRO e EU – MUNDO. Estas relações amadurecem a identidade pessoal e alarga a identidade social.

A vida comunitária não resolve tudo, e nem sequer a solidão, dado que na realidade a solidão não é causada pelo viver sozinho, embora estas duas situações se sobreponham. A solidão é mais fruto do que existe em nossa cabeça, do que o resultado de qualquer estilo de vida. Quando vivemos sozinhos, a vida prega-nos mais peças na nossa cabeça, e pensamentos de desespero e impotência podem facilmente assediar a nossa alma. Quando vivemos no medo, vivemos isolados. Com o espírito que procede de Jesus, ousamos viver juntos. Um dos primeiros e grandes Padres da Igreja, Tertuliano, expressou sua sabedoria ao afirmar: “Solus christianus, nullus christianus” (o cristão solitário não é cristão).

O que os Sacramentinos podem oferecer a Nova Evangelização no contexto africano? “Nossa espiritualidade é missionária-eucarístico-mariana. Ela é inspirada no seguimento de Jesus, o missionário do Pai, à imitação de Maria...” (Const. 06). “Uma espiritualidade que se alimenta da Eucaristia é uma espiritualidade forte e missionária para os homens – para todos e cada um – uma espiritualidade de amor e sacrifício que desinstala e coloca em contato com o sofrimento do mundo. Quando se participa da Eucaristia, Jesus Cristo age pessoalmente e atualmente, assim se torna natural que a pessoa eucaristizada comunique aos outros a inquietação redentora que recebe do próprio Cristo.” (Pe. Pascoal Rangel, SDN)

A eucaristia cria comunidade, lança a pessoa ao encontro de outros para ser e celebrar a alegria do amor de Deus. Não há solidão eucarística, a comunhão se faz com a Igreja e pela Igreja. Somos devedores da presença eucarística e real na história dos povos africanos, ter uma compreensão desta presença viva e eficaz de Jesus Eucarístico, possibilita uma segurança no amor universal que a Igreja oferece a todo ser humano, tornando-o povo de Deus, família alargada no contexto africano.

Partilhar o amor e sacrifico é tirar a coroa de espinhos cravada na cabeça de Jesus e da humanidade, mas não podemos fazer tudo sozinhos, devemos partilhar a missão de soprar os olhos da humanidade para ver melhor e interagir com a cultura que nos circula e também nos sopra os olhos.

Como Sacramentinos somos um pequeno rebanho, enviado para o meio de “lobos”, de uma nova cultura, nova forma de ser e suscitar Igreja. Deve nos consolar as palavras de São João Crisóstomo: “Enquanto somos ovelhas, vencemos e superamos os lobos, ainda que nos rodeiem em grande número, mas se nos convertemos em lobos, somos vencidos, por que perdemos a proteção do Pastor. O Pastor não apascenta lobos mas ovelhas; por isso ele te abandona e se afasta de ti, porque não lhe permite manifestar o seu poder.

            O que o Senhor quer dizer é isto: “Não vos perturbeis pelo fato de Eu vos enviar para o meio dos lobos e ao mesmo tempo vos ordenar que sejais como ovelhas e como pombas. Poderia fazer-vos o contrário, enviando-vos de modo que não tivésseis de suportar nenhum mal, não vos sujeitando ao perigo dos lobos e tornando-vos mais temíveis que os leões. Mas convém que seja mesmo assim, porque deste modo só aumenta Vossa Glória e se manifesta Seu Poder”.

Ao assumir esta missão no continente africano estamos partilhando de nossa pobreza e de nossa maturidade missionária, pois só é madura uma Igreja que envia seus membros além de suas fronteiras (a cultura é um lobo pronto a nos devorar). Devemos portanto ser simples como as pombas e prudentes como a serpente. Conhecer, penetrar na cultura e nas estruturas sociais às apalpadelas, confiando e vivenciando a Providência do Bom Pastor.

Não estamos aqui para tirar espinhos na solidão, mas para soprar os olhos dos que conosco partilham a vida e deixar que nossos olhos sejam purificados pelo sopro do Espírito Santo que sobra onde quer. Como o salmista devemos nos perguntar: “Que é o homem Senhor para que cuides dele com tanto carinho?” (Sl 08)

A pessoa humana na tradição africana é uma realidade extremamente complexa, é o momento do encontro de todas as ondas de vida que percorrem o universo material, traz em si a totalidade do gérmen da história, é o traço de união entre os antepassados e as gerações futuras, traz em si a humanidade total, é homem e mulher, pai-mãe-filho; sociedade, povos e nações, ele é parceiro de Deus, aquele que leva consigo a voz de toda criação diante do seu Criador, aquele a quem Deus pode falar e ele responde.

Tudo aquilo que fazemos e somos não tem razão de ser em si mesmo e por si mesmo, mas para a missão. Bem disse o Papa Francisco: eu sou missão. Por isso, é necessário continuar a anunciar a Palavra de Deus, Cristo, que venceu a morte conferindo à humanidade a esperança da ressureição. Contudo, é preciso que hoje esta Palavra de Deus seja anunciada fora dos sinais sagrados, fora dos muros da Igreja, em lugares não institucionalizados, numa provisoriedade e projeção abertas, na simplicidade e na pobreza. (Evangelii Gaudium)

 “A Chuva cai sobre a pele do leopardo, mas não elimina as suas manchas”. A descoberta cultural de Jesus é, como esta chuva, incapaz de inundar completamente a psique cultural tradicional da África. Numerosos africanos temem as maldições mais que confiam nas bênçãos, transferem seus “problemas” a antigas “maldições intergeracionais”. É preciso evangelizar em profundidade a alma africana. Não podemos nos acomodar com uma evangelização de verniz.

Emergem tendências de um novo despertar de uma experiência continental em África vai além da consciência de Jesus Cristo, como Ele era descrito aos africanos e como é por eles conhecido, aparece o interesse de ver Jesus como salvador concreto que rompe com os jugos e realiza milagres. Esta noção deriva de antecedentes históricos de uma crença segundo a qual a humanidade se encontra em guerra com as forças espirituais invisíveis, contra males presentes em toda a parte. O “dedo do diabo” deve ser extirpado, este ministério constitui uma parte integrante da função da religião numa terra de desagregação, perigo, enfermidade e pobreza, as pessoas buscam na Igreja lugar de refúgio e de integração espiritual e social.

A missão em África tem o dever de confrontar a problemática do mal que impede a Vida Total da pessoa, seja o mal preconizado como feitiços, possessões, encantos... para que a missão seja promissora, ela deverá estudar e compreender não somente a história e as problemáticas africanas, mas inclusive ver a existência com os olhos dos africanos. O missionário não pode querer tirar os espinhos na solidão. O desejo de se libertar da escravidão em todas as suas formas nunca abandonou a psique dos africanos. Se os espíritos malignos dominam a vida, o espinho na carne africana, então é necessário fazer tudo para alcançar a liberdade e assim livrar-se dos laços do mal. Toda e qualquer forma de servidão, espiritual ou natural, deve ser evitada, até a nível subconsciente. Limpar os olhos do corpo e da alma.

A teologia missionária tem necessidade de tomar conhecimento deste fato e estudar esta tendência à luz do Evangelho. A missão deve encontrar, compreender e abrir-se à África tal como é, só assim ver-se-á o coração sanguinolento da África e conseguiremos oferecer-lhe a cura do Evangelho numa Boa Nova integral, caso contrário, será uma notícia preparada externamente.

A educação e a catequese são chaves importantes para uma missão positiva em África. Comprometer-se na educação intensiva e em programas de assistência à saúde nas áreas mais desfavorecidas significa propagar o amor de Cristo. As Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo tem marcado esta presença educativa e curativa, tirando espinhos e abrindo os olhos da mente e da alma. Favorecendo a vivência concreta do amor universal de Cristo por toda criação e em especial pelo gênero humano.

Seguindo os latino-americanos na teologia da libertação, a teologia africana da missão pode dedicar mais esforços à Doutrina Social da Igreja, dado que os espíritos malignos nada podem contra pessoas que se encontram num padrão de vida mais elevado. Necessário realçar o aspecto de Jesus triunfante e vitorioso como libertador. Salientar demasiado a teologia da Cruz e do sofrimento não melhora muito a situação africana. Ajudar o africano a sentir o cristianismo como uma parte de sua própria carne e de seu próprio sangue, da sua alma e do seu amor. O encontro com Jesus histórico faz romper com o julgo do mal para alcançar um nível de vida feliz.

Como Sacramentinos devemos viver a Eucaristia como espelho histórico da presença de Jesus. “Nossa vida fraterna, vivida em comum, fundamenta-se na vivência do amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, modelo e fonte geradora de fraternidade. Torna-se o sinal que revela ao mundo o mistério da Igreja e a presença de Deus na história”. (Const. 42) A revelação se faz por palavras e gestos (Dei Verbum 04), a Eucaristia é o maior gesto de amor que Deus oferece a humanidade, ninguém tem maior amor do que aquele dá a vida por seu amigo...

A presença Sacramentina em África deve pautar por:

* Ser testemunhas da Eucaristia como missão-comunhão, centro irradiador de nossas ações.

* Aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus na catequese e nas equipas de reflexão bíblica.

* Ser presença que inquieta missionariamente nossas lideranças.

* Valorizar o contato pessoal como caminho de evangelização.

            Maria mãe de Jesus e nossa mãe, pedimos sua intercessão em nossas ações missionárias, ajudai-nos a superar a tentação das decisões na solidão individualista, abra nossos olhos para vermos com olhos novos a cultura em que estamos inseridos. “Contemplamos o seu SIM sem reservas a Deus, sua solicitude pelos necessitados, sua fidelidade até a cruz, sua alegria pelas maravilhas operadas pelo Senhor, sua presença entre os discípulos, Senhora da Eucaristia, Rainha dos missionários” (Const. 61) ajudai-nos a proteger a Vida Total dos povos africanos. Coração Eucarístico de Jesus, tende piedade de nós.

 

Pe. Renato Dutra Borges, SDN

Paróquia Santo António de Nana Candundo

Moxico – Alto Zambeze, Angola

Um comentário:

  1. E preciso saber olhar nos olhos das pessoas para se reconhecer no outro e possamos compreender sua historia de vida, sem julgamentos, deixar o outro ser o que e. Eu te respeito e te acolho no seu jeito e juntos podemos caminhar contruindo a esperança e a paz por onde passamos. Esse final de semana participei de um seminario "A arte de viver em paz, nesse modulo vivenciamos ser eu, ser grupo com base na biodança" foi muito bacana, muita comunidacaçao corporal, com o olhar, muito interessante!! Muito bom seu artigo pe Renato.Ninguem canta so, ninguem chora so, niguem dança so, e uma riqueza ser presença na vida do outro, ser presente para o outro.

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