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sábado, 14 de junho de 2025

 

Pericorese e Eucaristia: Mistério de Comunhão

 


Na teologia cristã, a Eucaristia é muito mais do que um rito ou um símbolo: é o sacramento por excelência da comunhão trinitária. Celebrar a Eucaristia é entrar em uma realidade dinâmica e transformadora, onde o Corpo e Sangue de Cristo oferecidos ao Pai no Espírito Santo se tornam lugar de encontro com o mistério de Deus-Amor, que é comunhão em si mesmo. A partir da perspectiva da pericorese trinitária — a mútua habitação entre o Pai, o Filho e o Espírito —, podemos compreender a Eucaristia como ato pericorético, no qual somos inseridos na vida íntima da Trindade.

A Eucaristia como expressão da pericorese

A Eucaristia realiza o mistério da fé: Cristo se entrega ao Pai pela humanidade, e nessa entrega somos incluídos. Como ensina a Liturgia: “Por Ele, com Ele e n’Ele, a Vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo…” Esta fórmula trinitária não é mera conclusão litúrgica, mas expressão viva de um dinamismo de relações divinas e humanas. Ao participar da Eucaristia, entramos no movimento de amor eterno que circula entre o Pai, o Filho e o Espírito. A pericorese, como comunhão sem fusão, relação sem dominação, torna-se visível na Eucaristia, onde o dom de si é o fundamento da unidade.

Jesus declara: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56).

Essa permanência mútua entre Cristo e o discípulo é imagem direta da relação pericorética entre o Pai e o Filho: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles também estejam em nós” (Jo 17,21). O que Jesus vive com o Pai no Espírito é o que Ele deseja partilhar conosco por meio da Eucaristia. Assim, o sacramento do altar não é apenas memorial, mas participação real nesse mistério de vida divina.

A Eucaristia como evento trinitário

Na teologia litúrgica contemporânea, compreende-se que a Eucaristia é ação do próprio Deus Trindade:

            É o Pai quem nos convoca e recebe a oferenda;

            É o Filho quem Se entrega como Cordeiro imolado e glorificado;

            É o Espírito Santo quem consagra os dons, santifica os fiéis e realiza a comunhão.

Assim, o altar torna-se lugar onde a pericorese se revela e se comunica: somos levados a participar da vida que o Pai vive com o Filho no Espírito. A comunhão não é somente entre o fiel e Cristo, mas com toda a Trindade, e por meio dela, com os irmãos e irmãs.

Unidade sem fusão, presença sem absorção

A pericorese preserva o mistério da distinção na comunhão. Isso é decisivo também para a teologia eucarística. Na Eucaristia, Cristo não anula a pessoa do fiel, mas a atrai para dentro de sua relação com o Pai. O fiel comunga o Corpo do Senhor, não para se perder em Deus, mas para se tornar mais ele mesmo em comunhão com os outros. A pericorese eucarística implica que a união com Cristo se desdobra em solidariedade, missão e transformação da vida comunitária. A comunhão eucarística autêntica exige a comunhão entre os irmãos (cf. 1Cor 11,17-34).

Por isso, a Eucaristia tem implicações éticas e sociais: não se pode separar a adoração do compromisso, a liturgia da caridade, a oração do serviço. A pericorese é movimento expansivo de amor, e não pode se restringir ao sagrado isolado do cotidiano. Quem participa da Eucaristia deve tornar-se sinal pericorético no mundo: alguém que vive em doação, escuta, perdão e relação fraterna.

A Igreja como sacramento pericorético

A Igreja nasce da Eucaristia (cf. Ecclesia de Eucharistia, n. 26), porque ela é o povo reunido na comunhão trinitária por meio do Corpo de Cristo. Cada celebração eucarística torna a Igreja mais ela mesma, não como uma instituição hierárquica apenas, mas como ícone da Trindade no mundo: unidade na diversidade, relação na liberdade, comunhão na corresponsabilidade.

Na pericorese trinitária, nenhuma Pessoa é mais ou menos importante, e nenhuma existe sozinha. Do mesmo modo, na Eucaristia, todos recebem o mesmo Corpo, todos são convidados à mesma mesa. É o modelo de uma Igreja inclusiva, sinodal, relacional, que se compreende a partir da Eucaristia como escola de comunhão.

Essa dimensão pericorética da Eucaristia inspira também o diálogo ecumênico, pois nos recorda que a verdadeira unidade dos cristãos não é uniformidade, mas comunhão no amor trinitário. A Eucaristia, quando bem compreendida, não é obstáculo, mas caminho para a reconciliação entre as Igrejas, pois antecipa o banquete escatológico onde todos serão um em Cristo.

Mistagogia da pericorese: aprender a habitar a comunhão

A experiência da pericorese eucarística exige um processo mistagógico, isto é, de iniciação contínua ao mistério. Celebrar a Eucaristia não basta: é preciso aprender a viver segundo sua lógica. Trata-se de cultivar atitudes como:

            Escuta e diálogo, em vez de julgamento e autorreferência;

            Gratuidade e partilha, em vez de acumulação e competição;

            Serviço e humildade, em vez de poder e clericalismo.

Cada gesto da liturgia  o sinal da cruz, a procissão das oferendas, o abraço da paz, a comunhão tem valor formativo e espiritual. São gestos pericoréticos, que educam os fiéis para uma vida de relação e abertura ao outro. Assim, a Eucaristia torna-se caminho para superar divisões, curar feridas, restaurar a confiança e reconstruir laços.

Eucaristia: antecipação do Reino trinitário

Por fim, a Eucaristia é memorial do passado, presença real no presente, mas também profecia do futuro. Ela antecipa a comunhão plena do Reino, onde Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28). Na ceia eucarística, participamos da mesa do Cordeiro, vislumbramos a cidade celeste, e somos transformados à imagem da Trindade. A pericorese, portanto, não é apenas uma estrutura interna de Deus, mas nosso destino em Cristo: sermos integrados na vida eterna do Deus Uno e Trino.

“Felizes os convidados para a Ceia do Senhor”: essas palavras são convite e promessa. Celebrar a Eucaristia com fé é aceitar viver no dinamismo do dom total, da comunhão sem exclusão, da alegria que vem de estar com Deus e com os irmãos. É deixar-se formar por Cristo para viver pericoricamente no mundo, com gestos de amor, reconciliação, escuta e serviço.

 

Tenho consciência de que, ao comungar o Corpo de Cristo, sou chamado a participar da comunhão trinitária e a tornar-me expressão viva desse amor nas minhas relações diárias?

 

sábado, 11 de janeiro de 2025

"Meu Dízimo é Fruto de Nossa Fé" Compromisso Batismal e a Oração de Apresentação do Pão e do Vinho na Missa



"Meu Dízimo é Fruto de Nossa Fé" 

Compromisso Batismal e a Oração de Apresentação do Pão e do Vinho na Missa

         A celebração do Batismo de Jesus nos convida a refletir profundamente sobre nossa identidade como batizados e nosso compromisso com a missão da Igreja. Esse compromisso se manifesta de forma concreta no dízimo, um gesto de fé, gratidão e corresponsabilidade. Quando relacionamos esse ato de generosidade com a oração de apresentação do pão e do vinho na Missa, encontramos um paralelo profundo: ambos são ofertas que simbolizam nossa vida, nosso trabalho e nossa fé, colocados no altar para se transformarem em instrumentos de salvação e graça.

1. O Significado do Dízimo como Oferta

       O dízimo é mais do que uma contribuição material; é uma expressão de fé viva e comprometida. Assim como o pão e o vinho apresentados na celebração eucarística representam os frutos da terra e do trabalho humano, o dízimo também é fruto do esforço pessoal, uma devolução do que Deus nos deu. Ele é uma resposta de gratidão ao Senhor, reconhecendo-o como a fonte de todas as bênçãos.

Na oração de apresentação do pão e do vinho, o sacerdote diz:

"Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo pão (e vinho) que recebemos da vossa bondade, fruto da terra (ou da videira) e do trabalho humano, que agora vos apresentamos; e para nós vai se tornar pão da vida (ou vinho da salvação)."

Essa oração destaca três dimensões importantes que também se aplicam ao dízimo:

1.     Reconhecimento da bondade de Deus: Assim como o pão e o vinho vêm da criação divina, tudo o que possuímos, incluindo nossos bens materiais, tem origem em Deus. O dízimo expressa essa consciência de que tudo pertence ao Senhor.

2.     Fruto do trabalho humano: O pão e o vinho são frutos do esforço humano, assim como o dízimo é resultado do nosso trabalho e dedicação. Ele é uma forma de devolver a Deus o que fizemos com os dons que Ele nos deu.

3.     Transformação em instrumento de salvação: Assim como o pão e o vinho se tornam Corpo e Sangue de Cristo, o dízimo, quando oferecido com fé, é transformado em obras de evangelização, caridade e sustento da Igreja.

2. A Missão dos Batizados e a Apresentação das Ofertas

       O Batismo de Jesus no Jordão revela sua identidade como Filho amado de Deus e marca o início de sua missão pública. Do mesmo modo, o nosso Batismo nos dá uma nova identidade como filhos e filhas de Deus e nos envia para uma missão: ser luz para o mundo e sal da terra. Essa missão, entretanto, exige uma entrega total de nossa vida, simbolizada na Missa pela apresentação do pão e do vinho.

       O dízimo está profundamente conectado a essa dinâmica de entrega. Ele é um ato concreto de colocar nossos dons, talentos e recursos a serviço do Reino de Deus. Quando apresentamos o dízimo, estamos imitando o gesto de Cristo, que ofereceu sua vida por amor à humanidade.

       A oração de apresentação das ofertas na Missa é um momento privilegiado para recordar essa missão batismal. Quando o sacerdote eleva o pão e o vinho, nós também somos convidados a oferecer nossa vida no altar, incluindo nosso trabalho, nossos desafios, nossos dons e nossos recursos. O dízimo é, portanto, uma extensão desse ato litúrgico na vida cotidiana.

3. O Dízimo e a Dimensão Comunitária da Oferta

       Na Eucaristia, o pão e o vinho apresentados não são consumidos individualmente, mas transformados em alimento espiritual para toda a comunidade. Da mesma forma, o dízimo é uma oferta que beneficia toda a Igreja, permitindo que ela cumpra sua missão de evangelizar, cuidar dos pobres e necessitados, e testemunhar o amor de Deus no mundo.

       A oração de apresentação do pão e do vinho nos ensina que nossa oferta deve ser feita com generosidade e em espírito de comunhão. O dízimo não é apenas um ato pessoal, mas um gesto que fortalece a unidade da comunidade de fé. Ele reflete a corresponsabilidade dos batizados, que reconhecem que a missão da Igreja é de todos.

       Como nos ensina a leitura de Isaías (42,1-4.6-7), o Servo do Senhor é enviado para trazer justiça e libertação, e nós, como Igreja, somos chamados a continuar essa missão. O dízimo possibilita que a Igreja realize obras de caridade, promova a justiça e seja luz para as nações. Assim, ele é um meio concreto de vivermos a nossa vocação batismal em comunhão com os irmãos e irmãs na fé.

4. O Dízimo como Sinal de Transformação e Gratidão

       Assim como o pão e o vinho apresentados no altar são transformados pelo Espírito Santo no Corpo e Sangue de Cristo, o dízimo, quando oferecido com amor e fé, também é transformado. Ele se torna sustento para a missão da Igreja, alimento para os pobres, e sinal visível do Reino de Deus no mundo.

       Essa transformação nos lembra que o dízimo é um ato de gratidão. Na oração de apresentação, o sacerdote reconhece a bondade de Deus ao dizer: "Bendito sejais, Senhor." O dízimo é uma maneira de ecoar essa oração em nossa vida cotidiana, reconhecendo que tudo o que temos é dom de Deus e oferecendo parte de nossos recursos como sinal de nossa gratidão.

5. Viver o Dízimo à Luz da Eucaristia

       A relação entre o dízimo e a oração de apresentação do pão e do vinho nos convida a enxergar o dízimo como um ato litúrgico prolongado no dia a dia. Assim como a Eucaristia nos alimenta espiritualmente e nos fortalece para a missão, o dízimo é um meio de sustentar a missão da Igreja e de partilhar as bênçãos que recebemos.

       O Batismo de Jesus nos lembra que somos chamados a viver como filhos e filhas amados de Deus, refletindo sua luz no mundo. O dízimo é uma expressão concreta dessa vocação, um gesto que une nossa vida diária ao altar do Senhor. Ele é um fruto de nossa fé e uma forma de tornar presente, no mundo, o amor de Deus que experimentamos na Eucaristia.

       Ao refletirmos sobre o lema "Meu dízimo é fruto de nossa fé", somos convidados a viver com mais intensidade a dimensão sacramental de nossas ofertas. Que cada ato de generosidade, incluindo o dízimo, seja como o pão e o vinho apresentados no altar: uma expressão de nossa gratidão, nossa fé e nossa disposição de colaborar com a obra de Deus.

       Que a graça do Batismo e o mistério da Eucaristia inspirem nossa vida a ser uma constante oferta de amor, generosidade e serviço ao Reino de Deus. Assim, nosso dízimo não será apenas um gesto material, mas uma verdadeira expressão de nossa identidade como discípulos missionários.