"Por Deus, tenham um blog!" Papa Bento XVI


Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


quarta-feira, 20 de abril de 2011

HOMILIA DE DOM JESUS TIRSO BLANCO, SDB

Bispo da Diocese de Lwena, Angola, África

[Sobre 04 de fevereiro, nono aniversário da paz]

[Is 65,17-21]

17Pois eu vou criar novos céus, e uma nova terra; o passado já não será lembrado, já não volverá ao espírito, 18 mas será experimentada a alegria e a felicidade eterna daquilo que vou criar. Pois vou criar uma Jerusalém destinada à alegria, e seu povo ao júbilo;

19 Jerusalém me alegrará, e meu povo me rejubilará; doravante já não se ouvirá aí o ruído de soluços nem de gritos.

20 Já não morrerá aí nenhum menino, nem ancião que não haja completado seus dias; será ainda jovem o que morrer aos cem anos: não atingir cem anos será uma maldição.

21 Serão construídas casas onde habitarão, serão plantadas vinhas cujos frutos comerão.



Celebramos hoje o dia da Paz e da Reconciliação. “Cristo é a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava, (Efésios2,14).

A paz, dom de Deus, é o conjunto de todos os bens a que um povo pode aspirar, um bem-estar não egoísta, isto é, não um bem-estar que consiste em satisfazer os próprios apetites e paixões, mas o bem-estar livre do afã do lucro, que atinge o íntimo da pessoa, que move à generosidade, à partilha, um bem-estar povoado dos valores morais e espirituais que preenchem o coração humano e o levam a alegrias profundas.

Poucos textos podem ilustrar o que é paz tão plenamente, como aquele que acabamos de escutar, extraído do capítulo 65 de Isaías, onde Deus manifesta a sua vontade, por sinal eficaz, de fazer uma nova criação, promessa feita a um povo que tinha sido dizimado pelas guerras, espoliado das suas estruturas, ora destruídas, desanimado por tanta morte e deprimido pela humilhação do desterro obrigatório.

Na nova criação é esquecido o passado, justamente pela exuberância da nova criação, é prometida uma vida longa, saudável e feliz, trabalho e habitação para todos, de modo que cada um viva dignamente pelos frutos do seu trabalho.

Nove anos já passaram desde aquele memorável 04 de Abril de 2002. Quem pode negar os ganhos da paz? Como é bom o calar das armas, como é bom que os nossos filhos já não partam para a guerra, que era uma viagem com bilhete de ida muitas vezes sem retorno, poder visitar as nossas famílias distantes, fazer as nossas lavras. Até aspiramos a estudos superiores e a certos bens que outrora pareciam coisas de filmes.

A paz é dom e, ao mesmo tempo uma oportunidade: Deus quis precisar de “sócios” para a nova criação e esses “sócios” somos nós. Disto temos consciência a partir da Encarnação: Deus se fez homem, dando à vida humana e ao seu trabalho um valor divino. A paz faz parte desta nova criação, que se alcança com o esforço humano: felizes os construtores da paz!

Os Bispos viajam todo terreno temos a graça de poder percorrer sistematicamente até aos mais recônditos esconderijos desta Diocese, a mais vasta e talvez a mais devastada de Angola, que coincide com a Província de Moxico. Conhecemos a realidade, feliz ou infelizmente, com poucos dados estatísticos, dos quais às vezes sentimos um pouco de desconfiança. Por outra parte,nossas retinas estão povoadas de imagens, testemunhos vivos, histórias de vida, de tal modo que os nossos corações não se esqueçam facilmente de tanta pobreza e tanta miséria.

Recentemente recebi a visita importante. Comentei as belezas do funcionamento da energia solar e da água, esta última que surge de um poço de pouco mais de 80mts(metros). Ele disse, brincando: “Certamente com tudo isso esquecerá a situação do povo, que aqui, na capital de Moxico não tem água nem energia”. Espero que esta desgraça não me aconteça, pois seria fatal para um pastor.

Sem pretender ser profeta do Angopessimismo, semelhante ao sentimento que os contemporâneos de Jeremiassentiam face ao seu profetismo, não podemos deixar de falar daquilo que vemos: populações isoladas, sem a mínima hipótese de desenvolvimento, de produzir e escoar qualquer produto, pobreza extrema, morte dos inocentes, das crianças que em inúmeras aldeias não beneficiam do mínimo atendimento sanitário possível, uma mortalidade infantil inaudita para o tempo de paz, que talvez não estará registada nas estatísticas, a falta de pontes, de estradas, de água, de energia, de escolas, de professores, de quadros pretos, a falta de uma habitação condigna, a falta de recursos humanos e técnicos para enfrentar estas situações. Há uma notável falta de autoestima nas comunidades que amiúde não se sentem com forças para sonhar um futuro normal; isto explica a ineficiência, a lentidão na execução de determinados projetos, o desvio dos pequenos, porque não estão a ver a utilidade e o benefício social do trabalho que estão a fazer, pensam com a lógica do fabricante de carvão que quer o lucro imediato, sem contar que uma lavra daria maior lucro, só que a longo prazo.

É frequente uma cooperação internacional de organismos públicos tão viciada de eficientismo que assume como regra principal qual será o projeto que dará um maior número de beneficiários ao menor custo.

Falava com um sacerdote em Luandaque tem uma bela obra para crianças que viviam na rua; para apoiar na alimentação exigem auto-sustentabilidade. Para alimentar crianças de rua! Gostaria de saber se os pais alimentam os seus filhos quando lhes garantem auto-sustentabilidade a curto prazo!!!

Difícil será beneficiaras populações mais distantesse os indiscretos olhares da comunicação social e da opinião pública não conseguem chegar lá (isto é chamado de “visibilidade”), mesmo que estas populações tenham um grande potencial. E isto acontece aqui, no Moxico: quem vê estas populações isoladas? Olhos que não vêm, coração que não sente.

Quem pode avaliar o impacto real da guerra nas populações que estiveram durante mais de 30 anos sob o efeito direto deste monstro: dos combates, das mortes sem tempo para serem choradas, da destruição sistemática das casas, dos bens, dos campos, da impossibilidade real de passar as competências de uma geração a outra?

Preocupa-nos hoje o nível de violência social, a começar por aquela que é perpetrada no próprio lar, e a desvalorização da vida: os abortos, as ameaças recorrentes desde a mais tenra idade, os atentados contra a própria vida.

Estamos a ver a nível mundial as consequências de uma carreira desenfreada de um falso desenvolvimento, pelo qual temos que concorrer, prevalecer: as indústrias das armasparecem ser necessárias, os laboratórios devem produzir cada vez mais, os monocultivos, a produção cada vez maior de energia, pelo qual se sacrifica o ar, os campos, a vida no planeta. Por isso fabricamos guerras artificiais, intoxicamos o nosso corpo com um tipo de alimentos produzidos sei lá como, e de venenos que chamamos de medicamentos, perdemos a consciência do limite, exploramos em lugares impróprios energias prejudiciais para a vida humana no planeta, sem ver o bem-estar simples das famílias, não olhamos para as populações mais pobres, mas queremos atingir um nível de vida, de bem-estar egoísta, que gera violência e cada vez mais pobreza.

O Evangelho que fala do poder como serviço e não como domínio parece ser uma voz de um mundo não possível, uma palavra oca que não tem espaço próprio no coração humano, entretanto é o caminho.

Precisamos uma ciência ao serviço das pessoas, de incentivar um modo de vida simples mas digno, cultivando uma virtude que chamaria de “essencialidade”, de um crescimento harmônico das pessoas, espiritual, intelectual, cultural, afetivo, moral, material, num mundo mais humano.

O sonho de Deus é a criação de um mundo novo, segundo Cristo. Para o desenvolvimento deste mundo novo é preciso criar algumas condições mínimas.

Não podemos nos enganar: a nossa província (diocese) não está interligada por asfalto nem com Saurimo (basta ver como amostra o trecho LuenaCamanongue), nem com Bié, a estrada está horrível, nem com Cuando Cubango. A capital da Província não está interligada com nenhum município por asfalto, as obras de reconstrução de estradas estão paradas, nem para LumbalaNguimbo, nem a de LucusseLumbalaKakengue, nem as anteriormente mencionadas, nem estamos a ver obras no Caminho de Ferro. Exceção feita da estrada Muconda (Lunda Sul) Luau não houve outra estrada na província que mereça destaque.

A Educação não chega a todos e o nível não é aceitável. Precisamos de um apoio para a alfabetização, pois a maior parte da nossa população não sabe ler nem escrever. Muito se tem feito na educação, mas falta ainda mais: institutos de referência não recebem os salários atempadamente, as estruturas educativas são insuficientes, muitas crianças estudam ao ar livre, outras não estudam, os professores não se fixam nas áreas rurais por falta de condições.

A cobertura sanitária defronta-se com sérios problemas: áreas enormes carecem de centros de saúde, de médicos, de enfermeiros, até de uma aspirina, morrem crianças sem a mínima possibilidade de atendimento médico. Os centros de saúde mais importantes da província têm graves carências.

A água e energia que é fornecida às populações parecem apenas um projeto piloto, pois estes bens só chegam a um número muito, mas muito reduzido de populares.

Sabemos que a guerra teve o efeito de um tsunami: vilas inteiras ficaram sem nem sequer uma casa em pé, e a situação começa timidamente a melhorar, contudo, vivemos ainda um clima de destruição: não há pontes, faltam estradas, não temos possibilidades de erguer as nossas casas e outras estruturas necessárias: se Luanda é a capital mais cara do mundo, e aqui tudo custa o dobro, não sei onde estaremos com nossos preços, que dificultam tanto a reconstrução da província.

A falta de recursos humanos com capacitações acordes com as necessidades desta província é tão grande, que ficamos nos perguntar como se enfrenta esta situação: precisa-se uma formação humana, espiritual, profissional, inclusive técnica-superior adequada, que qualidade, livre da corrupção, do amiguismo e de todos os males que enfermam o sistema educativo, que dão como resultado um analfabetismo que se prolonga não raro até ao fim do primeiro ciclo do ensino secundário.

A província de Moxico não pode ser tratada a nível dos recursos disponíveis pelo país como qualquer outra província: não é justo nem pela extensão, nem pela destruição de que foi objeto por causa da guerra, nem pelo atraso acumulado desde o tempo colonial, nem pelo atraso dos anos de paz pela falta de investimentos em infra-estruturas básicas para o seu desenvolvimento. O olhar diferenciado a nível do país para Moxico deveria se inverter: passar de poucos investimentos e míseros recursos a uma discriminação positivaque potencie os recursos naturais e humanos desta parcela do país. Quando aparece no painel do carro um sinal luminoso vermelho o motorista entende que o radiador está sem água. Precisa ver essa situação antes que o carro sofra consequências maiores. Quando há um índice muito elevado de pobreza convivendo com riquezas excessivas e injustificadas, o sinal vermelho está acesso. Não devemos ficar iludidos pensando que tudo está a andar bem, porque o motor ainda não gripou.

A verdadeira pacificação dos espíritos passa por uma justa distribuição das possibilidades oferecidas de desenvolvimento a todos os cidadãos, não só econômica, mas cultural, social e espiritual.

Nesta tarefa de reconstrução da Província de Moxico, todos temos que colaborar. Ninguém pode ser excluído porque é de uma igreja ou outra, ninguém pode ser excluído por questões ideológicas ou partidárias para desempenhar funções, para colaborar com suas competências e capacidades, porque precisamos de todos.

Ninguém pode omitir-se pensando que essa tarefa corresponde a outro, é para todos nós. Ninguém virá nos socorrer se nós não nos levantamos, se não nos constituímos voluntariamente em servos do nosso próprio povo, num combate interno ao egoísmo e ao afã de lucro.

Agradecemos a Deus o dom da paz e a todos os que trabalharam nestes anos pelos esforços feitos para que a paz continue a ser uma realidade palpável: os corações magnânimos que renunciaram a vingança, os que, por palavras e obras contribuíram para o processo da reconciliação espiritual, começado e não concluído, o esforço para dotar a esta província de estruturaseducativas, sanitárias, de energia, de água. Reconhecemos que algo foi feito, e é muito bom.

Como acabei de dizer, o desenvolvimento e a reconciliação são processos iniciados e não terminados, que incluem necessariamente um trabalho de reconciliação capilar, feito de casa em casa, de família em família, uma paciente tarefa de escutar os sofrimentos passados, de reconhecimento das culpas, da doação do perdão.Por isso mesmo, os ministérios da reconciliação e da consolação impõem-se como tarefa à igreja neste momento de paz.

Só assim a palavra que recebemos do Senhor da boca do chefe dos Apóstolos poderá aplicar-se a nós com eficácia: Moxico: “Levanta-te e caminha”

Assim seja. 04/04/2011

Nenhum comentário:

Postar um comentário