"Por Deus, tenham um blog!" Papa Bento XVI


Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


 
 
 
 

 


«Redes sociais:
 portais de verdade e de fé;
novos espaços de evangelização»

 

[12 de Maio de 2013]

Amados irmãos e irmãs,

Encontrando-se próximo o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2013, desejo oferecer-vos algumas reflexões sobre uma realidade cada vez mais importante que diz respeito à maneira como as pessoas comunicam actualmente entre si; concretamente quero deter-me a considerar o desenvolvimento das redes sociais digitais que estão a contribuir para a aparição duma nova ágora, duma praça pública e aberta onde as pessoas partilham ideias, informações, opiniões e podem ainda ganhar vida novas relações e formas de comunidade.

Estes espaços, quando bem e equilibradamente valorizados, contribuem para favorecer formas de diálogo e debate que, se realizadas com respeito e cuidado pela privacidade, com responsabilidade e empenho pela verdade, podem reforçar os laços de unidade entre as pessoas e promover eficazmente a harmonia da família humana. A troca de informações pode transformar-se numa verdadeira comunicação, os contactos podem amadurecer em amizade, as conexões podem facilitar a comunhão. Se as redes sociais são chamadas a concretizar este grande potencial, as pessoas que nelas participam devem esforçar-se por serem autênticas, porque nestes espaços não se partilham apenas ideias e informações, mas em última instância a pessoa comunica-se a si mesma.

O desenvolvimento das redes sociais requer dedicação: as pessoas envolvem-se nelas para construir relações e encontrar amizade, buscar respostas para as suas questões, divertir-se, mas também para ser estimuladas intelectualmente e partilhar competências e conhecimentos. Assim as redes sociais tornam-se cada vez mais parte do próprio tecido da sociedade enquanto unem as pessoas na base destas necessidades fundamentais. Por isso, as redes sociais são alimentadas por aspirações radicadas no coração do homem.

A cultura das redes sociais e as mudanças nas formas e estilos da comunicação colocam sérios desafios àqueles que querem falar de verdades e valores. Muitas vezes, como acontece também com outros meios de comunicação social, o significado e a eficácia das diferentes formas de expressão parecem determinados mais pela sua popularidade do que pela sua importância intrínseca e validade. E frequentemente a popularidade está mais ligada com a celebridade ou com estratégias de persuasão do que com a lógica da argumentação. Às vezes, a voz discreta da razão pode ser abafada pelo rumor de excessivas informações, e não consegue atrair a atenção que, ao contrário, é dada a quantos se expressam de forma mais persuasiva. Por conseguinte os meios de comunicação social precisam do compromisso de todos aqueles que estão cientes do valor do diálogo, do debate fundamentado, da argumentação lógica; precisam de pessoas que procurem cultivar formas de discurso e expressão que façam apelo às aspirações mais nobres de quem está envolvido no processo de comunicação. Tal diálogo e debate podem florescer e crescer mesmo quando se conversa e toma a sério aqueles que têm ideias diferentes das nossas. «Constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só aceitem a existência da cultura do outro, mas aspirem também a receber um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem, de verdade e de beleza» (Discurso no Encontro com o mundo da cultura, Belém, Lisboa, 12 de Maio de 2010).

O desafio, que as redes sociais têm de enfrentar, é o de serem verdadeiramente abrangentes: então beneficiarão da plena participação dos fiéis que desejam partilhar a Mensagem de Jesus e os valores da dignidade humana que a sua doutrina promove. Na realidade, os fiéis dão-se conta cada vez mais de que, se a Boa Nova não for dada a conhecer também no ambiente digital, poderá ficar fora do alcance da experiência de muitos que consideram importante este espaço existencial. O ambiente digital não é um mundo paralelo ou puramente virtual, mas faz parte da realidade quotidiana de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens. As redes sociais são o fruto da interacção humana, mas, por sua vez, dão formas novas às dinâmicas da comunicação que cria relações: por isso uma solícita compreensão por este ambiente é o pré-requisito para uma presença significativa dentro do mesmo.

A capacidade de utilizar as novas linguagens requer-se não tanto para estar em sintonia com os tempos, como sobretudo para permitir que a riqueza infinita do Evangelho encontre formas de expressão que sejam capazes de alcançar a mente e o coração de todos. No ambiente digital, a palavra escrita aparece muitas vezes acompanhada por imagens e sons. Uma comunicação eficaz, como as parábolas de Jesus, necessita do envolvimento da imaginação e da sensibilidade afectiva daqueles que queremos convidar para um encontro com o mistério do amor de Deus. Aliás sabemos que a tradição cristã sempre foi rica de sinais e símbolos: penso, por exemplo, na cruz, nos ícones, nas imagens da Virgem Maria, no presépio, nos vitrais e nos quadros das igrejas. Uma parte consistente do património artístico da humanidade foi realizado por artistas e músicos que procuraram exprimir as verdades da fé.

A autenticidade dos fiéis, nas redes sociais, é posta em evidência pela partilha da fonte profunda da sua esperança e da sua alegria: a fé em Deus, rico de misericórdia e amor, revelado em Jesus Cristo. Tal partilha consiste não apenas na expressão de fé explícita, mas também no testemunho, isto é, no modo como se comunicam «escolhas, preferências, juízos que sejam profundamente coerentes com o Evangelho, mesmo quando não se fala explicitamente dele» (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2011). Um modo particularmente significativo de dar testemunho é a vontade de se doar a si mesmo aos outros através da disponibilidade para se deixar envolver, pacientemente e com respeito, nas suas questões e nas suas dúvidas, no caminho de busca da verdade e do sentido da existência humana. A aparição nas redes sociais do diálogo acerca da fé e do acreditar confirma a importância e a relevância da religião no debate público e social.

Para aqueles que acolheram de coração aberto o dom da fé, a resposta mais radical às questões do homem sobre o amor, a verdade e o sentido da vida questões estas que não estão de modo algum ausentes das redes sociais encontra-se na pessoa de Jesus Cristo. É natural que a pessoa que possui a fé deseje, com respeito e tacto, partilhá-la com aqueles que encontra no ambiente digital. Entretanto, se a nossa partilha do Evangelho é capaz de dar bons frutos, fá-lo em última análise pela força que a própria Palavra de Deus tem de tocar os corações, e não tanto por qualquer esforço nosso. A confiança no poder da acção de Deus deve ser sempre superior a toda e qualquer segurança que possamos colocar na utilização dos recursos humanos. Mesmo no ambiente digital, onde é fácil que se ergam vozes de tons demasiado acesos e conflituosos e onde, por vezes, há o risco de que o sensacionalismo prevaleça, somos chamados a um cuidadoso discernimento. A propósito, recordemo-nos de que Elias reconheceu a voz de Deus não no vento impetuoso e forte, nem no tremor de terra ou no fogo, mas no «murmúrio de uma brisa suave» (1 Rs 19, 11-12). Devemos confiar no facto de que os anseios fundamentais que a pessoa humana tem de amar e ser amada, de encontrar um significado e verdade que o próprio Deus colocou no coração do ser humano, permanecem também nos homens e mulheres do nosso tempo abertos, sempre e em todo o caso, para aquilo que o Beato Cardeal Newman chamava a «luz gentil» da fé.

As redes sociais, para além de instrumento de evangelização, podem ser um factor de desenvolvimento humano. Por exemplo, em alguns contextos geográficos e culturais onde os cristãos se sentem isolados, as redes sociais podem reforçar o sentido da sua unidade efectiva com a comunidade universal dos fiéis. As redes facilitam a partilha dos recursos espirituais e litúrgicos, tornando as pessoas capazes de rezar com um revigorado sentido de proximidade àqueles que professam a sua fé. O envolvimento autêntico e interactivo com as questões e as dúvidas daqueles que estão longe da fé, deve-nos fazer sentir a necessidade de alimentar, através da oração e da reflexão, a nossa fé na presença de Deus e também a nossa caridade operante: «Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine» (1 Cor 13, 1).

No ambiente digital, existem redes sociais que oferecem ao homem actual oportunidades de oração, meditação ou partilha da Palavra de Deus. Mas estas redes podem também abrir as portas a outras dimensões da fé. Na realidade, muitas pessoas estão a descobrir graças precisamente a um contacto inicial feito on line a importância do encontro directo, de experiências de comunidade ou mesmo de peregrinação, que são elementos sempre importantes no caminho da fé. Procurando tornar o Evangelho presente no ambiente digital, podemos convidar as pessoas a viverem encontros de oração ou celebrações litúrgicas em lugares concretos como igrejas ou capelas. Não deveria haver falta de coerência ou unidade entre a expressão da nossa fé e o nosso testemunho do Evangelho na realidade onde somos chamados a viver, seja ela física ou digital. Sempre e de qualquer modo que nos encontremos com os outros, somos chamados a dar a conhecer o amor de Deus até aos confins da terra.

Enquanto de coração vos abençoo a todos, peço ao Espírito de Deus que sempre vos acompanhe e ilumine para poderdes ser verdadeiramente arautos e testemunhas do Evangelho. «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

Vaticano, 24 de Janeiro Festa de São Francisco de Sales do ano 2013.

 

BENEDICTUS PP. XVI

© Copyright 2013 - Libreria Editrice Vaticana

 

domingo, 27 de janeiro de 2013

Documento CEAST - Família e cultura


CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE ANGOLA E SÃO TOMÉ

MENSAGEM PASTORAL FAMÍLIA E CULTURA

INTRODUÇÃO

Depois de estudados, meditados e vividos, nos anos transatos, os temas sobre «Família e Matrimónio» e «Família e Reconciliação», dentro do respectivo triénio pastoral, sob o lema «Família levanta-te e caminha» (cfr. As duas Mensagens anteriores), propomos, para este ano, Família e Cultura, sabendo quanto a cultura é importante para uma sociedade.

A famí­lia, que não é apenas a "célula" fundamental da sociedade, possui uma fisionomia peculiar, que alcança a sua primeira e fundamental confirmação, e consolida a sua identidade de «santuário da Igreja doméstica», quando os membros da família se encontram na invocação comum do "Pai-nosso". De facto, esta oração reforça a estabilidade e a solidez espiritual da família (cfr.Familiaris Consortio 55).

No plano de Deus Criador e Redentor, a família descobre não só a «identidade», o que «é», mas também a «missão», que pode e deve «fazer», tarefas estas que brotam do seu próprio ser e são a expressão do seu desenvolvimento dinâmico e existencial (G.S. 48). Doutro modo dizendo, a família está chamada a tornar-se cada vez mais comunidade de vida e de amor, numa tensão que encontrará a sua plena perfeição, como toda a realidade criada e redimida por Deus (ibid.).

1. A FAMILIA COMO INSTITUIÇÃO NATURAL E CULTURAL

Desde o início da humanidade, a família é a instituição humana mais universalizada no tempo e no espaço, sobre a qual assenta o processo de humanização. A família, assim, é tão antiga quanto a própria cultura; tendo deste modo uma dupla condição de ser uma instituição ao mesmo tempo natural e cultural (G.S. 52).

A palavra “cultura” indica, antes de tudo, a relação do homem com a natureza. Por ela, ele aprende a descobrir, a compreender e a dominar o mundo em que se encontra (G.S. 53), a desenvolver-se e a relacionar-se com os outros bem como a construir incessantemente um ambiente tipicamente humano no qual, com livre abertura aos demais, há um reciproco e consciente auxílio.

É por isso que a família constitui uma instituição natural, na qual e através da qual o homem aparece como o colaborador mais vizinho de Deus em toda a criação. Na família, o amor recíproco dos esposos é o prolongamento do amor de Deus, em que o homem e a mulher se aceitam um ao outro, nas suas diferenças, no dom recíproco dos seus corações e dos seus corpos, num amor que cresce incessantemente.

Fundada pelo próprio Criador, a família entra assim no plano de Deus Criador e Redentor (Familiaris Consortio 17) e o seu sentido antropológico-cultural é plenificado situando-se nas coordenadas do entendimento da história humana como sendo história de salvação. Sem deixar de ser uma instituição humana, a família insere-se num universo compreensivo no qual a presença de Deus revelado em Cristo se torna operante também na realidade familiar. Daí, o seu ser cultural, por ser uma reciprocidade de pessoas, uma relação de abertura que exige responsabilidade.

A Igreja ensina que a família não é um mero produto da cultura humana, para defender a sua perenidade e prioridade junto de todas outras instituições, até mesmo a do Estado que a deve proteger e promover. Ela é a primária na vida das pessoas, mesmo se submetida às transformações sócio-culturais.

Primeira célula da comunidade humana, a família vive a partir da força do amor e, por isso, vivificando tudo no modo mais perfeito com o espirito de amor, é lugar de apoio de toda a cultura, onde se transmite o precioso mas delicado património das tradições culturais, que se devem deixar iluminar pela verdade de Cristo, onde se encontra a salvação eterna da pessoa e da família.

2. O CONFRONTO COM AS CULTURAS

Hoje há uma concepção antropológica deformada, a defender uma ideologia que deixa entender o homem como resultado puro da cultura. O homem não se percebe mais como um dom oferecido a si mesmo, com um ser que lhe próprio, mas como alguém que se cria a si mesmo (Cfr.Bento XVI, Caritas in Veritate, 2009).

Sendo um ser cultural, a pessoa tem especificidades apropriadas à sua natureza criada por Deus (Gén.1, 26), imutável, querida pelo próprio Criador, que lhe deu assim uma abertura, e uma vocação transcendental e universal, mas, como Deus criou o homem para formar uma família, uma comunidade, levou a que Cristo, a Eterna Palavra do Pai veio a encarnar participando da família e cultura humanas (Cfr.G.S. 32).

Deus se revela ao homem assumindo linguagens, imagens e expressões ligadas às diversas culturas, gerando valores morais fundamentais, expressões artísticas magníficas e estilos de vida exemplares. O importante é que a cultura se abra à Palavra de Deus, para servir verdadeiramente o homem (cfr. Bento XVI, Verbum Domini 109), e se cultivar com particular cuidado o diálogo com as culturas, na confiança de encontrar em cada uma delas “as sementes do Verbo”, de que falavam os antigos Padres” (Mensagem final dos Padres Sinodais, no Sínodo sobre Nova Evangelização, 27 de Outubro de 2012)).

Num mundo de rápidas transformações sócio-culturais, onde a família parece ganhar contornos diversificados, com doutrinas que a querem destruir, é preciso em Angola ouvir a exortação de Bento XVI:

“ A África vive um choque cultural que ameaça os alicerces milenários da vida social e, por vezes, torna difícil o encontro com a modernidade. Nesta crise antropológica com que se debate, o continente africano poderá encontrar caminhos de esperança instaurando um diálogo entre os membros dos seus diversos componentes religiosos, sociais, políticos, económicos, culturais e científicos. Para isso terá necessidade de encontrar e promover uma concepção da pessoa e da sua relação com a realidade assente numa profunda renovação espiritual (Cfr. Africae Munus 11).

3. A DEFESA E A PROMOÇÃO DA FAMÍLIA NA IGREJA CATÓLICA

A família, que nasce da íntima comunhão de vida e de amor fundada no "matrimónio entre um homem e uma mulher", possui uma dimensão social própria, específica e originária, enquanto lugar primário de relações interpessoais. Como célula primeira e vital da sociedade, ela é uma instituição divina que está colocada como fundamento da vida das pessoas, como protótipo de todo ordenamento social. Aliás, esta perspectiva é uma das constantes do Magistério (cfr. A Igreja em Angola entre a Guerra e Paz, Documentos Episcopais 1974-1998, PP. 102-120 e 415-422)

Este dado faz da família o centro e o cora­ção da civilização do amor. Primeira e fundamental estrutura a favor da “ecologia humana” é a família, no seio da qual o homem recebe as primeiras e determinantes no­ções acerca da verdade e do bem, aprende o que significa amar e ser amado e, consequentemente, o que quer dizer, em concreto, ser “uma pessoa”( Compêndio da Doutrina Social da Igreja, p. 131).

A experiência mostra como é importante o papel de uma família coerente com a norma moral do ho­mem, que nela nasce e se forma. Nos nossos dias, infelizmente, vários programas sustenta­dos por meios muito poderosos parecem apostados na de­sagregação das famílias.

Às vezes, até parece que se pro­cura, por todas as formas possíveis, apresentar como "regulares" e atraentes, conferindo-lhes externas aparênci­as sedutoras, situações que, de facto, são "irregulares", como o confirmam hoje tantas tendências e situa­ções gravíssimas, como é o caso do tráfico de crianças, tra­balho infantil, crianças fora do ambiente familiar, maternidade e paternidade precoces, uso de crianças para o comércio de material pornográfico, também através dos mais modernos e sofisticados instrumentos de comunicação social. A Igreja debruça-se com afectuosa solicitude sobre quantos sofrem de tais situações, bem consciente como está do papel fun­damental que a família é chamada a desempenhar.

A Igreja reconhece que a família, mais do que uma unida­de jurídica, social e económica, constitui uma comunidade de amor e de solidarieda­de, insubstituível para o ensino e a transmissão dos valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos, essenciais para o desenvolvimento e o bem-estar dos próprios membros e da sociedade. Neste sentido, este dever primário da família, não pode ser descurado nem delegado (Carta dos Direitos da Família, p. 6)

No exercício das suas funções a família, como outras instituições, há-de ater-se ao princípio de subsidiariedade. Por força de tal princípio, as autoridades pú­blicas e políticas não devem subtrair à família aquelas tarefas que ela pode bem perfazer sozinha ou livremente associada a outras famílias; por outro lado, as au­toridades têm o dever de apoiar a família, assegurando-lhe todos os auxílios de que ela necessita para desempenhar de modo adequado todas as suas responsabilidades. A sua íntima relação impõe que "a sociedade não abandone o seu dever fundamental de respeitar e de promover a família". Isto requer que a acção política e legislativa salvaguarde os valores da família, desde a promoção da intimidade e da convivência familiar até ao respeito pela vida nascente, à efectiva liberdade de opção na educação dos filhos.

4. A FAMILIA EM ANGOLA

O facto de termos recebido Cristo e o seu Evangelho desde há 500 anos devia-se traduzir em usos, costumes e hábitos iluminados pelo Evangelho. Neste Ano da Fé, em que toda a Igreja é convidada a aprofundar a própria vocação cristã, vejamos como nós, angolanos, vivemos a nossa realidade da família.

4.1. ASPECTOS POSITIVOS DA FAMÍLIA AFRICANA

Veneração dos antepassados. Nas culturas e nas tradições africanas sabe-se que a organização da sociedade é feita pelas linhagens, clãs e etnias e os membros descendem de um comum tronco ancestral, que os mantém unidos e protege as suas vidas. Daí, o dever de os venerar.

Amor e abertura à vida. O africano ama a vida, por ser um dom de Deus. Sobrevive na linhagem que não pode ser interrompida, participando através da procriação deste nobre acto, que transcende o simples aspecto biológico carregando-se de um profundo significado espiritual.

O valor da família alargada. Como na abertura à vida, diminui-se a dimensão fisiológica da procriação, que pode consistir no mero dar a vida à criança, mas sim numa paternidade e maternidade que passam pela responsabilidade, consciência, amor e dedicação dos pais e dos irmãos destes e de outros membros da família.

Hospitalidade. Entendida como comunhão, a família africana tem um estilo de vida comunitária, que permite o trabalho em comum, o perdão mútuo, o amor, o acolhimento, a solidariedade clánica e a coesão étnica, a solicitude, a generosidade e o respeito aos anciãos que nunca são acantonados num lugar de solidão, mas, quais guardiães dos valores ancestrais, devem continuar na família para os transmitirem às jovens gerações.

4.2. CONFRONTO DAS NOSSAS CULTURAS COM O EVANGELHO

Aberta ao amor e ao respeito pela vida, a família, vem a ser uma realidade carregada de transcendência e de profundo significado, para o presente e para o futuro de Angola. Primária e basicamente monogâmica (cfr.Gén. 2, 18-2), por causa da unidade dual entre a mulher e o homem, mostrando que a família é a imagem da Divina Trindade, unida no amor e na comunhão (Cfr. Familiaris Consortio 18), nem sempre na nossa cultura angolana ela foi assim vivida, já que sendo uma realidade humana, passível de erros e enganos, por causa do “mistério da iniquidade”, a família angolana apresenta alguns erros, que se radicaram na nossa sociedade e que passamos a elencar:

Poligamia. Enraizada na nossa sociedade, este modo de perceber e viver a beleza da família destoa do modo original, querida pelo Evangelho, e até mesmo da multissecular e genuína tradição angolana. Defender a poligamia não é favorecer o crescimento sadio da nossa sociedade, sobretudo pois todos somos testemunhas da desagregação do tecido familiar que ela tem provocado, e seria regressar a uma fase de desenvolvimento social que já foi superada pelo Evangelho.

Amigamento. Fruto da sociedade contemporânea que teme a definitividade nas relações e nos compromissos, ele demonstra a fraqueza de mulheres e homens de hoje que os leva a experiências temporais e ocasionais. Explicam-se, por isso, as “uniões de facto” que muitas sociedades hodiernas querem tornar juridicamente legais. O aumento das uniões de facto é também consequência do enfraquecimento da fé cristã.

Alambamento. Longe de representar a sua carga e riqueza simbólicas, hoje, por causa da tendência mercantilística actual, constata-se que certos pais e parentes da noiva se servem desta prática para enriquecerem, o que não é justo, nem aceitável e nem respeita a dignidade da mulher.

Questão das heranças. Sabe-se que na concepção africana bantu, a importância da família vem pela parte uterino-matrilinear. Isto tem introduzido nas nossas comunidades uma situação nada abonatória para o bem da família. Há, filhos e esposas que ficaram viúvas, que ficam privados privados dos bens deixados pelo pai e marido, porque a família deste alienou e se apropriou de tudo.

Mentalidade feiticista e acusações de feitiçaria. Maléfica e contrária à fé e harmonia familiar, esta mentalidade é também nociva à vida, por paralisá-la e não permitir o desenvolvimento do nosso povo e da nossa terra, ocasionando acusações infundadas até de crianças inocentes e de velhos inofensivo. Reputamos isto como grande obstáculo à fé no ano em somos convidados pelo Papa, a atravessarmos aquela porta que implica, o metermo-nos num caminho para toda a vida, levando-nos a professar a Fé na Trindade-Pai, Filho e Espírito Santo, e a crermos num único Deus que é AMOR (cfr.Bento XVI, Porta Fidei).

Para terminar, deixamos algumas recomendações, esperando que cada Diocese faça as adaptações e os aprofundamentos adequados ao seu contexto cultural

-Defender o Primado da Família e a responsabilidade da procriação. A família em Angola, graças a Deus, tem ainda a peito o valor dos filhos, que leva o africano bantu, a tomar parte daquela “participação vital” que é a procriação. Mas deve-se considerar a maternidade e a paternidade como valores invioláveis a defender.

Uma boa preparação para a família deverá ter em conta os métodos de regulação da natalidade, rejeitados pela Igreja, os quais privam o amor da mulher e do homem do verdadeiro sentido da sexualidade, entendida como doação, na diferença dos seus corpos; por isso, a homossexualidade é condenada por Deus, pois ela mata a família, na sua compreensão e no seu mistério profundos, ao passo que a heterossexualidade faz parte da própria natureza da pessoa humana.

-Boa preparação para o Matrimónio. Deve-se encorajar nas comunidades paroquiais e nas Missões, particularmente em zonas com práticas do casamento tradicional, que a Igreja promova uma catequese aos jovens sobre o Namoro. Também se deve fortalecer os CPM (Cursos de Preparação Matrimonial) para os noivos, tendo em conta a realidade cultural de cada região. Estas iniciativas se devem encaminhar para a celebração do Sacramento do Matrimónio, particularmente, os amigados.

-Combater toda a mentalidade feiticista. Importa compreender a nocividade das crenças feiticistas, quer para o desenvolvimento das pessoas, quer para o desenvolvimento do nosso povo.

A nós Bispos de Angola, na nossa visita Ad Sacra Limina, no ano passado, o Papa disse-nos: “convinha um esforço conjunto das comunidades eclesiais, provadas por esta calamidade- a da feitiçaria- procurando determinar o significando profundo de tais práticas, identificar os riscos pastorais e sociais por elas veiculados e chegar a um método que conduza à sua definitiva erradicação”.

O que se tem de fazer, então, é convencer-se e ter consciência de que sem Cristo a vida é incompleta e falida pois Cristo é fundamental para a autenticidade da nossa vida. Por isso, os “Novos Movimentos” da Igreja e os sacerdotes que se dedicam às curas devem trabalhar bem na síntese entre o Evangelho e a cultura, evitando aquele sincretismo que prejudica a fé. Tenham em devida conta, os sacerdotes que exercem o ministério da cura nas Dioceses tenham em conta os aspectos psicológicos e doutrinais bem como o equilíbrio afectivo-emotivo no seu importante mas delicado múnus, porque se deve saber que as pessoas sofrem medos diversos tais como o do desemprego e o da violência. A guerra deixou nas suas vítimas muitas sequelas. Por isso é cada vez mais oportuno apresentar Cristo como divino “Médico da humanidade”.

-Construir a grande família angolana: Nós angolanos somos uma grande família de Deus (cfr.Africae Munus 3 e 7), mas devemos sê-lo em Cristo “Nosso Primogénito”, o Filho de Deus que partilha a sua filiação connosco, introduzindo-nos na vida da Trindade, o que não é mera aplicação de determinados conceitos antropológicos, mas sim expressão da verdade da Igreja e da sua identidade que partilha a vida do Deus Uno e Trino através de Cristo, que nos revela o seu Evangelho e nos manda proclamá-lo, para sempre sermos uma Família irmanada no amor.

- Criar e fortalecer nas Dioceses as Comissões da Pastoral da Cultura, com o fim de apresentar Jesus Cristo como plenitude da realização de todo homem e mulher, paradigma de toda a atitude pessoal e social, e bem assim como resposta definitiva aos problemas que afligem tantos angolanos: o feitiço, a pobreza, a falta de amor, de emprego, o desaparecimento de sãos costumes e autênticos valores do nosso povo angolano e sobretudo facilitar o diálogo fé e cultura e promover uma inculturação do Evangelho, aprofundando e estudando valores das nossas culturas que chocam com as concepções cristãs da vida.

CONCLUSÃO

Amados cristãos, a cultura, como vimos, não é tudo, não é um património imutável, intocável e incorrigível, nem é necessária e intrinsecamente boa. Enquanto produto da criatividade humana, no exercício da sua liberdade, pode veicular práticas boas ou más, edificantes ou estagnadoras, libertadoras ou escravizantes, vivificantes ou mortíferas, de convívio ou de hostilidade. Ela está e deve estar sempre ao serviço da promoção integral da pessoa humana e não o contrário.

A cultura é um bem social que está sempre em marcha, acompanhando o dinamismo do crescimento humano. Por isso, deve ser continuamente avaliada, renovada e desenvolvida, a fim de cumprir cabalmente a sua missão: humanizar sempre mais o homem, isto é, torná-lo mais imagem e semelhança de Deus, mais reflexo da beleza e do amor de Deus, mais cultor de si mesmo para projectar nos outros e na sociedade o que de mais rico, nobre e divino ele é e possui.

Assim, todas aquelas práticas culturais que não concorrem para este fim são perniciosas. Portanto, não devem ser cultivadas nem assumidas. Pura e simplesmente. Entram na categoria de “lixos e venenos” culturais que matam as pessoas e as famílias desde dentro, esvaziando-as de dignidade, de ideais, de orientação, de auto-estima e de realização e que, por conseguinte, devem ser enterrados e banidos da bagagem cultural a veicular e transmitir às gerações futuras.

É o caso, por exemplo, da crença na feitiçaria que encobre vários crimes e criminosos (envenenadores), criando um mundo secreto obscuro e nefasto para o bem-estar das pessoas e respectivas famílias e provocando degradação e retrocesso nos hábitos e costumes. Impõe-se a coragem, nesta hora, de dizermos que essa crença é um mal e, como tal, deve ser combatido a todos os níveis sem preconceitos. Assim fazendo, transformaremos a sociedade angolana numa grande família unida, irmanada, pacífica, reconciliada, aberta à vida, ao convívio plural e ao desenvolvimento integral. Transformemos e renovemos as nossas bases culturais para fazermos resplandecer a beleza da família angolana.

Peçamos a Deus, de modo especial neste ano, o dom da fé, para que por ela convertamos a nossa cultura num bem para a dignificação das nossas famílias e da nossa sociedade. Que a Família de Nazaré, Jesus, Maria e José, nos ajude a vencer esses males e desvios culturais que obscurecem o esplendor do amor e do compromisso para com Deus e para com os outros.

Maria, Mãe da fé, rogai por nós.

Luanda, 21 de Novembro de 2012

Os Bispos da CEAST

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Documento CEAST - Família e reconciliação


Mensagem Pastoral sobre Família de Reconciliação

 

INTRODUÇÃO

1. Na esteira do último Sínodo dos Bispos para a África, a CEAST, no quadro da sua programação pastoral trienal, depois de ter reflectido ao longo do ano de 2011 sobre a “Família e Matrimónio”, dedica este ano pastoral de 2012 à reflexão do tema: “Família e Reconciliação”. A família, igreja doméstica, célula e base da sociedade, é também o lugar privilegiado da aprendizagem do perdão e da reconciliação. O VI Encontro Mundial das Famílias, que teve lugar na cidade do México em Janeiro de 2008, lembrou-nos a todos o papel das famílias cristãs e o seu dever de educar e formar para os valores humanos e cristãos. Importa, pois, tudo fazer para proteger a família, se queremos preservar a paz e a harmonia social. A Igreja, fiel aos ensinamentos de Cristo, prega por toda a parte, oportuna e inoportunamente, o evangelho do perdão e da reconciliação.

 

2. Família e Reconciliação caminham juntas, pois, enquanto a família, derivada do matrimónio e fundada no amor, representa a célula primária da Igreja e da sociedade; a reconciliação é uma das experiências básicas da vida cristã e do amor de Deus, possibilidade permanente de acolher a graça de Deus que permite a regeneração do homem e da mulher, criados à sua imagem e semelhança (Gen. 1,26) fazendo com que o reconciliado reencontre a fonte de bênção (Mt 18, 15-20; Jo 20,19-23).

 

I – ALGUNS MALES DE QUE ENFERMA A FAMÍLIA

1. As falsas ideologias, os longos anos de guerra fratricida e de violência, e a pobreza económica extrema dilaceraram profundamente as famílias angolanas. As deslocações forçadas, a falta de habitação condigna, a alimentação insuficiente, o desemprego, o alcoolismo, o sistema de saúde deficitário, a violência doméstica nas suas mais variadas formas, a fuga à paternidade, as relações extraconjugais, estáveis ou ocasionais, causadoras de chantagens e rivalidades são alguns exemplos de males gerados por uma concepção deturpada de família e agravados pela instabilidade provocada pela guerra.

Preocupa-nos sobremaneira o aumento de lares constituídos por gerações múltiplas - avós, pais, filhos e netos - a partilharem espaços limitados, onde se cruzam conflitos por interesses de espaços e de gerações.

 

2. A disseminação massiva de informação através de diferentes meios de comunicação, principalmente da televisão e da internet, a par das suas vantagens, também tem efeitos nocivos no seio familiar. Não poucas vezes, a educação dos filhos, sobretudo nas cidades, é confiada às telenovelas, filmes e programas inadequados para as crianças, longe da atenção e do controlo dos pais e encarregados de educação, absorvidos como andam pela busca de subsistência, quando não alienados pelo pretexto de uma falsa liberdade, o que acaba por deixar os filhos entregues à sua sorte e expostos à violência, à pornografia, e a outros comportamentos nocivos como o aborto, o desrespeito à autoridade paterna, namoros e casamentos precoces, contravalores amplamente difundidos pela televisão e pela internet.

 

3. A desestruturação social e familiar é visível na nossa sociedade. A relação intrafamiliar ficou banalizada sobretudo na separação dos membros das famílias que são, para todos os efeitos, a garantia de estabilidade dentro da mesma. Torna-se cada vez mais frequente as obrigações laborais levarem os cônjuges a viver habitualmente a muitos quilómetros de distância um do outro.

A guerra foi um mal que afectou não apenas os chefes de famílias, mas, também, todos os seus membros, ficando estes vulnerados até ao ponto de perderem os valores elementares dentro da família, tais como o perdão, a harmonia e o respeito dentro do lar. Deste modo, fica subvertida a ordem dos valores.

 

4. Alguns contravalores da nossa cultura têm ressurgido com perigosa intensidade.

As acusações de feitiçaria, tanto contra as crianças como contra os velhos, têm levado à destruição de muitas famílias, causando à exclusão, do seio familiar, destas franjas, já por si necessitadas de carinho e aconchego, traumatizando-as para o resto das suas vidas. A crença na feitiçaria tornou-se tão perniciosa que, até nas grandes cidades, influencia a vida de não só de iletrados mas também de intelectuais, que nela colocam toda a sua confiança.

 

Mais doloroso ainda é que determinados grupos religiosos, na ânsia do lucro fácil, vão confundindo, em nome de Deus, a verdade com o erro, proclamando-se como visionários do oculto. Mas como bem diz o profeta: “Os ídolos só dão respostas vãs e os adivinhos têm visões mentirosas, fornecem sonhos enganadores e dão consolações ilusórias. Por isso andam perdidos como ovelhas sem pastor” (Zac 10, 2).

 

 As exigências financeiras e materiais feitas nas chamadas “cartas de pedidos” e “alambamentos”, excedem o simbolismo primário do dote, tornando-se, em muitos casos, verdadeiros negócios de compra e venda, que fragilizam o papel e a dignidade da mulher na família.

 

 Algumas práticas que excluem a mulher e os filhos da herança, por morte do marido e do pai, criam enormes injustiças, fragmentam as famílias, empurrando muitas vezes a viúva e os filhos para situações de mendicidade.

 

 A concepção errada de que a abundância de meios materiais legitima a constituição de famílias poligâmicas acaba por se tornar uma fonte de conflitos e rivalidades.

 

5. Por último, os modelos familiares dominantes em cargos públicos - sobretudo políticos e económicos -, em muitos casos, não são exemplares e fazem com que muitos jovens não encontrem referências a seguir, o que é deplorável.

 

II – A FAMÍLIA AO SERVIÇO DA JUSTIÇA, DA RECONCILIAÇÃO E DA PAZ.

6. O Concilio Vaticano II, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, afirma que “a família - na qual se congregam as diferentes gerações que reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida social - constitui assim o fundamento da sociedade. E por esta razão, todos aqueles que têm alguma influência nas comunidades e grupos sociais, devem contribuir eficazmente para a promoção do matrimónio e da família” (GS 52).

 

Apesar dos modelos de família sofrerem variações ao longo dos tempos e nos diversos contextos culturais, ela constitui sempre uma base fundamental da sociedade, sendo chamada a desempenhar um papel crucial na educação, desenvolvimento e socialização de cada pessoa humana, que a qualidade da vida social acaba por reproduzir em grande parte. Como ensinou o Beato Papa João Paulo II, de veneranda memória, “enquanto comunidade educativa, a família deve ajudar o ser humano a discernir a própria vocação e a assumir o empenho necessário para uma maior justiça, formando-o desde o início, para relações interpessoais, ricas de justiça e de amor” (FC 2). Esta exigência passa inequivocamente pelo dever de o pai e a mãe não serem apenas progenitores, mas também educadores (GE, 3).

Apesar de este dever estar consagrado na legislação angolana, é com tristeza que assistimos à atitude egoísta e cobarde de muitos pais que não contribuem para o sustento e a educação dos filhos por si gerados, com consequências traumáticas no desenvolvimento da sua personalidade. O Beato João Paulo II reconhecia que “se coloca assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, sejam reconhecidos os verdadeiros valores, sejam defendidos os direitos do homem e da mulher e seja promovida a justiça também nas estruturas da sociedade” (FC 8).

7. Importa reconhecer que a verdadeira Paz nasce da Justiça (Is. 32,17) e os índices de violência – física, psicológica, sexual, económica, cultural, religiosa, etc - tanto na família como na sociedade, são sinal manifesto de graves injustiças, que exigem reparação e um processo de reconciliação onde a dignidade de cada pessoa seja reconhecida e respeitada.

 

8. Como refere a Declaração Final da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, realizada recentemente, “a Igreja em África, quer enquanto Família de Deus, quer ao nível individual dos seus membros crentes, tem o dever de ser instrumento de paz e de reconciliação, segundo o coração de Cristo, nossa paz e reconciliação» (Nuntius 8); e, com as demais Igrejas em África, a Igreja em Angola está «consciente de que muitas das nossas famílias vivem sob uma grande pressão. A pobreza torna frequentemente os pais incapazes de cuidar dos seus filhos, com consequências desastrosas. Queremos recordar aos governos e às autoridades civis

que um país que destrói com as suas leis as suas próprias famílias, hipoteca o futuro da própria nação. Muitas famílias pedem apenas o suficiente para sobreviverem. E elas têm direito a viver» (Mensagem [Nuntius], 24).

 

9. Perante os enormes desafios que se colocam hoje às famílias angolanas e às entidades civis e religiosas a quem é confiado o encargo de as promover e proteger, mesmo reconhecendo a diversidade dos contextos e das nossas comunidades eclesiais, ousamos apresentar algumas propostas concretas que, uma vez postas em prática, vão ajudar as famílias angolanas, católicas ou não, a serem mais sólidas, estáveis e felizes. Desta forma, vamos também contribuindo para a construção de uma sociedade mais humana e por isso mais justa, próspera e pacífica, em suma, mais conforme aos desígnios de Deus.

 

10. Por isso, dirigimos o nosso apelo a vários actores que desempenham um papel fundamental na qualidade da vida familiar.

 

Às Comunidades Cristãs pedimos o compromisso de:

ü promover uma evangelização integral que inclua, além da dimensão religiosa e espiritual, a dimensão familiar, social, económica, cultural e política.

ü intensificar os serviços de escuta e aconselhamento familiar nas paróquias, como instâncias de reconciliação;

ü promover grupos e movimentos apostólicos que ajudam as famílias católicas a viver as diferentes etapas por que vão passando num clima de entre-ajuda humana e espiritual;

ü promover nas Paróquias e Missões cursos de relações humanas e gestão de conflitos com aplicações concretas à vida familiar;

ü incluir nos cursos de preparação do matrimónio temáticas que ajudem a aprofundar a beleza e a graça sacramental do matrimónio e a perceber as dificuldades concretas da vida familiar, algumas formas concretas de as prevenir e/ou superar, indicando também as entidades que poderão ajudar os noivos a enfrentá-las;

ü estimular as Comissões de Justiça e Paz para que ajudem as pessoas a accionar os mecanismos legais que obrigam os progenitores a contribuir para o sustento de todos os filhos que geraram;

ü estimular as Paróquias e Missões a criar creches e actividades de ocupação de tempos livres para ajudar as crianças, adolescentes e jovens (que vão crescendo sem a presença de adultos) a interiorizar regras, hábitos e a desenvolver as suas capacidades de forma positiva;

ü tomar iniciativas que ajudem a prevenir e permitam tratar a dependência do álcool e das drogas, que afecta dramaticamente muitas famílias.

ü acolher e apoiar as famílias cujos membros estão infectados ou afectados pelo VIH.

 

Às entidades do Estado o empenho de:

ü implementar politicas públicas de apoio às famílias: habitação digna a custos acessíveis, acesso a creches e escolas para todos, políticas que fomentem o emprego e a qualificação dos angolanos, valorizando o trabalho e o descanso. 

ü promover a multiplicação de instituições que permitam a ocupação construtiva dos tempos livres através de bibliotecas, incentivo de actividades literárias, desportivas, recreativas e culturais.

ü maior protecção social dos membros mais vulneráveis que são abandonados ou rejeitados pelas suas famílias por razões culturais ou económicas.

ü tanto quanto possível, nas áreas a requalificar para construção, as famílias cujas casas se prevêem demolir possam ser realojadas condignamente na mesma zona de residência, evitando o seu desenraizamento e aliviando os seus gastos com deslocações para a escola, o trabalho, etc.

ü desenvolver políticas que desincentivem o consumo excessivo de álcool, num país onde uma cerveja é mais barata que uma garrafa de água.

ü criar instituições competentes para tratar a dependência do álcool e de outras drogas.

Aos Meios de Comunicação Social solicitamos encarecidamente uma participação mais activa na formação e educação das nossas famílias para os valores cívicos, culturais e cristãos.

 

Aos que se preparam para constituir família recomendamos o seguinte:

ü procurar conhecer os seus próprios defeitos e qualidades e os do seu par, aprendendo a compreendê-los e a aperfeiçoar-se, pedindo ajuda se necessário;

ü criar um projecto comum de vida familiar, pois para a estabilidade da família não basta a atracção sentimental entre os noivos (reflectindo, por exemplo, sobre o tempo que um (a) jovem investe na sua instrução e qualificação profissional e o que investe na formação da sua família);

ü procurar concluir os estudos e arranjar emprego, criando assim as condições económicas que permitam à sua família a tarefa de prover às suas necessidades.

 

Às famílias lembramos o dever de:

ü viver uma caridade activa, cultivando os valores fundamentais da justiça, do respeito, da solidariedade, do serviço e do amparo dos mais vulneráveis;

ü incentivar a educação cristã dos filhos, tanto na família como na comunidade cristã, e acompanhar a orientação vocacional de cada um, tanto no plano profissional como na orientação para a vida familiar, religiosa ou presbiteral;

ü cultivar os valores fundamentais de justiça, respeito, perdão e serviço;

ü na medida do possível acompanhar o crescimento físico e afectivo dos filhos, cuidando a qualidade do tempo que passam juntos, pois não há prendas nem dinheiro que compense o que venha a faltar em atenção e carinho;

ü cultivar o diálogo e a reconciliação diante das dificuldades e dos conflitos;

ü alimentar a unidade familiar das famílias cristãs através da oração em família; ü e particularmente, nos momentos de dor e infelicidade, procurar o reforço efectivo e afectivo dos laços familiares, evitando situações que criem desunião.

CONCLUSÃO

11. Ao concluir, recordemos o apelo do Santo Padre, o Papa Bento XVI, no final da nossa recente visita „Ad Limina Apostolorum‟: Na verdade, os cristãos respiram o espírito do seu tempo e sofrem a pressão dos costumes da sociedade em que vivem; mas, pela graça do Baptismo, são chamados a renunciar às tendências nocivas imperantes e a caminhar contra a corrente guiados pelo espírito das Bem-aventuranças”.

 

Tornemos pois as nossas famílias numa escola de reconciliação, que seja fermento de paz e amor cada vez mais alargados até incluírem todos os filhos e filhas de Angola e S. Tomé e Príncipe.

Rogamos a Sagrada Família de Nazaré que abençoe o esforço de reconciliação de todas as nossas famílias e lhes dê a coragem de imitar suas virtudes.

 

Luanda, 17 de Novembro de 2011.

Os Bispos Católicos de Angola e S. Tomé

 

domingo, 6 de janeiro de 2013


Nota Pastoral
 
Aproblematica da feitiçaria e suas implicações na vida eclesial

A paz de Cristo esteja convosco

Nós, Arcebispos e Bispos de Angola e S. Tomé, estivemos reunidos em Assembleia Geral Ordinária, em Luanda, dos dias 14 a 21 do corrente mês de Novembro de 2012.

Entre as questões ligadas à nossa missão pastoral e às prementes necessidades do rebanho que Jesus Cristo nos confiou, figurou a abordagem da problemática da feitiçaria e das suas implicações na vida eclesial.

Como todos sabem, a feitiçaria é um problema que vem de longe. Mas em nossos dias ganhou proporções tão grandes, que perturba a vida dos cristãos, destrói os laços familiares e afecta as relações entre as pessoas. Não raras vezes, vai ao ponto de até perturbar a ordem pública, devido à prática da justiça privada.

De facto, a feitiçaria perturba a vida dos cristãos, porque está intimamente ligada ao diabo, o qual os tenta a praticar uma religião falsa. Por isso, em vez de levá-los à união com Deus, sua origem e pai de bondade, alicia-os para se deixarem conduzir pelo demónio e a servi-lo como senhor das suas vidas.

Com clareza e sem rodeios, Jesus nos diz quem é o diabo. O diabo diz o Senhor, «é homicida desde o princípio», ele é mentiroso e pai da mentira» (Jo. 8, 44).

O homicida e mentiroso não é apenas inimigo de Deus, mas é igualmente inimigo dos homens. Isto é evidente, tanto para os pequeninos, como para os grandes. E a maior mentira, ligada ao homicídio, e que podemos chamar raiz de todas as mentiras, é aquela que entrou no mundo através do demónio, disfarçado em figura de serpente. O diabo levou os primeiros pais da humanidade a desobedecerem ao Criador, com a promessa de eles também virem a ser como Deus (Cf. Gn 3, 5).

Depois de ter seduzido os nossos primeiros pais, mais tarde, atreveu-se a tentar o próprio Jesus Cristo, nosso Salvador. Fez isso precisamente no tempo em que o Filho de Deus Se preparava para anunciar a todas as mulheres e a todos os homens a verdade e o dom da salvação, a receber mediante a mudança de vida e a obediência à Sua Palavra.

Hoje, não queremos tratar detalhadamente do problema do feitiço. Tocaremos apenas nalguns dos pontos principais, como início do que iremos desenvolver num tempo posterior.

Desde tempos imemoriais, a África, em geral, nomeadamente a nossa querida Mãe-Pátria, Angola, acredita em um só Deus, Criador de todos e de todas as coisas. Entretanto, enquanto a África não conheceu o Evangelho de Cristo, a fé num Deus único frequente vezes andou ofuscada por uma sombra que geralmente passou a chamar-se feitiçaria.

A feitiçaria tem muito a ver com o problema da vida. Em África, como noutros continentes, tornou-se provérbio a frase de que acima de tudo importa a vida. Esta precisa de sustento num sentido muito variado. Sustento quanto ao alimento corporal e espiritual, sustento quanto ao vestir, bem como no que se refere às necessidades fundamentais que lhe são ligadas.

A busca exagerada de tudo isto, arrasta as pessoas para a idolatria do ter por ter, para a adoração daquilo que Jesus chamou Mamona, em vez de Deus, fonte de todo o bem material.

As consequências são evidentes. Uma vez que se troca Deus pelo dinheiro, a imagem de Deus, que é a pessoa humana, fica tratada da mesma maneira, e é trocada pelos bens materiais. E como se isso não bastasse, o feiticeiro não hesitará em sacrificar a vida dos outros, sem mesmo excluir a dos seus familiares. Realmente, quando atinge o ponto extremo, a tentação para os bens materiais torna-se assassina.

A primeira tentação, com a qual o diabo experimentou Jesus, tem a ver com o que acabamos de dizer. «Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas pedras se convertam em pães». As palavras do diabo nada têm a ver com a relação filial de Cristo com Deus. O que o demónio pretende é desviá-Lo do jejum com que Ele honrou a vontade do Pai como Seu maior alimento, de preferência ao sustento corporal. A resposta que deu ao tentador constitui exemplo para todos, especialmente para nós, Seus discípulos: « Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 5).

Nessa resposta há um aspecto que convém reter. Jesus não diz: Mas também, porém diz simplesmente: «Mas de toda a palavra que sai da boca de Deus». Com isto, Ele ensina que a busca dos bens materiais deve submeter-se à procura da vontade de Deus, Autor de todos os bens. De contrário cai-se no culto dos bens materiais, na idolatria da riqueza.

E a procura e conservação desmedida dos bens materiais conduz à crueldade. Nas línguas do nosso País essa feitiçaria tem um nome próprio.

A feitiçaria está ligada à soberba da vida, à grandeza isolada e cheia de presunção, e não admite outra grandeza além da própria. O diabo tentou Cristo dizendo: « Se Tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo» (Mt 4, 6). Mas Jesus respondeu: «Não tentarás o Senhor teu Deus (Mt 4,7).

Feitiçaria e procura do domínio absoluto sobre os outros caminham de mãos dadas. Isto nos faz lembrar a terceira tentação do demónio contra Cristo: “Mostrando-lhe todos os reinos com a sua glória, (o diabo) disse-lhe”: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares» (Mt 4, 8-9). Jesus reage prontamente: «Vai-te, Satanás, ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto» (Mt 4, 9-10).

Finalmente a feitiçaria usa dos adivinhos e de envenenamentos. Perante o problema do mal, nomeadamente o da morte; diante de acontecimentos cujas causas se desconhecem, a feitiçaria recorre aos adivinhos; estes constituem uma fonte inesgotável de crimes de vária espécie; têm como ponto central a mentira e a calúnia, os quais conduzem à destruição moral e física de inocentes, mesmo de crianças e até dos próprios filhos.

Há envenenamentos que se fazem às escondidas e outros há que se realizam publicamente. Os envenenamentos públicos obedecem a uma cerimónia com que se finge descobrir o responsável de um crime passível de morte, constrangendo-o a ingerir o veneno em quantidade mortífera. Tal envenenamento possui diferentes nomes, segundo a diversidade das nossas línguas:

O que dissemos até agora parece claro. Entretanto, poderia alguém insistir, perguntando: Por que aludir às tentações de Cristo, estando nós a tratar do problema da feitiçaria? Até porque, como diz o Apóstolo S. Pedro, «Cristo não cometeu pecado e na Sua boca não se encontrou mentira» (1 Pt 2, 22).

- Fazemo-lo precisamente porque, como cristãos, estudamos o assunto à luz de Cristo. Cristo ilumina os caminhos da nossa viagem para Deus, nosso Pai e Pai de todos os homens. E se Ele permitiu ser tentado, foi para nos dar o exemplo de resistência ao diabo. Tal exemplo vale para todos, cristãos e não cristãos, porque o Filho de Deus veio à terra para a salvação de todos.

O diabo tem medo de Cristo e teme igualmente os que acreditam em Jesus e n’Ele confiam. Não tenhamos medo do diabo. A isso também nos exorta o Apóstolo Tiago, dizendo: «Resisti ao demónio e ele fugirá de vós». Em cada pessoa humana, baptizada ou não, Deus ama e protege a Sua imagem. Por isso, dizemos com S. Paulo: «Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?» (Rm 8, 12 ).

Radicados na fé e na caridade que vem do coração de Deus, proclamamos solenemente: a feitiçaria é incompatível com o nosso baptismo, é contrária à vocação da vida consagrada mediante o sacerdócio ou a profissão dos Votos evangélicos. Toda a pessoa que vai consultar o feiticeiro ou o advinho comete um pecado grave contra o Primeiro Mandamento, e não pode ir à comunhão sem antes se confessar, com arrependimento e propósito firme de emenda.

Somos chamados a viver na liberdade gloriosa e alegre dos filhos de Deus e à participação na vida divina, que Cristo nos trouxe.

Neste Ano da Fé, vamos purificar-nos de tudo quanto a possa abnubilar, muito especialmente da mentalidade feiticista.

Venha em nosso auxílio Maria, Mãe da Igreja, nosso exemplo e educadora na fé.

 

Luanda,21 de Novembro de 2012

Os Bispos de Angola e São Tomé