Nota Pastoral
Aproblematica da feitiçaria e suas implicações na
vida eclesial
A paz de Cristo esteja convosco
Nós, Arcebispos e Bispos de Angola e S. Tomé, estivemos reunidos
em Assembleia Geral Ordinária, em Luanda, dos dias 14 a 21 do corrente mês de
Novembro de 2012.
Entre as questões ligadas à nossa missão pastoral e às prementes
necessidades do rebanho que Jesus Cristo nos confiou, figurou a abordagem da
problemática da feitiçaria e das suas implicações na vida eclesial.
Como todos sabem, a feitiçaria é um problema que vem de longe.
Mas em nossos dias ganhou proporções tão grandes, que perturba a vida dos
cristãos, destrói os laços familiares e afecta as relações entre as pessoas.
Não raras vezes, vai ao ponto de até perturbar a ordem pública, devido à
prática da justiça privada.
De facto, a feitiçaria perturba a vida dos cristãos, porque está
intimamente ligada ao diabo, o qual os tenta a praticar uma religião falsa. Por
isso, em vez de levá-los à união com Deus, sua origem e pai de bondade,
alicia-os para se deixarem conduzir pelo demónio e a servi-lo como senhor das
suas vidas.
Com clareza e sem rodeios, Jesus nos diz quem é o diabo. O diabo
diz o Senhor, «é homicida
desde o princípio», ele é mentiroso e pai da mentira» (Jo. 8, 44).
O homicida e mentiroso não é apenas inimigo de Deus, mas é
igualmente inimigo dos homens. Isto é evidente, tanto para os pequeninos, como
para os grandes. E a maior mentira, ligada ao homicídio, e que podemos chamar
raiz de todas as mentiras, é aquela que entrou no mundo através do demónio,
disfarçado em figura de serpente. O diabo levou os primeiros pais da humanidade
a desobedecerem ao Criador, com a promessa de eles também virem a ser como Deus
(Cf. Gn 3, 5).
Depois de ter seduzido os nossos primeiros pais, mais tarde,
atreveu-se a tentar o próprio Jesus Cristo, nosso Salvador. Fez isso
precisamente no tempo em que o Filho de Deus Se preparava para anunciar a todas
as mulheres e a todos os homens a verdade e o dom da salvação, a receber
mediante a mudança de vida e a obediência à Sua Palavra.
Hoje, não queremos tratar detalhadamente do problema do feitiço.
Tocaremos apenas nalguns dos pontos principais, como início do que iremos
desenvolver num tempo posterior.
Desde tempos imemoriais, a África, em geral, nomeadamente a
nossa querida Mãe-Pátria, Angola, acredita em um só Deus, Criador de todos e de
todas as coisas. Entretanto, enquanto a África não conheceu o Evangelho de
Cristo, a fé num Deus único frequente vezes andou ofuscada por uma sombra que
geralmente passou a chamar-se feitiçaria.
A feitiçaria tem muito a ver com o problema da vida. Em África,
como noutros continentes, tornou-se provérbio a frase de que acima de tudo importa a vida.
Esta precisa de sustento num sentido muito variado. Sustento quanto ao alimento
corporal e espiritual, sustento quanto ao vestir, bem como no que se refere às
necessidades fundamentais que lhe são ligadas.
A busca exagerada de tudo isto, arrasta as pessoas para a
idolatria do ter por ter, para a adoração daquilo que Jesus chamou Mamona, em
vez de Deus, fonte de todo o bem material.
As consequências são evidentes. Uma vez que se troca Deus pelo
dinheiro, a imagem de Deus, que é a pessoa humana, fica tratada da mesma
maneira, e é trocada pelos bens materiais. E como se isso não bastasse, o
feiticeiro não hesitará em sacrificar a vida dos outros, sem mesmo excluir a
dos seus familiares. Realmente, quando atinge o ponto extremo, a tentação para
os bens materiais torna-se assassina.
A primeira tentação, com a qual o diabo experimentou Jesus, tem
a ver com o que acabamos de dizer. «Se Tu és o Filho de Deus, ordena que estas
pedras se convertam em pães». As palavras do diabo nada têm a ver com a relação
filial de Cristo com Deus. O que o demónio pretende é desviá-Lo do jejum com
que Ele honrou a vontade do Pai como Seu maior alimento, de preferência ao sustento
corporal. A resposta que deu ao tentador constitui exemplo para todos,
especialmente para nós, Seus discípulos: « Nem
só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus»
(Mt 4, 5).
Nessa resposta há um aspecto que convém reter. Jesus não diz:
Mas também, porém diz simplesmente: «Mas
de toda a palavra que sai da boca de Deus». Com isto, Ele ensina
que a busca dos bens materiais deve submeter-se à procura da vontade de Deus,
Autor de todos os bens. De contrário cai-se no culto dos bens materiais, na
idolatria da riqueza.
E a procura e conservação desmedida dos bens materiais conduz à
crueldade. Nas línguas do nosso País essa feitiçaria tem um nome próprio.
A feitiçaria está ligada à soberba da vida, à grandeza isolada e cheia
de presunção, e não admite outra grandeza além da própria. O diabo tentou
Cristo dizendo: « Se Tu és o
Filho de Deus, lança-te daqui abaixo» (Mt 4, 6). Mas Jesus
respondeu: «Não tentarás o
Senhor teu Deus (Mt 4,7).
Feitiçaria e procura do domínio absoluto sobre os outros
caminham de mãos dadas. Isto nos faz lembrar a terceira tentação do demónio
contra Cristo: “Mostrando-lhe todos os reinos com a sua glória, (o diabo)
disse-lhe”: «Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares» (Mt 4, 8-9). Jesus
reage prontamente: «Vai-te,
Satanás, ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto»
(Mt 4, 9-10).
Finalmente a feitiçaria usa dos adivinhos e de envenenamentos.
Perante o problema do mal, nomeadamente o da morte; diante de acontecimentos
cujas causas se desconhecem, a feitiçaria recorre aos adivinhos; estes
constituem uma fonte inesgotável de crimes de vária espécie; têm como ponto
central a mentira e a calúnia, os quais conduzem à destruição moral e física de
inocentes, mesmo de crianças e até dos próprios filhos.
Há envenenamentos que se fazem às escondidas e outros há que se
realizam publicamente. Os envenenamentos públicos obedecem a uma cerimónia com
que se finge descobrir o responsável de um crime passível de morte,
constrangendo-o a ingerir o veneno em quantidade mortífera. Tal envenenamento
possui diferentes nomes, segundo a diversidade das nossas línguas:
O que dissemos até agora parece claro. Entretanto, poderia
alguém insistir, perguntando: Por que aludir às tentações de Cristo, estando
nós a tratar do problema da feitiçaria? Até porque, como diz o Apóstolo S.
Pedro, «Cristo não cometeu
pecado e na Sua boca não se encontrou mentira» (1 Pt 2, 22).
- Fazemo-lo precisamente porque, como cristãos, estudamos o
assunto à luz de Cristo. Cristo ilumina os caminhos da nossa viagem para Deus,
nosso Pai e Pai de todos os homens. E se Ele permitiu ser tentado, foi para nos
dar o exemplo de resistência ao diabo. Tal exemplo vale para todos, cristãos e
não cristãos, porque o Filho de Deus veio à terra para a salvação de todos.
O diabo tem medo de Cristo e teme igualmente os que acreditam em
Jesus e n’Ele confiam. Não tenhamos medo do diabo. A isso também nos exorta o
Apóstolo Tiago, dizendo: «Resisti
ao demónio e ele fugirá de vós». Em cada pessoa humana, baptizada
ou não, Deus ama e protege a Sua imagem. Por isso, dizemos com S. Paulo: «Se Deus está por nós, quem pode estar
contra nós?» (Rm 8, 12 ).
Radicados na fé e na caridade que vem do coração de Deus,
proclamamos solenemente: a feitiçaria é incompatível com o nosso baptismo, é
contrária à vocação da vida consagrada mediante o sacerdócio ou a profissão dos
Votos evangélicos. Toda a pessoa que vai consultar o feiticeiro ou o advinho
comete um pecado grave contra o Primeiro Mandamento, e não pode ir à comunhão
sem antes se confessar, com arrependimento e propósito firme de emenda.
Somos chamados a viver na liberdade gloriosa e alegre dos filhos
de Deus e à participação na vida divina, que Cristo nos trouxe.
Neste Ano da Fé, vamos purificar-nos de tudo quanto a possa
abnubilar, muito especialmente da mentalidade feiticista.
Venha em nosso auxílio Maria, Mãe da Igreja, nosso exemplo e
educadora na fé.
Luanda,21 de Novembro de 2012
Os Bispos de Angola e São Tomé
Nenhum comentário:
Postar um comentário