"Por Deus, tenham um blog!" Papa Bento XVI


Coragem, Levanta-te! Jesus te Chama!


domingo, 7 de dezembro de 2014


“Ulika ukupanga osongo, kawukuefeli visso”

(A solidão tira-te o espinho, mas não te sopra o olho)

“O que ouvimos,

O que vimos com nossos próprios olhos,

O que contemplamos.

E o que nossas mãos apalparam...

Isso vos anunciamos” 1 Jo 1ss

 

A eficácia da evangelização no continente africano se mede pela capacidade de tornar visível, palpável e concreta a esperança cristã do Reino de Deus. Igreja como manifestação visível do Corpo de Cristo está no mundo e para o mundo, transformando-o em sinal do Reino de Deus a “Família de Deus”. Ao ser batizada a pessoa diz não a solidão, mergulha no amor de Deus e do próximo e para o próximo, ama e sente-se amada, acolhe e sente-se acolhida ... é meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu pai... são os que sopram os olhos.

Na cultura africana-angolana coexistem muitos pais, muitas mães, muitos irmãos e irmãs, todos responsabilizam-se no cuidado e na ternura, na proteção e na insegurança, na alegria e na tristeza, na vida e na morte. É uma vivência radical da solidariedade. Ninguém canta só, ninguém dança só, ninguém chora só.

O “individualismo” é algo incompatível com a cultura africana, onde tudo deve ser articulado em ordem a uma coesão sempre maior de todo o grupo. Na conversa, na dança, no canto, no nascimento, na doença... Todos e tudo estão mobilizados em favor da vitória da Vida sobre a Morte. Assegurar esta vitória é participar à Vida Total, numa comunhão sempre mais intensa entre os vivos, os que “já partiram – antepassados” e a inteira criação cuja Fonte é o próprio Deus.

Assistimos um grande conflito cultural entre o pessoal e o comunitário. A força da tradição remete a pessoa para o comunitário-coletivo, no risco de perder a identidade pessoal pela massificação cultural, mas as exigências da pós-modernidade lançam a pessoa na solidão do meu e do só meu, com risco de supervalorizar o individual, caindo no individualismo.

A vivência cristã em África deve trabalhar num equilíbrio das relações, EU – EU, EU – DEUS, EU – OUTRO e EU – MUNDO. Estas relações amadurecem a identidade pessoal e alarga a identidade social.

A vida comunitária não resolve tudo, e nem sequer a solidão, dado que na realidade a solidão não é causada pelo viver sozinho, embora estas duas situações se sobreponham. A solidão é mais fruto do que existe em nossa cabeça, do que o resultado de qualquer estilo de vida. Quando vivemos sozinhos, a vida prega-nos mais peças na nossa cabeça, e pensamentos de desespero e impotência podem facilmente assediar a nossa alma. Quando vivemos no medo, vivemos isolados. Com o espírito que procede de Jesus, ousamos viver juntos. Um dos primeiros e grandes Padres da Igreja, Tertuliano, expressou sua sabedoria ao afirmar: “Solus christianus, nullus christianus” (o cristão solitário não é cristão).

O que os Sacramentinos podem oferecer a Nova Evangelização no contexto africano? “Nossa espiritualidade é missionária-eucarístico-mariana. Ela é inspirada no seguimento de Jesus, o missionário do Pai, à imitação de Maria...” (Const. 06). “Uma espiritualidade que se alimenta da Eucaristia é uma espiritualidade forte e missionária para os homens – para todos e cada um – uma espiritualidade de amor e sacrifício que desinstala e coloca em contato com o sofrimento do mundo. Quando se participa da Eucaristia, Jesus Cristo age pessoalmente e atualmente, assim se torna natural que a pessoa eucaristizada comunique aos outros a inquietação redentora que recebe do próprio Cristo.” (Pe. Pascoal Rangel, SDN)

A eucaristia cria comunidade, lança a pessoa ao encontro de outros para ser e celebrar a alegria do amor de Deus. Não há solidão eucarística, a comunhão se faz com a Igreja e pela Igreja. Somos devedores da presença eucarística e real na história dos povos africanos, ter uma compreensão desta presença viva e eficaz de Jesus Eucarístico, possibilita uma segurança no amor universal que a Igreja oferece a todo ser humano, tornando-o povo de Deus, família alargada no contexto africano.

Partilhar o amor e sacrifico é tirar a coroa de espinhos cravada na cabeça de Jesus e da humanidade, mas não podemos fazer tudo sozinhos, devemos partilhar a missão de soprar os olhos da humanidade para ver melhor e interagir com a cultura que nos circula e também nos sopra os olhos.

Como Sacramentinos somos um pequeno rebanho, enviado para o meio de “lobos”, de uma nova cultura, nova forma de ser e suscitar Igreja. Deve nos consolar as palavras de São João Crisóstomo: “Enquanto somos ovelhas, vencemos e superamos os lobos, ainda que nos rodeiem em grande número, mas se nos convertemos em lobos, somos vencidos, por que perdemos a proteção do Pastor. O Pastor não apascenta lobos mas ovelhas; por isso ele te abandona e se afasta de ti, porque não lhe permite manifestar o seu poder.

            O que o Senhor quer dizer é isto: “Não vos perturbeis pelo fato de Eu vos enviar para o meio dos lobos e ao mesmo tempo vos ordenar que sejais como ovelhas e como pombas. Poderia fazer-vos o contrário, enviando-vos de modo que não tivésseis de suportar nenhum mal, não vos sujeitando ao perigo dos lobos e tornando-vos mais temíveis que os leões. Mas convém que seja mesmo assim, porque deste modo só aumenta Vossa Glória e se manifesta Seu Poder”.

Ao assumir esta missão no continente africano estamos partilhando de nossa pobreza e de nossa maturidade missionária, pois só é madura uma Igreja que envia seus membros além de suas fronteiras (a cultura é um lobo pronto a nos devorar). Devemos portanto ser simples como as pombas e prudentes como a serpente. Conhecer, penetrar na cultura e nas estruturas sociais às apalpadelas, confiando e vivenciando a Providência do Bom Pastor.

Não estamos aqui para tirar espinhos na solidão, mas para soprar os olhos dos que conosco partilham a vida e deixar que nossos olhos sejam purificados pelo sopro do Espírito Santo que sobra onde quer. Como o salmista devemos nos perguntar: “Que é o homem Senhor para que cuides dele com tanto carinho?” (Sl 08)

A pessoa humana na tradição africana é uma realidade extremamente complexa, é o momento do encontro de todas as ondas de vida que percorrem o universo material, traz em si a totalidade do gérmen da história, é o traço de união entre os antepassados e as gerações futuras, traz em si a humanidade total, é homem e mulher, pai-mãe-filho; sociedade, povos e nações, ele é parceiro de Deus, aquele que leva consigo a voz de toda criação diante do seu Criador, aquele a quem Deus pode falar e ele responde.

Tudo aquilo que fazemos e somos não tem razão de ser em si mesmo e por si mesmo, mas para a missão. Bem disse o Papa Francisco: eu sou missão. Por isso, é necessário continuar a anunciar a Palavra de Deus, Cristo, que venceu a morte conferindo à humanidade a esperança da ressureição. Contudo, é preciso que hoje esta Palavra de Deus seja anunciada fora dos sinais sagrados, fora dos muros da Igreja, em lugares não institucionalizados, numa provisoriedade e projeção abertas, na simplicidade e na pobreza. (Evangelii Gaudium)

 “A Chuva cai sobre a pele do leopardo, mas não elimina as suas manchas”. A descoberta cultural de Jesus é, como esta chuva, incapaz de inundar completamente a psique cultural tradicional da África. Numerosos africanos temem as maldições mais que confiam nas bênçãos, transferem seus “problemas” a antigas “maldições intergeracionais”. É preciso evangelizar em profundidade a alma africana. Não podemos nos acomodar com uma evangelização de verniz.

Emergem tendências de um novo despertar de uma experiência continental em África vai além da consciência de Jesus Cristo, como Ele era descrito aos africanos e como é por eles conhecido, aparece o interesse de ver Jesus como salvador concreto que rompe com os jugos e realiza milagres. Esta noção deriva de antecedentes históricos de uma crença segundo a qual a humanidade se encontra em guerra com as forças espirituais invisíveis, contra males presentes em toda a parte. O “dedo do diabo” deve ser extirpado, este ministério constitui uma parte integrante da função da religião numa terra de desagregação, perigo, enfermidade e pobreza, as pessoas buscam na Igreja lugar de refúgio e de integração espiritual e social.

A missão em África tem o dever de confrontar a problemática do mal que impede a Vida Total da pessoa, seja o mal preconizado como feitiços, possessões, encantos... para que a missão seja promissora, ela deverá estudar e compreender não somente a história e as problemáticas africanas, mas inclusive ver a existência com os olhos dos africanos. O missionário não pode querer tirar os espinhos na solidão. O desejo de se libertar da escravidão em todas as suas formas nunca abandonou a psique dos africanos. Se os espíritos malignos dominam a vida, o espinho na carne africana, então é necessário fazer tudo para alcançar a liberdade e assim livrar-se dos laços do mal. Toda e qualquer forma de servidão, espiritual ou natural, deve ser evitada, até a nível subconsciente. Limpar os olhos do corpo e da alma.

A teologia missionária tem necessidade de tomar conhecimento deste fato e estudar esta tendência à luz do Evangelho. A missão deve encontrar, compreender e abrir-se à África tal como é, só assim ver-se-á o coração sanguinolento da África e conseguiremos oferecer-lhe a cura do Evangelho numa Boa Nova integral, caso contrário, será uma notícia preparada externamente.

A educação e a catequese são chaves importantes para uma missão positiva em África. Comprometer-se na educação intensiva e em programas de assistência à saúde nas áreas mais desfavorecidas significa propagar o amor de Cristo. As Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo tem marcado esta presença educativa e curativa, tirando espinhos e abrindo os olhos da mente e da alma. Favorecendo a vivência concreta do amor universal de Cristo por toda criação e em especial pelo gênero humano.

Seguindo os latino-americanos na teologia da libertação, a teologia africana da missão pode dedicar mais esforços à Doutrina Social da Igreja, dado que os espíritos malignos nada podem contra pessoas que se encontram num padrão de vida mais elevado. Necessário realçar o aspecto de Jesus triunfante e vitorioso como libertador. Salientar demasiado a teologia da Cruz e do sofrimento não melhora muito a situação africana. Ajudar o africano a sentir o cristianismo como uma parte de sua própria carne e de seu próprio sangue, da sua alma e do seu amor. O encontro com Jesus histórico faz romper com o julgo do mal para alcançar um nível de vida feliz.

Como Sacramentinos devemos viver a Eucaristia como espelho histórico da presença de Jesus. “Nossa vida fraterna, vivida em comum, fundamenta-se na vivência do amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, modelo e fonte geradora de fraternidade. Torna-se o sinal que revela ao mundo o mistério da Igreja e a presença de Deus na história”. (Const. 42) A revelação se faz por palavras e gestos (Dei Verbum 04), a Eucaristia é o maior gesto de amor que Deus oferece a humanidade, ninguém tem maior amor do que aquele dá a vida por seu amigo...

A presença Sacramentina em África deve pautar por:

* Ser testemunhas da Eucaristia como missão-comunhão, centro irradiador de nossas ações.

* Aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus na catequese e nas equipas de reflexão bíblica.

* Ser presença que inquieta missionariamente nossas lideranças.

* Valorizar o contato pessoal como caminho de evangelização.

            Maria mãe de Jesus e nossa mãe, pedimos sua intercessão em nossas ações missionárias, ajudai-nos a superar a tentação das decisões na solidão individualista, abra nossos olhos para vermos com olhos novos a cultura em que estamos inseridos. “Contemplamos o seu SIM sem reservas a Deus, sua solicitude pelos necessitados, sua fidelidade até a cruz, sua alegria pelas maravilhas operadas pelo Senhor, sua presença entre os discípulos, Senhora da Eucaristia, Rainha dos missionários” (Const. 61) ajudai-nos a proteger a Vida Total dos povos africanos. Coração Eucarístico de Jesus, tende piedade de nós.

 

Pe. Renato Dutra Borges, SDN

Paróquia Santo António de Nana Candundo

Moxico – Alto Zambeze, Angola

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Panjika Mukwawande...


Ouvidos atentos na Palavra de Deus.

 

Panjika mukwawande, kanda upanjila phitcha jila.

Ouve o dono da lavra, não ouça o possuidor do caminho.

Presta atenção ao que diz o dono da lavra, e não o que diz quem passa pelo caminho.

 

“Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19) é o que diz o Dono da lavra. Nestes dois anos e nove meses de presença missionária em África, mais propriamente Angola, na província do Moxico, município de Alto Zambeze, na paróquia de Santo António de Nana Kandundo (comunas de Cavungo, Caianda e Lóvua) e a quase um ano na paróquia missão de São Bento em Cazombo, podemos contemplar a força da Palavra do “Dono da Lavra”, pois a missão é de Deus... vivenciar  este mandato missionário além fronteiras exige estar em sintonia constante com a Palavra de Deus, Ela é força para nossos pés e luz para o Caminho que é Jesus: Caminho, Verdade e Vida. O peregrino que passa pelo caminho pode ter boas palavras também, há muitos homens e mulheres que são exemplos na caminhada de Fé, porém, olhamos os testemunhos que deram por escutar o Dono da Lavra.

            O enriquecimento espiritual do missionário é uma consequência natural da vivência em outras culturas. As graças colhidas na convivência com os povos Luvale e Lunda Ndembo e com o clero da diocese de Lwena nos ajudam a contemplar os dons divinos que fluem com gratuidade nos projetos-sonhos que vamos tecendo em nossa colcha de retalhos cultural.

A Palavra de Deus, Dono da Lavra, está sendo partilhada nos Grupos de Reflexão que aqui passamos a chamar de Equipas de Reflexão Bíblica, cresce devagar, mas com a saúde dos bebes que são alimentados no seio materno e como as raízes das melhores árvores, “Mwana makula, umumwena ku kupara; mutondo muwalumuka lusumba, wumwena um xina”. (Criança a crescer, ve-se ao mamar; árvore a tornar-se lusumba, ve-se na base do tronco - É pelo mamar que se conhece se uma criança atingirá a maturidade, é a base da árvore que se verifica quando ela dá boa madeira.)

            Cultivamos a devoção mariana através da oração do Rosário ao redor da fogueira, oportunidade pra cultivar as sementes do Verbo que estão em cada família, em cada comunidade, quando estamos presente é momento de catequese e partilha das alegrias e tristezas, as esperanças e angústias que estão na alma destes nossos irmãos e irmãs.

           Oportunidade de dar a voz a cada pessoa, mesmo que seja para rezar uma Ave Maria, afirmando, assim, a importância e a necessidade de cada pessoa na comunidade de fé, oportunidade de ensinar a espiritualidade católica numa região de minoria cristã e marcadamente protestante, umas vez que estão aqui a mais tempo que a Igreja Católica. Oportunidade para contemplarmos no rosto das pessoas, em suas vozes, no brilho dos olhares refletidos da fogueira, a Graça de Deus que cada pessoa é para o missionário, que por vezes tem em seu olhar outro reflexo, o das próprias lágrimas, que como Maria, guarda também em seu coração. “A Igreja não cresce por proselitismo, mas pela atração da força do amor” (DA, 174).

A contemplação é uma entrada graciosa no sagrado de Jesus, deixando Jesus entrar no nosso sagrado. Ver tudo em Deus, eis o coração da contemplação. É uma relação profunda com a compaixão de Jesus que o discípulo leva ao outro, como anuncio fundamental para o encontro com Jesus, “Coragem, levanta-te, Jesus te chama” (Mc 10,47). Com a contemplação, sobra a nossa ida e uma força e inspiração do Espírito “Javé me deu a capacidade de falar como discípulo, para que eu saiba ajudar os desanimados com uma palavra de coragem. Toda manhã ele faz meus ouvidos atentos para que eu possa ouvir como discípulo (Is 50,4).

Ao ouvir a voz do Dono da Lavra o peregrino está pronto para deslocar-se, deixar a sua terra, seus parentes e a casa de seus pais. Neste caminho de fé, o peregrino deve deixar todos os laços e dependências - uma verdadeira libertação interior. É um caminho de uma espiritualidade missionária que fortalece o novo chamado de Deus na sua vida. “Há um povo escondido no coração do viajante” (Engenheiros do Hawai – Melhor assim - Tchau Radar). No coração, cada pessoa decide o rumo de sua vida. O encontro com o Deus de Jesus no coração abre o caminho para uma vida feliz e santa. Deus trabalha na transformação do coração humano (Ez 36, 25-27; Jr 31,33). Contudo, não somos nós que produzimos o novo, mas o novo não será jogado aos nossos pés sem nossa participação.

As celebrações Eucarísticas são de grande simplicidade, muita alegria, danças...sensibilidade própria dos povos africanos. Basicamente celebramos em português, pois, sentimos que nossa missão pode ajudar no crescimento cultural e dar mais dignidade a estes povos, uma vez que em outros lugares do pais, quem não sabe a língua oficial, o português, é discriminado. Fazemos a inculturação durante a celebração, as leituras são proclamadas em língua nacional (aqui Luvale ou Lunda Ndembo) e algumas orações onde todos participam, também os cânticos são em língua nacional.

            Peregrinar nas estradas, florestas, rios, pontes é uma aventura, por vezes cansativa, mas gratificante ao sentir o calor da acolhida a vibração do estar junto, acolher o que de melhor cada comunidade pode oferecer (casa, cama, comida, água, um tambwokeno mwane, shikeno mwane (seja bem vindo, em luvale e lunda, repetido várias e várias vezes) é a Eucaristia Viva, hóstia santa e agradável a Deus que revitaliza todo cansaço e fadigas das distâncias, dividimos assim a carga. Mukamba kexi ha kuhuka, welo ha kumulongeza. (A mandioca não tem problema ao colher, o problema está em fazer a carga.)

Deus pode fazer grandes coisas em nós e de dentro de nós, pois para Deus nada é impossível. Uma fé confiante nunca coloca limites a Deus. Como Deus escolheu uma menina simples e comum de Nazaré para fazer o impossível acontecer, assim, Ele nos escolhe na nossa fraqueza e pequenez e apesar das nossas limitações, para fazer, por meio de nós, um mundo melhor, salvo e feliz. Jesus quer tomar forma também em nós. Vamos eucaristizar o mundo do jeito de Maria. Coragem!

 

Tumenu Mwata vakakuzata vamalunga namapwevo muwande wenu.

Mwomo Wande wenu waunene vakakuzata vamalunga namapwevo vavandende.

Envai Senhor trabalhadores, homens e mulheres para sua Lavra.

Pois a Lavra é grande, e os Trabalhadores homens e mulheres são poucos.

 

Pe. Renato Dutra Borges, SDN – Kapilishito Kahilo, SDN

Paróquia Santo António de Nana Kandundo

Angola, Alto Zambeze - Cavungo

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Mensagem do Papa Francisco sobre mês missionário

Mensagem do Papa Francisco  sobre o mês missionário 2014.

“Queridos irmãos e irmãs!

Ainda hoje há tanta gente que não conhece Jesus Cristo. Por isso, continua a revestir-se de grande urgência a missão ad gentes, na qual são chamados a participar todos os membros da Igreja, pois esta é, por sua natureza, missionária: a Igreja nasceu «em saída».

O Dia Mundial das Missões é um momento privilegiado para os fiéis dos vários Continentes se empenharem, com a oração e gestos concretos de solidariedade, no apoio às Igrejas jovens dos territórios de missão.

Trata-se de uma ocorrência permeada de graça e alegria: de graça, porque o Espírito Santo, enviado pelo Pai, dá sabedoria e fortaleza a quantos são dóceis à sua ação; de alegria, porque Jesus Cristo, Filho do Pai, enviado a evangelizar o mundo, sustenta e acompanha a nossa obra missionária. E, justamente sobre a alegria de Jesus e dos discípulos missionários, quero propor um ícone bíblico que encontramos no Evangelho de Lucas (cf. 10, 21-23).

1. Narra o evangelista que o Senhor enviou, dois a dois, os setenta e dois discípulos a anunciar, nas cidades e aldeias, que o Reino de Deus estava próximo, preparando assim as pessoas para o encontro com Jesus. Cumprida esta missão de anúncio, os discípulos regressaram cheios de alegria: a alegria é um traço dominante desta primeira e inesquecível experiência missionária.

O Mestre divino disse-lhes: «Não vos alegreis, porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu. Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai (…)”. Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular: “Felizes os olhos que vêem o que estais a ver”» (Lc 10, 20-21.23).

As cenas apresentadas por Lucas são três: primeiro, Jesus falou aos discípulos, depois dirigiu-Se ao Pai, para voltar de novo a falar com eles. Jesus quer tornar os discípulos participantes da sua alegria, que era diferente e superior àquela que tinham acabado de experimentar.

2. Os discípulos estavam cheios de alegria, entusiasmados com o poder de libertar as pessoas dos demónios. Jesus, porém, recomendou-lhes que não se alegrassem tanto pelo poder recebido, como sobretudo pelo amor alcançado, ou seja, «por estarem os vossos nomes escritos no Céu» (Lc 10, 20).

Com efeito, fora-lhes concedida a experiência do amor de Deus e também a possibilidade de o partilhar. E esta experiência dos discípulos é motivo de jubilosa gratidão para o coração de Jesus. Lucas viu este júbilo numa perspectiva de comunhão trinitária: «Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo», dirigindo-Se ao Pai e bendizendo-O.

Este momento de íntimo júbilo brota do amor profundo que Jesus sente como Filho por seu Pai, Senhor do Céu e da Terra, que escondeu estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelou aos pequeninos (cf. Lc 10, 21).

Deus escondeu e revelou, mas, nesta oração de louvor, é sobretudo a revelação que se põe em realce. Que foi que Deus revelou e escondeu? Os mistérios do seu Reino, a consolidação da soberania divina de Jesus e a vitória sobre satanás.

Deus escondeu tudo isto àqueles que se sentem demasiado cheios de si e pretendem saber já tudo. De certo modo, estão cegos pela própria presunção e não deixam espaço a Deus.

Pode-se facilmente pensar em alguns contemporâneos de Jesus que Ele várias vezes advertiu, mas trata-se de um perigo que perdura sempre e tem a ver connosco também. Ao passo que os «pequeninos» são os humildes, os simples, os pobres, os marginalizados, os que não têm voz, os cansados e oprimidos, que Jesus declarou «felizes». Pode-se facilmente pensar em Maria, em José, nos pescadores da Galileia e nos discípulos chamados ao longo da estrada durante a sua pregação.

3. «Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado» (Lc 10, 21). Esta frase de Jesus deve ser entendida como referida à sua exultação interior, querendo «o teu agrado» significar o plano salvífico e benevolente do Pai para com os homens.

No contexto desta bondade divina, Jesus exultou, porque o Pai decidiu amar os homens com o mesmo amor que tem pelo Filho. Além disso, Lucas faz-nos pensar numa exultação idêntica: a de Maria. «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 46-47).

Estamos perante a boa Notícia que conduz à salvação. Levando no seu ventre Jesus, o Evangelizador por excelência, Maria encontrou Isabel e exultou de alegria no Espírito Santo, cantando o Magnificat.

Jesus, ao ver o bom êxito da missão dos seus discípulos e, consequentemente, a sua alegria, exultou no Espírito Santo e dirigiu-Se a seu Pai em oração. Em ambos os casos, trata-se de uma alegria pela salvação em ato, porque o amor com que o Pai ama o Filho chega até nós e, por obra do Espírito Santo, envolve-nos e faz-nos entrar na vida trinitária.

O Pai é a fonte da alegria. O Filho é a sua manifestação, e o Espírito Santo o animador. Imediatamente depois de ter louvado o Pai – como diz o evangelista Mateus – Jesus convida-nos: «Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).

«A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 1).

De tal encontro com Jesus, a Virgem Maria teve uma experiência totalmente singular e tornou-se «causa nostrae laetitiae». Os discípulos, por sua vez, receberam a chamada para estar com Jesus e ser enviados por Ele a evangelizar (cf. Mc 3, 14), e, feito isso, sentem-se repletos de alegria. Porque não entramos também nós nesta torrente de alegria?

4. «O grande risco do mundo actual, com a sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 2). Por isso, a humanidade tem grande necessidade de dessedentar-se na salvação trazida por Cristo.

Os discípulos são aqueles que se deixam conquistar mais e mais pelo amor de Jesus e marcar pelo fogo da paixão pelo Reino de Deus, para serem portadores da alegria do Evangelho. Todos os discípulos do Senhor são chamados a alimentar a alegria da evangelização.

Os bispos, como primeiros responsáveis do anúncio, têm o dever de incentivar a unidade da Igreja local à volta do compromisso missionário, tendo em conta que a alegria de comunicar Jesus Cristo se exprime tanto na preocupação de O anunciar nos lugares mais remotos como na saída constante para as periferias de seu próprio território, onde há mais gente pobre à espera.

Em muitas regiões, escasseiam as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada. Com frequência, isso fica-se a dever à falta de um fervor apostólico contagioso nas comunidades, o que faz com as mesmas sejam pobres de entusiasmo e não suscitem fascínio.

A alegria do Evangelho brota do encontro com Cristo e da partilha com os pobres. Por isso, encorajo as comunidades paroquiais, as associações e os grupos a viverem uma intensa vida fraterna, fundada no amor a Jesus e atenta às necessidades dos mais carecidos.

Onde há alegria, fervor, ânsia de levar Cristo aos outros, surgem vocações genuínas, nomeadamente as vocações laicais à missão. Na realidade, aumentou a consciência da identidade e missão dos fiéis leigos na Igreja, bem como a noção de que eles são chamados a assumir um papel cada vez mais relevante na difusão do Evangelho. Por isso, é importante uma adequada formação deles, tendo em vista uma acção apostólica eficaz.

5. «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). O Dia Mundial das Missões é também um momento propício para reavivar o desejo e o dever moral de participar jubilosamente na missão ad gentes. A contribuição monetária pessoal é sinal de uma oblação de si mesmo, primeiramente ao Senhor e depois aos irmãos, para que a própria oferta material se torne instrumento de evangelização de uma humanidade edificada no amor.

Queridos irmãos e irmãs, neste Dia Mundial das Missões, dirijo o meu pensamento a todas as Igrejas locais: Não nos deixemos roubar a alegria da evangelização! Convido-vos a mergulhar na alegria do Evangelho e a alimentar um amor capaz de iluminar a vossa vocação e missão.

Exorto-vos a recordar, numa espécie de peregrinação interior, aquele «primeiro amor» com que o Senhor Jesus Cristo incendiou o coração de cada um; recordá-lo, não por um sentimento de nostalgia, mas para perseverar na alegria. O discípulo do Senhor persevera na alegria, quando está com Ele, quando faz a sua vontade, quando partilha a fé, a esperança e a caridade evangélica.

A Maria, modelo de uma evangelização humilde e jubilosa, elevemos a nossa oração, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos e possibilite o nascimento de um mundo novo”.

Vaticano, 8 de Junho – Solenidade de Pentecostes – de 2014.
Papa Francesco
 

terça-feira, 27 de maio de 2014

A missão cresce na direção da pessoa e do mundo


A missão cresce na direção da pessoa e do mundo.

“Kumona njamba, kuenda, hukulwonoko”

(Para ver elefantes é preciso viajar, não basta ter idade avançada.)

 

“Jesus andou pelo mundo fazendo o bem a todas as pessoas...” (At 10,18)

 

Deus percebe a necessidade da humanidade e suscita pessoas para oferecer a resposta esperada ou reconduzir as pessoas ao “caminho” dos mandamentos divinos, cabe ao ser humano ouvir o chamado e responder afirmativamente, saindo de si e doando-se ao outro em qualquer lugar do mundo para anunciar as maravilhas que Deus realiza na sua própria existência. (At 2, 5-13)

Toda missão é itinerante e colhe frutos na perseverança, necessita presença, assumir um “lugar” histórico e um contexto cultural (At 17, 22-31). A referência é o Evangelho de Jesus Cristo. A missão é maior, não está limitada a determinados destinatários ou realidades culturais. A messe é grande e fica maior a cada pessoa que acolhemos no Batismo e a cada comunidade que fundamos, pois a missão cresce na direção da pessoa e do mundo!

O povo angolano é sábio quando afirma: “Husulila tchifulchi tunamonoho, hasulila uthu kutwamwenho” (Onde a terra acaba vemos, onde acabam as pessoas não o vemos)

Os limites da terra nós sabemos, mesmo assim devemos avançar para os confins do mundo, os limites do ser humano ainda são desconhecidos... o Evangelho deve então penetrar as estruturas e culturas onde vive o ser humano, motivando para o crescimento em comum (Mc 16,15).

Aprofundar o mistério da fé e a doutrina cristã a todo batizado, encantá-lo com a vivência do Reino de Deus e ainda provocar o efeito multiplicador é nosso desafio, pois devemos dar condições para que todo batizado persevere na sua missão com alegria e itinerância. (At 8, 26-40)

Não podemos nos acomodar com os batismos que celebramos, com as comunidades que fundamos; devemos proclamar e construir o Reino de Deus, a itinerância não é só percorrer caminhos, mas buscar formas, métodos, dinâmicas para aproximar as pessoas do Evangelho e o Evangelho das pessoas (1Cor 11, 17-26). Sustentar nesta convicção de que se realiza algo bom e necessário com as pessoas que convive e no lugar onde está é o que alimenta a perseverança.

Vivemos numa pequena comunidade com cerca de 30 mil habitantes, região da paróquia Santo António (comunas de Cavungo, Lóvua e Caianda) numa área de aproximadamente 22 mil km2 dando uma média de 1,36 pessoas por Km2... área vasta e pouco habitada, o cristianismo ainda é nascente, pois ainda não penetrou no cerne da cultura, por isso minoritário. Batizamos 798 pessoas e fundamos 08 comunidades de um total de 29 comunidades. Orientar as pessoas na sabedoria que está na Palavra de Deus e na tradição cristã tem sido nosso trabalho. Usamos o método de reunir as pessoas para estudar a Bíblia nos grupos de reflexão e ainda motivar as famílias para que a tarde, quando estão em volta da fogueira, rezarem o rosário.

A necessidade do Povo de Deus é gritante. Com espírito de amor e sacrifício assumimos em comunhão com nossa congregação outra área missionária vastíssima, a paróquia de São Bento, compondo assim todo município do Alto Zambeze, cerca de 48 mil km2.

Neste ano de 2014, acolhemos duas missionárias, Ir. Dorinha e Ir. Vininha, Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo. É a providência Divina, pois a missão acontece mesmo na direção das pessoas e do mundo.

Do lugar onde estamos contemplamos a dimensão do Reino de Deus que anunciamos e a comunhão do Povo de Deus que promovemos. Encantar as pessoas para o seguimento de Jesus Cristo é desafiante.  A itinerância pode se tornar uma fuga pela incapacidade de perseverar nestes desafios, é a tentação na missão, seja local, além fronteiras ou ad gentes. Superar esta tentação exige vivência fraterna, paciência histórica e clareza na percepção da missão que se realiza entre as pessoas e no mundo (Mc 4, 3-9).

Vivemos um tempo de graça na diocese de Lwena, pois nosso bispo Dom Jesus Tirso Blanco, convocou toda diocese para reflexão através do sínodo diocesano, oportunidade de testemunhar a unidade e a corresponsabilidade da Igreja Povo de Deus. Este sínodo é uma necessidade, pois, nas palavras de nosso bispo:  “A nossa Diocese, depois de um período inicial de grande expansão, viveu um tempo caracterizado não só pela destruição ou grave deteriorização de mais de sessenta das suas estruturas, mas também pela dispersão de inúmeras comunidades por causa das guerras de independência e sobretudo pela guerra fratricida que assolou o país todo e muito particularmente a nossa província. Nessa altura, houve uma diminuição drástica de missionários e uma dispersão notável de muitos fiéis. Foi um período amargo da nossa história, mas também temos que reconhecer e agradecer pastores e fiéis, principalmente os catequistas, que mantiveram viva a chama da fé do nosso povo.

Com o advento da paz foi possível a reinstalação das populações nos locais de origem e a abertura de muitas missões; trabalho feito com muito sacrifício e heroísmo. Actualmente, após mais de dez anos de paz, vivemos um tempo privilegiado: há liberdade religiosa, que nem sempre existiu no passado, e, mesmo com as dificuldades inerentes ao estado dos caminhos, é possível chegar até aos locais mais recônditos da nossa extensa Diocese.

Apesar destes sinais positivos, não nos podemos iludir: Angola tem 522 anos de evangelização e Moxico apenas 80, boa parte deles vividos em conflitos armados, com a consequente carência de missionários e de condições propícias para a tarefa da evangelização.  Por isso não é de admirar que o nosso território tenha uma das percentagens mais baixas de católicos a nível nacional.”

Que a exemplo de Jesus que tendo amado os seus que estavam no mundo amo-os até o fim (Jo 13,1) e que a atitude apressada de Maria indo ao encontro de Isabel para comunicar e celebrar as maravilhas de Deus (Lc 1, 39-40), motive cada batizado a dar passos largos e decididos na direção da pessoa e do mundo, evitando o risco de ficar a vangloriar-se da idade avançada sem nunca ter visto um “elefante”.

 
Pe. Renato Dutra Borges, SDN
 

domingo, 16 de março de 2014

KWENDA HAMWE

SÍNODO SOBRE A EVANGELIZAÇÃO


ANÚNCIO DO SÍNODO DIOCESANO DE LWENA
1.      Caríssimos irmãos e irmãs em Cristo: 2013 é um ano que ficará marcado na história da Diocese de Lwena: nele celebramos os primeiros 50 anos de Diocese, o nosso Jubileu, comemoraremos em breve os 80 anos de evangelização no nosso território e encerramos hoje o Ano da Fé vivido a nível da Igreja Católica no mundo inteiro.
2.      E também nesta Eucaristia quero anunciar a realização do primeiro Sínodo Diocesano.
3.      “Sínodo” é uma palavra um tanto pomposa. Recordo nos últimos 25 anos os Sínodos de Benguela e Luanda.
OS SÍNODOS DIOCESANOS: PASSADO E PRESENTE
4.      Que é um “Sínodo Diocesano”? A palavra “Sínodo” vem da língua grega. Nessa língua “caminho” se diz “ódos” e a nossa preposição “com” diz-se “sin”. Dali a palavra “Sínodo” significa “caminho-com”, caminho em comum, caminhar com os outros, caminhar juntos: Kwenda Hamwe. A língua grega era falada nas primeiras comunidades cristãs, sabemos que é a língua na qual estão escritos os evangelhos.
5.      Desde os primeiros tempos da Igreja os Bispos convocavam assembleias, a começar por Jerusalém[1] para dar respostas às novas situações. E deram o nome de “sínodos” a estas assembléias.
6.      Desde os primeiros séculos, os sínodos foram um dos meios através dos quais os bispos “movidos pela caridade fraterna e pelo zelo da missão universal confiada aos Apóstolos, uniram as suas forças e vontades para promoverem o bem comum e o de cada uma das igrejas[2]. O mesmo Concílio Vaticano II, que acabamos de citar, deseja que o Sínodo “retome novo vigor, para se prover mais adequada e eficazmente ao incremento da fé e à conservação da disciplina nas várias igrejas, segundo as exigências dos tempos[3].
7.       Inspirados e motivados por este desejo, não só empregamos a palavra “sínodo”, mas queremos viver o seu espírito.  Os sínodos expressavam um modo de compreender, de sentir, de viver e realizar a igreja. Assim, convocar o primeiro sínodo da Diocese de Lwena supõe um modo particular que eu tenho de compreender a igreja e meu ministério nela e para ela. E um modo de animar e motivar os padres, missionários/as e leigos para que se sintam igreja e  proclamem essa identidade com veemência: “eu sou igreja, tu és igreja, somos a igreja do Senhor”. E por isso tudo quanto é Igreja nos pertence, não nos é alheio.
8.      Tudo na Igreja nos diz respeito: alegra-nos ou causa dor, consola ou desorienta, entusiasma ou nos coloca em crise, mas não nos deixa indiferentes. O Sínodo não é apenas uma série de reuniões para decidir alguma coisa, como se tratasse de uma assembléia periódica. É, sim, um evento no Espírito Santo, para escutar a Palavra, para perguntar a Deus  e iluminar a nossa realidade, por onde devemos ir, o que devemos mudar, como nos devemos converter.
UM CONVITE VEEMENTE
9.      O Sínodo não é uma reunião contra alguém: padres contra madres, leigos contra padres, movimentos contra comunidades, comunidades contra catequistas; pelo contrário, é um momento de comunhão para ajudar o Bispo Diocesano a Governar a Diocese[4], assumindo cada um/a sua vocação, que nasce do baptismo, dom de Deus, e que é completado com outras graças que direccionam o primeiro chamamento: o matrimónio, o sacramento da ordem, a profissão religiosa, a pertença a uma comunidade cristã, etc.
10.  Todos somos igreja, todos somos chamados por Deus Pai a viver em comunhão com Cristo e entre nós, animados pelo mesmo Espírito, que é o laço da unidade e é quem reparte os dons e carismas, que são diferentes, mas não ocasião para vaidade e divisão, mas para o serviço humilde em benefício de todo o Corpo de Cristo.
11.  Viver em atitude sinodal é participar dinâmica e corresponsavelmente na vida e missão da Igreja, é construir e reconstruir cada dia a comunhão fraterna pela gratuidade e o perdão e alargar essa humanidade reconciliada em círculos concêntricos cada vez mais amplos: comunidade eclesial, família, ambientes de trabalho, bairro, Municípios, sociedade em geral. 
12.  A finalidade do Sínodo, é pois, prestar um auxílio ao Bispo no exercício da função que lhe é própria, de guiar a comunidade cristã.
Verificamos muitos sinais positivos quanto à evangelização e graças a Deus vivemos em comunhão, já entramos no dinamismo da comunhão trinitária, que é causa, exemplo e meta da nossa comunhão. Mas ainda não chegamos à perfeição no amor. Ainda somos um povo que caminha entre consolações e dores, muitas vezes profundas, no território da Província de Moxico. Esperamos
e trabalhamos para que venha o Reino de Deus em plenitude, e rezamos: “Vinde, Senhor Jesus”. Estamos em “Sínodo”, a caminho.
13.  Por isso faço a todos um convite veemente a participar, a sentir-se membro do Sínodo, com atitudes positivas, construtivas para o crescimento do corpo de Cristo nesta amada terra de Moxico
EUCARISTIA, SÍNODO E MISSÃO
14.  A celebração eucarística é uma expressão clara e eficaz da realização da igreja sinodal, que é, ao mesmo tempo, comunitária, servidora e missionária. O sacramento do Pão eucarístico significa e realiza a unidade dos crentes que formamos um só corpo em Cristo e um corpo orgânico e harmoniosamente articulado com diversidade de membros, ministérios e serviços.
15.  Popularmente chamamos à Eucarista de “Missa”. Recorda as antigas palavras de despedida: Ite, missa est. Missa significa missão, envio. Ao concluir a Eucarista não ficamos fechados no recinto de um templo, mas somos enviados, colocamo-nos em caminho para levar e testemunhar Jesus Cristo vivo nas nossas ruas, casas, escolas e locais de serviço, nas nossas famílias e nas instituições políticas e sociais. A Igreja está, edifica-se e cresce na Eucaristia. E Igreja se faz sínodo na Eucaristia.
A REALIDADE DA IGREJA DE MOXICO
16.  A nossa Diocese, depois de um período inicial de franca expansão, viveu um tempo caracterizado não só pela destruição ou grave deterioro de mais de sessenta das suas estruturas, mas também pela dispersão de inúmeras comunidades por causa das guerras de independência e sobretudo pela guerra fratricida que assolou o país todo e muito particularmente a nossa província. Nessa altura, houve uma diminuição drástica de missionários e uma dispersão notável de muitos fieis. Foi um período amargo da nossa história, mas também temos que reconhecer e agradecer pastores e fiéis, principalmente os catequistas, que mantiveram viva a chama da fé do nosso povo.
17.  Com o advento da paz foi possível a reinstalação das populações nos locais de origem e a abertura de muitas missões, trabalho feito com muito sacrifício e heroísmo. Actualmente, após mais de dez anos de paz, vivemos um tempo privilegiado: há liberdade religiosa, que nem sempre existiu no passado, e, mesmo com as dificuldades inerentes ao estado dos caminhos, é possível chegar até aos locais mais recônditos da nossa extensa Diocese.
18.   Apesar destes sinais positivos, não nos podemos iludir: Angola tem 522 anos de evangelização e Moxico apenas 80, boa parte deles vividos em conflitos armados, com a conseqüente carência de missionários e de condições propícias para a tarefa da evangelização.  Por isso não é de admirar que o nosso território  tenha uma das percentagens mais baixas de católicos a nível nacional.
19.  Não podemos deixar de agradecer a Deus a resposta positiva ao apelo feito para a vinda de novos missionários/as: chegaram num número ainda muito aquém do necessário, mas significativo, provenientes de muitas partes do país e do mundo inteiro.
20.  As comunidades cristãs partilham tradições eclesiais diversas: aquelas que permaneceram no território da Província, aquelas que emigraram para outras localidades de Angola, as que passaram longos anos além fronteiras; cada uma delas carrega consigo tradições culturais e eclesiais que se expressam no modo de celebrar, de orar e de constituir comunidades.
21.  Esta diversidade em si mesma é riqueza, mas como fazer para que seja partilhada e, sobretudo, para conseguir uma identidade, uma fisionomia própria como Diocese?
O NOSSO ESTILO DE SER IGREJA
22.  Os anos de conflito e as dificuldades inerentes à pos-guerra, não ajudaram a implementar o novo estilo de ser igreja, que, a partir do Concílio Vaticano II foi dando um novo rosto, uma nova dinâmica a toda a igreja e que se foi actualizando para nós através dos Sínodos Africanos e dos documentos deles emanados, nomeadamente “Ecclesia in Africa” do Beato João Paulo II e “Africae Munus” do Papa Bento XVI.
23.  Quanto à pastoral, falta unidade de critérios; há orientações, mas nem sempre são assumidas por todos, criando divergências e atraso pastoral, que se verifica no andamento das comunidades cristãs e a morosidade na aplicação de dinâmicas que tornariam mais eficaz a tarefa da evangelização, tornando a nossa igreja local mais missionária. Para esta necessária viragem contamos com duas ferramentas valiosas: O Conselho Diocesano de Pastoral e o Secretariado Executivo da Pastoral (SEP)
APELOS E PERSPECTIVAS
24.  E precisamente quanto à sua “missionariedade”, a nossa igreja local é deficitária: há populações inteiras sem presença da igreja, comunidades eclesiais que não são visitadas; verifica-se um certo comodismo: é imperioso despertar para a missão recebida no baptismo; temos que começar a “sair” das nossas estruturas eclesiais para ir ao encontro das populações, desafiando as distâncias; mas mesmo na cidade de Luena e nos novos bairros das vilas de Moxico encontramos uma gritante falta de presença de igreja, perante o silêncio e passividade de muitos. Todos, pelo nosso baptismo somos missionários. Urge a necessidade de ir ao encontro dessas populações.
25.  A estas periferias, devem agregar-se outras que são como “novos mundos” emergentes que devem chamar a nossa atenção: a quantidade cada vez crescente de imigrantes que chegam à nossa Província, as TICs e um mundo juvenil com novos valores, expressões e desafios. 
26.  As comunidades, não raro, funcionam a “ministério único” (catequista, pároco) sem mostrar ao mundo, a diversidade de serviços e ministérios que têm sua origem que tem e a variedade polifônica dos dons do Espírito Santo, que os suscita e sustenta.
27.  Não podemos ignorar os desafios que advém de fenômenos antigos que assumem novas formas e nos interpelam: a solidificação da mentalidade feiticista, o surgimento de seitas e movimentos religiosos que, em grande número, apresentam-se como alternativa atraente com a sua teologia da prosperidade e promessas que, mesmo incumpridas, não deixam de fascinar e seduzir.
O SÍNODO COMEÇA HOJE
28.  O Sínodo, sem ser o remédio para todos os nossos males, é uma tentativa de dar uma resposta madura a estes desafios, numa pastoral orgânica, rica pela sua diversidade, que cria comunhão, não tanto como fruto de acordos entre nós, mas a partir da nossa união com Cristo.
29.  Esta Igreja-família, Igreja-comunhão, Igreja-corresponsabilidade, que podemos chamar igreja sinodal, tem organismos e estruturas, que são as paróquias, as comissões, diocesanas e paroquiais, os conselhos diocesanos e paroquiais.
30.  Este sínodo que hoje anuncio concluirá, se Deus quiser, no fim do ano 2015, mas não tem ainda uma data fixa. Inicia hoje, com a nomeação da comissão preparatória.
31.  Coloco este Sínodo sob a protecção de Nossa Senhora de Fátima, cujo santuário teremos a ocasião de inaugurar em breve, e de Santa Teresa de Jesus, Doutora da Igreja, mestra da vida espiritual, cujo 5º centenário do nascimento será comemorado durante o nosso Sínodo.
Jesus Tirso Blanco
Bispo de Lwena
24 de Novembro de 2013
Encerramento do Ano da Fé na Festa de Cristo Rei


ACTO DE ENTREGA A NOSSA SENHORA
 Bem-Aventurada Virgem de Fátima, com renovada gratidão pela tua presença materna unimos a nossa voz à de todas as gerações que te dizem bem-aventurada.
Celebramos em ti as grandes obras de Deus, que nunca se cansa de se inclinar com misericórdia sobre a humanidade, atormentada pelo mal e ferida pelo pecado, para a guiar e salvar.
Acolhe com benevolência de Mãe o acto de entrega que hoje fazemos com confiança.
Temos a certeza que cada um de nós é precioso aos teus olhos e que nada te é desconhecido de tudo o que habita os nossos corações. Deixamo-nos alcançar pelo teu olhar dulcíssimo e recebemos a carícia confortadora do teu sorriso.
Guarda a nossa vida entre os teus braços: abençoa e fortalece qualquer desejo de bem; reacende e alimenta a fé; ampara e ilumina a esperança; suscita e anima a caridade; guia todos nós no caminho da santidade.
Ensina-nos o teu mesmo amor de predilecção pelos pequeninos e pelos pobres, pelos excluídos e sofredores, pelos pecadores e os desorientados; reúne todos sob a tua protecção e recomenda todos ao teu dilecto Filho, nosso Senhor Jesus.
Amém.
(Papa Francisco, Roma, 13 de Outubro de 2013)



[1] Actos 15, 1-30
[2] Concílio Vaticano II, Christus Dominus (CD), 36
[3] Ibid.
[4] C.I.C. Cân. 460

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Missionários enraizados em Cristo



MENSAGEM PASTORAL: CEAST, OUTUBRO 2013

 

                            “MISSIONÁRIOS ENRAIZADOS EM CRISTO

 

 

INTRODUÇÃO
1.Depois de um triénio pastoral dedicado à família e no seguimento do Ano da Fé que vivemos neste ano de 2013, os Bispos, reunidos na Assembleia Geral Ordinária da CEAST, que teve lugar na cidade de Kwito, no fim de Fevereiro e início de Março deste ano, refletiram sobre a realidade da nossa Igreja e decidiram, em sintonia com as orientações da Santa Sé, tomar como tema geral para o triênio 2014 – 2016 a NOVA EVANGELIZAÇÃO, organizando os três anos do seguinte modo:
 
1º ano: “missionários enraizados em Cristo”;
2º ano: “reavivar a fé em Cristo nos fiéis”;
3º ano: “tornar a paróquia centro da evangelização”.
 
A evangelização não poderá ser realizada sem evangelizadores. É certo que todos os cristãos confirmados são chamados a evangelizar, mas é igualmente certo que os agentes primeiros da evangelização são os pastores (bispos, padres e diáconos)  e os consagrados (religiosos, religiosas, membros de institutos seculares e leigos consagrados).
A presente mensagem, portanto, tem a finalidade de dar orientações, sobretudo, para os missionários (pessoas consagradas) presentes em Angola e São Tomé e Príncipe, sobre o que é evangelizar e como sermos evangelizadores enraizados verdadeiramente em Cristo, numa tríplice dimensão:
 
1.            Chamados a viver em Cristo
2.            Chamados a anunciar Cristo
3.            Chamados a testemunhar Cristo
 
 
1.        Chamados a viver em Cristo
2. A nossa missão de evangelizadores vem, em primeiro lugar, do nosso baptismo. Pelo baptismo tornamo-nos filhos de Deus, membros da Igreja, herdeiros da vida eterna. Como diz o Catecismo da Igreja Católica: “O santo Baptismo é o fundamento de toda a vida cristã. Pelo Baptismo somos libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados na Igreja e tornados participantes na sua missão” (CIC 1213). E acrescenta uma citação de São Gregório Nazianzeno: «O Baptismo é o mais belo e magnífico dos dons de Deus [...] Chamamos-lhe dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que não trazem nada: graça, porque é dado mesmo aos culpados: baptismo, porque o pecado é sepultado nas águas; unção, porque é sagrado e régio (como aqueles que são ungidos); iluminação, porque é luz irradiante; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de Deus» (CIC 1216).
Baptizados em Cristo: a nossa primeira vocação é sermos santos, é viver em Cristo. O objectivo da nossa existência como cristãos é um dia podermos dizer: já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. (Gal 2,20) Diz-nos São Paulo, na Carta aos Romanos: “Pelo Baptismo fomos, pois, sepultados com Cristo na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos para a glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova. De facto, se estamos integrados nele por uma morte idêntica à sua, também o estaremos pela sua ressurreição.” (Rm 6, 4-5).

 
3. Devemos olhar para a primeira comunidade de Jerusalém e ver aí as consequências do baptismo, da fé em Cristo Jesus ressuscitado. Baptizados em Cristo, aqueles cristãos assumiram uma vida nova. “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um. (Act 2, 42-45) “A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum. Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. Entre eles não havia ninguém necessitado.” (Act 4, 32-34)
O cristão baptizado vive uma vida nova, transformada, não conformada com a mentalidade e a maneira de viver do mundo (cf Rm 12, 2), é assíduo à fracção do pão (Eucaristia) e às orações; vive a fraternidade no coração e nas obras.
 
2.        Chamados a anunciar Cristo
4. Na sua Mensagem para o Dia Mundial das Missões deste ano de 2013, o Santo Padre Francisco afirmava: “A fé é dom precioso de Deus, que abre a nossa mente para que O possamos conhecer e amar. Ele quer se relacionar conosco para nos fazer participantes da sua própria vida e tornar a nossa vida mais plena de significado, melhor e mais bela. Deus nos ama! E é um dom que não podemos manter somente para nós mesmos, mas deve ser compartilhado. Se quisermos mantê-lo para nós mesmos, tornar-nos-emos cristãos isolados, estéreis e doentes. O anúncio do Evangelho faz parte do ser discípulos de Cristo e é um compromisso constante que anima toda a vida da Igreja. A solidez da nossa fé, a nível pessoal e comunitário, mede‑se também pela nossa capacidade de comunicá-la a outros, de difundi-la, de vivê-la na caridade, de testemunhá-la a quem encontramos e partilha conosco o caminho da vida.”
A Igreja existe para evangelizar: "Nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja; tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade actual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça (EN, nº 14). Seria bom voltar a ler e meditar, de novo, a exortação apostólica Evangelii Nuntiandi do Papa Paulo VI.
 
5. Como nos recordou também o Santo Padre, Papa Emérito Bento XVI, no discurso aos bispos de Angola e São Tomé por ocasião da visita “ad limina Apostolorum”, no dia 3 de Novembro de 2011: “Vós, amados Irmãos, em virtude da missão apostólica recebida, estais habilitados para introduzir o vosso povo no coração do mistério da fé, encontrando a Pessoa viva de Jesus Cristo. Enquanto Igreja … , o nosso primeiro e mais específico contributo para o povo africano é a proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, uma vez que o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento. De facto, a dedicação ao serviço do desenvolvimento procede da transformação do coração, e a transformação do coração só pode vir da conversão ao Evangelho» (Mensagem final, 15). Este não oferece «uma palavra anestesiante, mas desinstaladora, que chama à conversão, que toma acessível o encontro com Cristo, através do qual floresce uma humanidade nova» (Exort. Verbum Domini, 93).
        
 “O anúncio, de facto, não adquire toda a sua dimensão, senão quando ele for ouvido, acolhido, assimilado e quando ele tiver feito brotar naquele que assim o tenha recebido uma adesão do coração. Sim, adesão às verdades que o Senhor, por misericórdia, revelou. Mais ainda, adesão ao programa de vida, vida doravante transformada, que ele propõe; adesão, numa palavra, ao Reino, o que é dizer, ao "mundo novo", ao novo estado de coisas, à nova maneira de ser, de viver, de estar junto com os outros, que o Evangelho inaugura. Uma tal adesão, que não pode permanecer abstrata e desencarnada, manifesta-se concretamente por uma entrada visível numa comunidade de fiéis (EN 23).
A tarefa missionária é de todos os cristãos, mas ainda assim a presença e o ministério do presbítero são únicos, necessários e insubstituíveis (cfr. CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, O presbítero, pastor e guia da comunidade paroquial, nº 2).
Evangelizar é, pois, dever de todo o cristão, mas de um modo particular de nós, bispos, padres, religiosos e religiosas, consagrados e consagradas.
 
E o que é evangelizar?
 
6. Evangelizar é uma palavra com um significado bastante amplo; a evangelização é uma realidade rica, complexa e dinâmica, (cf EN 17), mas no seu sentido primordial significa anunciar a Boa Nova da salvação que Deus Pai nos oferece em Jesus Cristo. “Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho Único, para que todo o que n’Ele acredita não morra mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). Este é o kerigma que os Apóstolos pregaram.  “É pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré, - Aquele que crucificastes e que Deus ressuscitou dos mortos – é pelo seu Nome, e por nenhum outro, que este homem está curado diante de vós. Jesus é a pedra que vós, construtores rejeitastes e que Se tornou a pedro angular. Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possam ser salvos” (Act 4, 10-12; cf Act 5, 30-32).  
Evangelizar, então, é anunciar e testemunhar o Nome de Jesus como único Salvador dos homens. Não é um discurso genérico sobre a religião, sobre Deus criador, legislador e juiz; é anunciar o dom de Deus, que é o seu próprio Filho, que por nós se encarnou, ensinou a verdade e o caminho do Reino de Deus, morreu pelos nossos pecados e ressuscitou ao terceiro dia para abrir-nos o caminho da vida eterna (cf 1 Cor, 15, 3-5). Evangelizar é anunciar Cristo ao mundo.

3.        Chamados a testemunhar Cristo
7. “Esta Boa Nova há-de ser proclamada, antes de mais, pelo testemunho… Todos os cristãos são chamados a dar este testemunho e podem ser, sob este aspecto, verdadeiros evangelizadores ” (EN 21).
Já o Papa Paulo VI afirmava que o nosso mundo necessita mais de testemunhas que de mestres. A Palavra aquece o coração, mas o exemplo arrasta. Por isso, o primeiro modo de evangelizarmos é o testemunho da própria vida.
Tagore, um poeta indiano, dizia: “ide até ao rio, pegai numa das pedras roladas do rio, mergulhada na água há muitos anos, e parti-a. Vereis que por dentro está seca. Assim são os cristãos. Falam muito de Deus, mas não deixam que Deus entre dentro das suas vidas”. Esperamos que estas palavras não se apliquem a nós. Temos de deixar-nos transformar por Cristo, pela sua graça e testemunhar essa vida nova que vivemos em Cristo, com o testemunho da nossa vida.
Talvez seja oportuno lembrar que a conversão a Cristo não é algo que se deve presumir como já realizada pelo simples facto de se ter sido baptizado. A conversão a Cristo é um caminho permanente na nossa existência.
 
8. Para evangelizar é necessário antes ter sido evangelizado, ter reconhecido Jesus como único Salvador e proclamar a seu senhorio. O grito de Paulo: “ai de mim se não evangelizar” pode-se aplicar noutro sentido: “Ai de quem procura evangelizar sem antes ter sido evangelizado pela Boa Nova de Jesus”.  (José Prado Flores, fundador das Escolas Santo André).
“A evangelização não deve ser assumida como um compromisso “ad extra”; nós mesmos, pelo contrário, somos os primeiros a ter necessidade de uma re‑evangelização. É somente através de uma renovação interior que teremos a capacidade de fazer discernimento e conciliar as necessidades espirituais da nossa época com a verdade sem tempo do Evangelho” (Bento XVI aos bispos dos EUA).
 
9. Cada baptizado é «cristoforo», ou seja, portador de Cristo, como diziam os antigos Padres. Quem encontrou Cristo, como a Samaritana no poço, não pode conservar esta experiência para si, mas sente o desejo de a compartilhar, para levar outras pessoas a Jesus (cf. Jo 4). Todos nós devemos perguntar se quem se encontra connosco sente na nossa vida o entusiasmo da fé, se vê no nosso rosto a alegria de ter encontrado Cristo! (Papa Francisco Discurso aos participantes na plenária do Pontifício Conselho para a promoção da Nova Evangelização-  14 de Outubro de 2013)
“Pergunto-me: onde encontravam os primeiros discípulos a força para este seu testemunho? Como conseguiram, com os seus limites e hostilizados pelas autoridades, encher Jerusalém com o seu ensinamento? (cf. Act 5, 28) É claro que só a presença do Senhor ressuscitado entre eles e a acção do Espírito Santo podem explicar este acontecimento. Só o Senhor que estava com eles e o Espírito que os impelia à pregação explicam este evento extraordinário. A sua fé baseava-se numa experiência tão forte e pessoal de Cristo morto e ressuscitado, que não tinham medo de nada nem de ninguém, e chegavam a ver as perseguições como um motivo de honra, que lhes permitia seguir os passos de Jesus e assemelhar-se a Ele, testemunhando-o com a própria vida.
Esta história da primeira comunidade cristã revela-nos algo muito importante, que é válido para a Igreja de todos os tempos, e também para nós: quando uma pessoa conhece verdadeiramente Jesus Cristo e crê nele, experimenta a sua presença na vida e a força da sua Ressurreição, e não consegue deixar de comunicar esta experiência. E se esta pessoa encontra incompreensões ou adversidades, comporta-se como Jesus na sua Paixão: responde com o amor e a força da verdade” (Papa Francisco, Angelus do 14 de Abril).
A situação da Igreja em Angola e São Tomé e Príncipe
 
10. Somos chamados a testemunhar a nossa fé em Cristo numa realidade concreta. Por isso, vamos tecer breves considerações sobre a realidade social e eclesial que vivemos nos nossos países. É uma realidade de luzes e de sombras, de angústias e esperanças.
Temos razões para dar graças ao Senhor: há mais de 500 anos que o Evangelho chegou a estas terras, graças a Deus e a missionários generosos sacrificados e heroicos. Quase todos os angolanos e santomenses são baptizados e a grande maioria católicos. A prática dominical é bastante elevada; as nossas liturgias são vivas e bem participadas pelos nossos fiéis. Temos um número de sacerdotes que está a crescer; actualmente os sacerdotes diocesanos em Angola e São Tomé são 614, mais 9 missionários “Fidei donum”. As vocações consagradas estão a aumentar. Os nossos seminários estão cheios e as casas de formação religiosas têm um número razoável de candidatos. Contamos com um número de 103 congregações religiosas femininas e 29 masculinas a trabalhar em nossas dioceses na pastoral e no campo da assistência social (educação e saúde). Nasceram na nossa Igreja em Angola vários Institutos e Associações de Vida Consagrada e movimentos de apostolado com um forte dinamismo evangelizador. Contamos igualmente com muitos leigos totalmente dedicados ao serviço da Igreja e dos irmãos.
 
11. Mas temos igualmente de reconhecer algumas sombras: Embora a grande maioria da nossa gente tenha recebido o baptismo, o coração de muitos baptizados está ainda dividido entre o cristianismo e alguns contra-valores da cultura tradicional africana.  A mentalidade mágico-feiticista está ainda presente entre muitos cristãos e mesmo entre pessoas consagradas.
A situação das nossas comunidades cristãs e das mesmas pessoas é caracterizada por uma forte religiosidade, mas onde se misturam crenças cristãs com tradições ancestrais que nem sempre se coadunam com a fé em Cristo. Ao mesmo tempo que nos confrontamos com uma cultura fortemente secularizada.
É neste ambiente que nascem e vivem os nossos jovens. E é destes jovens que vêm as vocações consagradas. Muitos acabam por não ser capazes de resistir aos convites do “mundo” e facilmente transformam em ideal de vida, não o serviço ao Evangelho e ao irmão, mas a auto-promoção. Os demónios do prazer, do ter e do poder sempre estão à espreita para nos tentar.
Muitos sacerdotes e consagrados esquecem que, em primeiro lugar, são consagrados e que a vivência da sua consagração, em fidelidade, castidade, partilha de bens, deve ser o objectivo primeiro da sua existência. Quem sabe se não é por esta razão que acontecem abandonos do sacerdócio e da vida religiosa. Certamente que muitos destes abandonos já se iniciaram muito antes, quando as pessoas em causa perderam o sentido último da sua existência: consagração da sua vida a Deus, no serviço aos mais pobres. Não posso viver o meu sacerdócio como se fosse um funcionário. Não posso ter feito promessa de celibato ou de castidade e viver em mancebia. Não posso fazer voto de pobreza e não entregar o meu salário à comunidade. Não posso ser consagrado e não ter zelo missionário, espírito de sacrifício, de concórdia, de paz e de entrega aos irmãos.
Vivemos um tempo em que há dificuldade em organizarmos a nossa vida de modo a termos tempo para os nossos trabalhos, mas também para o Senhor; a termos tempo para a internet e a televisão, mas também para o descanso e a meditação da Palavra de Deus; a termos tempo para as nossas diversões, mas também para a Eucaristia, a reconciliação e a escuta e acompanhamento dos irmãos.
 
4. Orientações práticas
12. Depois destas considerações, sugerimos algumas linhas de acção para uma revisão de vida pessoal e comunitária, algumas orientações referentes à formação inicial e permanente e sugestões para a vida pastoral.
A)     Revisão de vida pessoal e comunitária
- Como vivo a minha identidade cristã? Que significado tem para mim ser baptizado? Agradeço o dom da fé e o do baptismo?
- Como é que vivo a minha realidade de pastor e de consagrado/a? Preocupo-me em fazer do meu ministério e vocação um serviço a Deus, à Igreja e aos irmãos?
- Que tempo dedico ao anúncio da Palavra de Deus? Preocupo-me em levar a todos o Evangelho, anunciando Cristo ao mundo a tempo e fora do tempo?
- Como vivo os sacramentos na minha vida, de um modo particular o sacramento da reconciliação? Celebro ou participo todos os dias na Eucaristia e como o faço?
- Como vivo a minha vida em comunidade? Sou fiel à oração diária, nomeadamente à oração litúrgica, à leitura e meditação da Palavra de Deus, à contemplação e à adoração eucarística?
- A minha comunidade é uma comunidade evangelizadora, onde o anúncio de Cristo é preocupação fundamental de todos?
- Procuro ser pobre, casto e obediente como Cristo?
- Sou fiel às orientações da Igreja e vivo a minha consagração com verdade, alegria e solidariedade com os irmãos?
- Cultivo a espiritualidade da comunhão, da pastoral de conjunto, de amor à Igreja, integrando-me nos seus dinamismos pastorais?
 
B)     Formação inicial
13. Que haja um período de reflexão e aprofundamento espiritual antes da entrada no estudo da teologia ou no noviciado, que leve a pessoa à conversão pessoal a Cristo, conversão que se demonstre com acções concretas, com uma vida nova que manifeste claramente os valores evangélicos.
 Que a formação espiritual-cristã acompanhe sempre a formação humana-profissional (seminários, casas de formação, …).
Dê-se uma atenção particular à formação dos candidatos ao sacerdócio e à vida consagrada no que se refere ao celibato, à pobreza, à obediência e à vida comunitária.
Ensine-se a fazer bom uso das novas tecnologias de informação e comunicação, colocando-as ao serviço da missão de evangelizadores, sem nos tornarmos escravos das mesmas.
 
C)     Formação permanente
14. Organizem-se retiros (ao menos uma vez na vida, fazer os exercícios de um mês de Santo Inácio, ou algo equivalente), jornadas e cursos sobre a Nova Evangelização, experiências de “deserto”, comunicação de experiências fortes, testemunhos de pessoas vivas e defuntas, ler a vida dos nossos santos.
Que os sacerdotes e consagrados assumam como primeiro ideal de vida a sua consagração e missão, com espírito de serviço aos irmãos, sobretudo aos mais pobres e humildes e nas zonas mais desfavorecidas.
Que se faça um acompanhamento cuidado dos sacerdotes e consagrados durante os primeiros cinco anos de ordenação ou profissão perpétua.
Que os sacerdotes estudem e tenham sempre presentes as orientações que a Igreja oferece no Directório para a vida e ministério do presbítero.