“Ulika ukupanga
osongo, kawukuefeli visso”
(A solidão tira-te o espinho, mas não te sopra o
olho)
“O que ouvimos,
O que vimos com
nossos próprios olhos,
O que
contemplamos.
E o que nossas
mãos apalparam...
Isso vos
anunciamos” 1 Jo 1ss
A eficácia da evangelização no
continente africano se mede pela capacidade de tornar visível, palpável e
concreta a esperança cristã do Reino de Deus. Igreja como manifestação visível
do Corpo de Cristo está no mundo e para o mundo, transformando-o em sinal do
Reino de Deus a “Família de Deus”. Ao ser batizada a pessoa diz não a solidão,
mergulha no amor de Deus e do próximo e para o próximo, ama e sente-se amada,
acolhe e sente-se acolhida ... é meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu pai...
são os que sopram os olhos.
Na cultura africana-angolana coexistem
muitos pais, muitas mães, muitos irmãos e irmãs, todos responsabilizam-se no
cuidado e na ternura, na proteção e na insegurança, na alegria e na tristeza,
na vida e na morte. É uma vivência radical da solidariedade. Ninguém canta só,
ninguém dança só, ninguém chora só.
O “individualismo” é algo incompatível
com a cultura africana, onde tudo deve ser articulado em ordem a uma coesão
sempre maior de todo o grupo. Na conversa, na dança, no canto, no nascimento,
na doença... Todos e tudo estão mobilizados em favor da vitória da Vida sobre a
Morte. Assegurar esta vitória é participar à Vida Total, numa comunhão sempre
mais intensa entre os vivos, os que “já partiram – antepassados” e a inteira
criação cuja Fonte é o próprio Deus.
Assistimos um grande conflito cultural
entre o pessoal e o comunitário. A força da tradição remete a pessoa para o
comunitário-coletivo, no risco de perder a identidade pessoal pela massificação
cultural, mas as exigências da pós-modernidade lançam a pessoa na solidão do
meu e do só meu, com risco de supervalorizar o individual, caindo no
individualismo.
A vivência cristã em África deve
trabalhar num equilíbrio das relações, EU – EU, EU – DEUS, EU – OUTRO e EU –
MUNDO. Estas relações amadurecem a identidade pessoal e alarga a identidade
social.
A vida comunitária não resolve tudo, e
nem sequer a solidão, dado que na realidade a solidão não é causada pelo viver
sozinho, embora estas duas situações se sobreponham. A solidão é mais fruto do
que existe em nossa cabeça, do que o resultado de qualquer estilo de vida.
Quando vivemos sozinhos, a vida prega-nos mais peças na nossa cabeça, e
pensamentos de desespero e impotência podem facilmente assediar a nossa alma.
Quando vivemos no medo, vivemos isolados. Com o espírito que procede de Jesus,
ousamos viver juntos. Um dos primeiros e grandes Padres da Igreja, Tertuliano,
expressou sua sabedoria ao afirmar: “Solus christianus, nullus christianus” (o
cristão solitário não é cristão).
O que os Sacramentinos podem oferecer a
Nova Evangelização no contexto africano? “Nossa espiritualidade é
missionária-eucarístico-mariana. Ela é inspirada no seguimento de Jesus, o
missionário do Pai, à imitação de Maria...” (Const. 06). “Uma espiritualidade
que se alimenta da Eucaristia é uma espiritualidade forte e missionária para os
homens – para todos e cada um – uma espiritualidade de amor e sacrifício que
desinstala e coloca em contato com o sofrimento do mundo. Quando se participa
da Eucaristia, Jesus Cristo age pessoalmente e atualmente, assim se torna
natural que a pessoa eucaristizada comunique aos outros a inquietação redentora
que recebe do próprio Cristo.” (Pe. Pascoal Rangel, SDN)
A eucaristia cria comunidade, lança a
pessoa ao encontro de outros para ser e celebrar a alegria do amor de Deus. Não
há solidão eucarística, a comunhão se faz com a Igreja e pela Igreja. Somos
devedores da presença eucarística e real na história dos povos africanos, ter
uma compreensão desta presença viva e eficaz de Jesus Eucarístico, possibilita
uma segurança no amor universal que a Igreja oferece a todo ser humano,
tornando-o povo de Deus, família alargada no contexto africano.
Partilhar o amor e sacrifico é tirar a
coroa de espinhos cravada na cabeça de Jesus e da humanidade, mas não podemos
fazer tudo sozinhos, devemos partilhar a missão de soprar os olhos da humanidade
para ver melhor e interagir com a cultura que nos circula e também nos sopra os
olhos.
Como Sacramentinos somos um pequeno
rebanho, enviado para o meio de “lobos”, de uma nova cultura, nova forma de ser
e suscitar Igreja. Deve nos consolar as palavras de São João Crisóstomo: “Enquanto
somos ovelhas, vencemos e superamos os lobos, ainda que nos rodeiem em grande
número, mas se nos convertemos em lobos, somos vencidos, por que perdemos a
proteção do Pastor. O Pastor não apascenta lobos mas ovelhas; por isso ele te
abandona e se afasta de ti, porque não lhe permite manifestar o seu poder.
O que o Senhor quer dizer é isto:
“Não vos perturbeis pelo fato de Eu vos enviar para o meio dos lobos e ao mesmo
tempo vos ordenar que sejais como ovelhas e como pombas. Poderia fazer-vos o
contrário, enviando-vos de modo que não tivésseis de suportar nenhum mal, não
vos sujeitando ao perigo dos lobos e tornando-vos mais temíveis que os leões.
Mas convém que seja mesmo assim, porque deste modo só aumenta Vossa Glória e se
manifesta Seu Poder”.
Ao assumir esta missão no continente
africano estamos partilhando de nossa pobreza e de nossa maturidade
missionária, pois só é madura uma Igreja que envia seus membros além de suas
fronteiras (a cultura é um lobo pronto a nos devorar). Devemos portanto ser
simples como as pombas e prudentes como a serpente. Conhecer, penetrar na cultura
e nas estruturas sociais às apalpadelas, confiando e vivenciando a Providência
do Bom Pastor.
Não estamos aqui para tirar espinhos na
solidão, mas para soprar os olhos dos que conosco partilham a vida e deixar que
nossos olhos sejam purificados pelo sopro do Espírito Santo que sobra onde
quer. Como o salmista devemos nos perguntar: “Que é o homem Senhor para que
cuides dele com tanto carinho?” (Sl 08)
A pessoa humana na tradição africana é
uma realidade extremamente complexa, é o momento do encontro de todas as ondas
de vida que percorrem o universo material, traz em si a totalidade do gérmen da
história, é o traço de união entre os antepassados e as gerações futuras, traz em
si a humanidade total, é homem e mulher, pai-mãe-filho; sociedade, povos e
nações, ele é parceiro de Deus, aquele que leva consigo a voz de toda criação
diante do seu Criador, aquele a quem Deus pode falar e ele responde.
Tudo aquilo que fazemos e somos não tem
razão de ser em si mesmo e por si mesmo, mas para a missão. Bem disse o Papa
Francisco: eu sou missão. Por isso, é necessário continuar a anunciar a Palavra
de Deus, Cristo, que venceu a morte conferindo à humanidade a esperança da
ressureição. Contudo, é preciso que hoje esta Palavra de Deus seja anunciada
fora dos sinais sagrados, fora dos muros da Igreja, em lugares não
institucionalizados, numa provisoriedade e projeção abertas, na simplicidade e
na pobreza. (Evangelii Gaudium)
“A
Chuva cai sobre a pele do leopardo, mas não elimina as suas manchas”. A
descoberta cultural de Jesus é, como esta chuva, incapaz de inundar
completamente a psique cultural tradicional da África. Numerosos africanos
temem as maldições mais que confiam nas bênçãos, transferem seus “problemas” a
antigas “maldições intergeracionais”. É preciso evangelizar em profundidade a
alma africana. Não podemos nos acomodar com uma evangelização de verniz.
Emergem tendências de um novo despertar
de uma experiência continental em África vai além da consciência de Jesus
Cristo, como Ele era descrito aos africanos e como é por eles conhecido,
aparece o interesse de ver Jesus como salvador concreto que rompe com os jugos
e realiza milagres. Esta noção deriva de antecedentes históricos de uma crença
segundo a qual a humanidade se encontra em guerra com as forças espirituais
invisíveis, contra males presentes em toda a parte. O “dedo do diabo” deve ser
extirpado, este ministério constitui uma parte integrante da função da religião
numa terra de desagregação, perigo, enfermidade e pobreza, as pessoas buscam na
Igreja lugar de refúgio e de integração espiritual e social.
A missão em África tem o dever de
confrontar a problemática do mal que impede a Vida Total da pessoa, seja o mal
preconizado como feitiços, possessões, encantos... para que a missão seja
promissora, ela deverá estudar e compreender não somente a história e as
problemáticas africanas, mas inclusive ver a existência com os olhos dos
africanos. O missionário não pode querer tirar os espinhos na solidão. O desejo
de se libertar da escravidão em todas as suas formas nunca abandonou a psique
dos africanos. Se os espíritos malignos dominam a vida, o espinho na carne
africana, então é necessário fazer tudo para alcançar a liberdade e assim
livrar-se dos laços do mal. Toda e qualquer forma de servidão, espiritual ou
natural, deve ser evitada, até a nível subconsciente. Limpar os olhos do corpo
e da alma.
A teologia missionária tem necessidade
de tomar conhecimento deste fato e estudar esta tendência à luz do Evangelho. A
missão deve encontrar, compreender e abrir-se à África tal como é, só assim
ver-se-á o coração sanguinolento da África e conseguiremos oferecer-lhe a cura
do Evangelho numa Boa Nova integral, caso contrário, será uma notícia preparada
externamente.
A educação e a catequese são chaves
importantes para uma missão positiva em África. Comprometer-se na educação
intensiva e em programas de assistência à saúde nas áreas mais desfavorecidas
significa propagar o amor de Cristo. As Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do
Amparo tem marcado esta presença educativa e curativa, tirando espinhos e
abrindo os olhos da mente e da alma. Favorecendo a vivência concreta do amor
universal de Cristo por toda criação e em especial pelo gênero humano.
Seguindo os latino-americanos na
teologia da libertação, a teologia africana da missão pode dedicar mais
esforços à Doutrina Social da Igreja, dado que os espíritos malignos nada podem
contra pessoas que se encontram num padrão de vida mais elevado. Necessário
realçar o aspecto de Jesus triunfante e vitorioso como libertador. Salientar
demasiado a teologia da Cruz e do sofrimento não melhora muito a situação
africana. Ajudar o africano a sentir o cristianismo como uma parte de sua
própria carne e de seu próprio sangue, da sua alma e do seu amor. O encontro
com Jesus histórico faz romper com o julgo do mal para alcançar um nível de
vida feliz.
Como Sacramentinos devemos viver a
Eucaristia como espelho histórico da presença de Jesus. “Nossa vida fraterna, vivida
em comum, fundamenta-se na vivência do amor entre o Pai, o Filho e o Espírito
Santo, modelo e fonte geradora de fraternidade. Torna-se o sinal que revela ao
mundo o mistério da Igreja e a presença de Deus na história”. (Const. 42) A
revelação se faz por palavras e gestos (Dei Verbum 04), a Eucaristia é o maior
gesto de amor que Deus oferece a humanidade, ninguém tem maior amor do que
aquele dá a vida por seu amigo...
A presença Sacramentina em África deve
pautar por:
*
Ser testemunhas da Eucaristia como missão-comunhão, centro irradiador de nossas
ações.
*
Aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus na catequese e nas equipas de
reflexão bíblica.
*
Ser presença que inquieta missionariamente nossas lideranças.
*
Valorizar o contato pessoal como caminho de evangelização.
Maria mãe de Jesus e nossa mãe,
pedimos sua intercessão em nossas ações missionárias, ajudai-nos a superar a
tentação das decisões na solidão individualista, abra nossos olhos para vermos com olhos novos a cultura em que
estamos inseridos. “Contemplamos o seu SIM sem reservas a Deus, sua solicitude
pelos necessitados, sua fidelidade até a cruz, sua alegria pelas maravilhas
operadas pelo Senhor, sua presença entre os discípulos, Senhora da Eucaristia,
Rainha dos missionários” (Const. 61) ajudai-nos a proteger a Vida Total dos
povos africanos. Coração Eucarístico de Jesus, tende piedade de nós.
Pe. Renato Dutra
Borges, SDN
Paróquia Santo
António de Nana Candundo
Moxico – Alto
Zambeze, Angola