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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 

Da Serpente de Bronze à Cruz de Cristo: do Símbolo à Plenitude da Salvação

 


O relato de Números 21,4-9, em que Deus ordena a Moisés erguer uma serpente de bronze para curar os israelitas picados por serpentes venenosas, é mais do que um episódio curioso da história do povo de Israel. Trata-se de uma revelação profunda da pedagogia divina, que transforma o símbolo da morte em sinal de vida. Esse acontecimento, interpretado pela tradição judaica e relido pela fé cristã, culmina na cruz de Cristo como plenitude da salvação.

A tradição rabínica, especialmente a Mishná (Rosh Hashaná 3,8), ensina: “A serpente não matava nem dava vida; mas, quando Israel olhava para cima e submetia o coração a Deus, eram curados; e quando desviavam os olhos, pereciam.”

Com isso, os mestres de Israel deixam claro que não havia poder mágico na serpente de bronze. O gesto de levantar os olhos não era superstição, mas um ato espiritual de conversão, uma expressão de arrependimento e confiança no Eterno.

Esse ensinamento se torna um antídoto contra a idolatria. A serpente de bronze não tinha valor em si mesma: era apenas instrumento pedagógico, um sinal que remetia ao Criador. A salvação não vinha do objeto, mas da relação com Deus. Assim, o olhar para cima simbolizava a submissão do coração e a abertura à graça que cura.

Essa interpretação rabínica mostra como Deus age de forma pedagógica: não elimina as consequências do pecado de modo imediato, mas convida à conversão interior. O veneno das serpentes representava a infidelidade do povo, e o levantar dos olhos simbolizava a necessidade de retornar ao Senhor.

A serpente, símbolo de morte e de pecado desde Gênesis 3, torna-se, por ordem de Deus, instrumento de cura. Esse paradoxo é chave para compreender a lógica divina: Deus não suprime o mal simplesmente, mas o transfigura em bem.

Esse princípio se repete em outros momentos da Escritura. José, vendido pelos irmãos, afirma no Egito: “Vós pensastes o mal contra mim, mas Deus o transformou em bem” (Gn 50,20).

Assim, o episódio da serpente de bronze ensina que Deus é capaz de transformar aquilo que parece derrota em vitória. Porém, quando o povo começa a venerar a serpente de bronze como um ídolo, séculos depois, o rei Ezequias a destrói (2Rs 18,4). Isso reforça a lição: o símbolo tem valor apenas enquanto remete a Deus; quando se torna fim em si mesmo, degenera em idolatria.

O Evangelho de João retoma diretamente esse episódio: “Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15).

Jesus interpreta a serpente de bronze como figura profética da cruz. Assim como os israelitas eram curados ao olhar para a serpente, todo aquele que contempla o Cristo crucificado com fé encontra a salvação.

Aqui está o coração da revelação cristã: a cruz, instrumento de tortura e vergonha, torna-se o novo estandarte de cura e vida. O que era sinal de condenação transforma-se em fonte de esperança. Na cruz, o mal não é simplesmente vencido, mas assumido e redimido.

São Paulo expressa essa lógica ao dizer: “Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1Cor 1,23).

A cruz é incompreensível pela lógica humana, mas, à luz da fé, torna-se poder de Deus e sabedoria de Deus.

Assim como os israelitas precisavam levantar os olhos para a serpente, o cristão é chamado a contemplar a cruz. Esse olhar, porém, não é físico, mas espiritual: olhar com fé significa reconhecer no Crucificado a presença do Salvador, ver além da dor e enxergar a ressurreição.

Cristo “se fez pecado por nós” (2Cor 5,21). Assumiu sobre si o peso do mal, transformando-o em caminho de redenção. A cruz revela, portanto, a pedagogia divina: Deus não elimina o sofrimento por decreto, mas o assume para redimi-lo.

Contemplar a cruz é, então, um ato transformador. É reconhecer o amor radical de Deus que se entrega totalmente. Por isso, a cruz não é memória de derrota, mas sinal de vitória, não é marca de sofrimento apenas, mas de esperança.

A alegria da cura e da salvação

Imagine um israelita no deserto, ferido pelo veneno e prestes a morrer, levantar os olhos e sentir a vida retornar ao corpo. Esse gesto de fé trazia não apenas alívio físico, mas também alegria espiritual: a certeza de que Deus não havia abandonado seu povo.

De modo semelhante, o cristão que contempla a cruz experimenta uma alegria maior. Se a serpente de bronze trazia cura temporária, Cristo na cruz oferece cura definitiva e salvação eterna.

Essa alegria não é euforia passageira, mas paz profunda. É a certeza de que os pecados foram perdoados, que a morte foi vencida e que a vida eterna nos é oferecida.

Na liturgia católica, a cruz ocupa lugar central. Na Sexta-Feira Santa, ela é elevada solenemente para a adoração dos fiéis, com o canto: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do mundo”. Esse gesto retoma a pedagogia bíblica: contemplar o madeiro como sinal de vida.

Também na Eucaristia, quando o sacerdote eleva a hóstia e o cálice, torna presente o mistério de Cristo elevado na cruz. Não se trata de recordar um evento passado, mas de atualizar sua eficácia salvífica.

Assim, a cruz não é um símbolo distante, mas realidade presente na vida da Igreja e dos fiéis. Ela acompanha o cristão em suas dores e em suas esperanças, sendo sinal constante do amor que salva.

A serpente de bronze foi um sinal pedagógico que apontava para algo maior. Cristo, elevado na cruz, leva esse sinal à plenitude. Assim como os israelitas precisavam olhar para cima para serem curados, também nós precisamos levantar os olhos da fé para Cristo crucificado.

Na cruz, encontramos o Deus que não apenas cura, mas redime; não apenas consola, mas salva. Ela nos recorda que o sofrimento não tem a última palavra, mas que Deus transforma a dor em esperança e a morte em vida.

Por isso, contemplar a cruz é participar da alegria da salvação. É deixar-se transformar pelo amor de Deus que se entrega. É reconhecer que, no alto do madeiro, se revela o coração do Evangelho: o amor que vence o mal e oferece vida eterna.

Assim, do deserto à cruz, a história da salvação é marcada por um gesto essencial: olhar para cima. Pois é lá, no alto da cruz, que encontramos o Deus que desceu para nos elevar.

 

 

Notas bibliográficas

  1. Bíblia Sagrada, Edição Pastoral. Paulus, 2014. (Nm 21,4-9; Gn 50,20; 2Rs 18,4; Jo 3,14-15; Jo 12,32; 1Cor 1,23; 2Cor 5,21).
  2. Mishná, Rosh Hashaná 3,8 – Tradução e comentários em: DANBY, Herbert. The Mishnah. Oxford: Oxford University Press, 1933.
  3. RATZINGER, Joseph (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2005.
  4. CONGAR, Yves. A cruz de Jesus Cristo. São Paulo: Paulus, 2000.
  5. KASPER, Walter. O mistério da cruz. São Paulo: Loyola, 1981.
  6. SCHILLEBEECKX, Edward. Cristo e os cristãos. São Paulo: Paulus, 1996.

 

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